Síria e Líbia falsa gémeas
"Preparávamo-nos para escrever mais uma vez sobre a Síria, com
a tristeza e indignação que nos causa a catástrofe que assola aquele país e que
a História certamente irá assinalar como dos mais injustos, cruéis e
sanguinolentos conflitos, quando li um e-mail enviado por uma querida amiga, onde
me falava da Líbia e dos tempos de Kadafi.
Dizia ela acerca da Líbia:
01. Não havia conta
de luz na Líbia, porque a electricidade era gratuita para todos.
02. Créditos
bancários, dos bancos estatais, eram sem juros (para todos, por lei expressa).
03. Casa própria era
considerada direito humano, universal, e o governo fornecia uma casa ou
apartamento para cada família.
04. Recém casados
recebiam US$ 50.000,00 para comprar casa e iniciar a vida familiar.
05. Educação e saúde
eram gratuitas, da pré-escola à universidade. Antes de Kadafi: 25% dos líbios
eram alfabetizados. Até o ano de 2010, 83% eram alfabetizados.
06. Agricultores
iniciantes recebiam terra, casa, equipamentos, sementes e gado gratuitamente.
07. Quem não
encontrou formação ou tratamento desejados recebia financiamento para ir ao
exterior, adicionalmente US$ 2.300,00 mensais para moradia e carro.
08. Na compra de
automóvel, o estado contribui com subvenção de 50%.
09. O preço de
gasolina, o litro: 0,10 Euro = R$ 0,23.
10. Faltando emprego
após a formação profissional, o estado pagava salário médio da classe até
conseguir a vaga desejada.
11. A Líbia não
tinha dívida externa - as reservas de U$ 150 bilhões. Após a ocupação os
valores foram retidos ou desviados pelos bancos estrangeiros, incluindo
investimentos em bancos estrangeiros e reservas em ouro.
12. Parte de toda
venda de petróleo era directamente creditada na conta de cada cidadão.
13. Mãe que dava a
luz, recebia US$ 5.000,00.
14. 25 % da
população líbia tem curso superior.
15. Kadhafi construiu o projecto GMMR (O Grande Rio Artificial), transportando água dos lençóis subterrâneos do Rio Nilo para as cidades e agricultura, irrigando as principais cidades do país e parte do deserto.
De imediato me assaltou ao espírito a semelhança das
tragédias que avassalam estes dois países, a Síria e a Líbia.
- Ambos tinham uma população com um excepcional padrão de vida, nomeadamente a Líbia, que
era indiscutivelmente o melhor de toda a África.
- Por outro
lado as mulheres sírias eram
particularmente bafejadas em termos árabes, já que tinham os mesmos direitos
que os homens, nomeadamente no estudo, na saúde e em muitas outras actividades.
- Do ponto de vista
religioso, a Síria é o único país árabe com uma constituição laica e não tolera
os movimentos extremistas islâmicos. Notavelmente na Síria a Chária (lei
Islâmica) é tida como inconstitucional e as mulheres não são obrigadas a usar burca.
Cerca de 10% da
população síria pertence a confissões cristãs, presentes desde sempre na vida
política e social. Ao longo da história, cinco Papas tiveram a sua origem na Síria,
onde a tolerância religiosa é total, o que a torna uma excepção do Magreb ao oriente
árabe. Nos países árabes, a população
cristã não ultrapassa o 1%, em consequência das perseguições e hostilidade que são
vítimas.
- Numa prespectiva
económica, a Síria tem reservas de petróleo na ordem dos 2.500 milhões de
barris. A sua exploração, antes da guerra, era exclusivamente reservada a
empresas do Estado. Como a
Síria era proprietária de todo o seu potencial petrolífero, os seus benefícios revertiam
totalmente para o povo, tal como na Líbia, embora de maneira menos directa,
pelos vistos.
- A Síria tem uma
abertura à sociedade e à cultura ocidental, superior a qualquer outro país
árabe. Antes da guerra civil, era o único país pacífico da zona, sem guerras
nem conflitos internos, chegando
a admitir refugiados iraquianos sem nenhuma discriminação social, política ou
religiosa. O suporte popular de
Bashar Al Assad, sempre foi extremamente elevado e promete continuar a ser,
como se irá confirmar brevemente em eleições já anunciadas.
- Perante estes factos, fácil será chegar à conclusão que ambos
os países, a Síria e a Líbia, são vítimas da cobiça de governos que tiveram, ou
presumiram que tinham, os seus interesses económicos e geoestratégicos afectados.
Curiosamente ambos, pouco tempo antes de rebentarem os conflitos,
(no caso da Líbia estamos a falar de apenas dias), mantinham relações normais e
até amigáveis com aqueles que hoje, são reconhecidamente os responsáveis pelas tragédias
que os dilaceram.
Lembremos apenas as “fraternas” relações de Sarcozi, Belusconi com Kadafi e de uma forma geral de todos políticos
ocidentais, nomeadamente dos portugueses, que pouco tempo antes o tinham convidado
a visitar o nosso país, tendo estado “acampado” no Forte de S.Julião da Barra.
-
A resolução da ONU de 1973 que autorizou atacar a Líbia e proibiu a
aviação Líbia de actuar, reservando o seu espaço aéreo, aconteceu “por
coincidência” 3 dias depois de se ter conhecimento que Kadafi tinha reunido com os embaixadores dos BRICS,
China, Rússia e Índia e lhes anunciara que ia requisitar companhias chinesas e
indianas, para substituir as ocidentais.
De facto a Líbia, já
tinha adjudicado à China gigantescas obras de construção civil (excluindo
completamente os ocidentais, tal como dissera) no valor de 18 biliões de
dólares, nomeadamente na rede de autoestradas, portos, aeroportos e outras
infraestruturas que já nessa altura ocupavam 35.000 chineses, que foram
repatriados logo que rebentaram os conflitos. A contrapartida era fornecida em petróleo.
- As razões da guerra suja que fomentaram nestes países, são
várias, mas a mais “popular” era o facto dos presidentes da Líbia e da Síria serem
autoritários e ditatoriais. Na realidade pretendiam juntar o útil ao agradável,
isto é, em ambos os casos serviam-se daquele argumento para camuflar uma das principais
intenções que era a de atingir China e a
Rússia respectivamente.
De facto, no caso da Síria, Bashar El-Assad não autorizou a
passagem pelo seu território do gasoduto, a partir do Qatar e Arábia Saudita para
abastecer Europa de petróleo e gaz, para evitar os prejuízos que essa passagem acarretaria
para a Rússia, sua aliada preferencial, habitual fornecedora da Europa, desses
produtos.
Já em 2013, o Financial Times noticiava que o Qatar gastara
mais de três biliões de dólares em dois anos, para patrocinar a rebelião na
Síria.
- Quanto à Libia, a justificação norte-americano do ponto de
vista geoestratégico, era que os colossais compromissos económicos, técnicos e
financeiros assumidos, com a China, iriam objectivamente proporcionar a chegada
desse país às margens do Mediterrâneo.
A justificar esta visão dos Estados Unidos e dos seus aliados
mais chegados, tal proximidade da potência asiática, era um perigo potencial, tendo
em consideração a sua já assinalável presença em África, onde contava com cerca
de 5 milhões de técnicos, peritos e trabalhadores, apoiando o desenvolvimento de
numerosos países africanos, a quem estava a fornecer mão-de-obra e
financiamento em condições de equidade, bastante diferente, que tornava difícil
de acompanhar pelos países “ocidentais”, ainda vestidos da sua roupagem
colonialista.
- Finalmente falta acrescentar a tudo isto, o facto de Muamar
Kadafi também ter cometido o mesmo erro de Sadam Hussein, ao ameaçar os Estados
Unidos de deixar de vender o petróleo em dólares. Bem nos lembramos neste caso,
do célebre argumento das armas de destruição maciça, que esteve na base da
invasão do Iraque.
No caso da Líbia, a diferença é que Kadafi queria substituir
os dólares e os euros por moeda de ouro e as interferências do Ocidente, como
acima foi dito e provado, pela “interesseira” mas fraterna colaboração chinesa.
De resto, não lhe seria difícil fazê-lo, pois era sabido em
relação à moeda o Banco Central da Líbia era 100% do Estado e de acordo com o
FMI, estimava-se que além das imensas reservas financeiras, o banco tinha cerca
de 144 toneladas de ouro em seus cofres.
Em relação à geoestratégia
em geral e à economia especificamente, danados estão os chines por se verem
livres das montanhas de dólares que possuem e que a proximidade de um
cataclismo financeiro que se adivinha no ocidente e particularmente nos Estados
Unidos, aconselha a que se desfaçam dos dólares o mais rapidamente possível."
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