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sábado, 28 de janeiro de 2017

Um importante e oportuno estudo!

A longa depressão do século 21 e a era da barbárie social – I

A magistral obra "O capital: crítica da economia política", de Karl Marx tornou-se, mais do que nunca, no século XXI, o ponto de partida para desvelarmos o sentido do nosso tempo histórico.

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Por Giovanni Alves.

O capitalismo global que se iniciou na década de 1980, como resposta à grande recessão de 1973-1975, teve, com a crise de 2008, sua Grande Recessão superior àquelas ocorridas em 1987, 1996 e 2000 que foram meramente recessões provocadas pela instabilidade sistêmica do capitalismo predominantemente financeirizado. Entretanto, o big crash financeiro de 2008 não se tratou apenas de uma mera crise financeira global ou recessão da economia, como as demais que ocorreram nos “trinta anos perversos” de capitalismo global (1980-2010), mas o início daquilo que podemos denominar a longa depressão do século XXI.
O economista Michael Roberts no seu interessante livro The Long Depression: How it happened, why it happened, and what happens next (Haymarket Books, 2016), defendeu a tese de que a economia capitalista global permanece desde 2008 numa profunda crise incapaz de recuperar não apenas as taxas de crescimento dos países da OCDE anteriores à recessão global de 1973-1975, mas, inclusive, as taxas de crescimento das economias capitalistas centrais anteriores à Grande Recessão de 2008.
Por exemplo, num comunicado de 2016, a OCDE previu para 2017 uma provável estagnação do comércio mundial que deverá enfraquecer o ritmo de crescimento da economia global, com taxas que não eram vistas desde a crise financeira de 2008. Diz ao relatório: “Oito anos após a crise financeira, a retomada da economia global permanece decepcionadamente frágil”. Segundo a OCDE, a economia mundial deverá apresentar uma expansão de 2,9% em 2016, contra estimativa anterior de 3% divulgada em junho. Esta é a taxa mais fraca desde a crise financeira de 2008/2009. A longa recessão da economia brasileira (2015-?) é parte do cenário da longa depressão do capitalismo global no século XXI (iremos tratar da crise brasileira no último artigo desta série).
Uma depressão na economia capitalista global não significa que ela não cresça, mas sim, que as taxas de recuperação da atividade são tão frágeis, comparadas com aquelas do período anterior à Grande Recessão, que as economias podem desacelerar e voltar a cair numa recessão. É o que tem se verificado desde 2008 nas economias do capitalismo central. Podemos, por exemplo, dizer de modo esquemático que uma recessão e a retomada do crescimento assumem a forma da letra V, como ocorreu, por exemplo, na recessão global de 1974-1975 nos países da OCDE; ou talvez a forma da letra U; ou ainda a letra W no sentido de termos um “duplo mergulho” na recessão, como ocorreu na recessão de 1980-1982. Entretanto, uma depressão não pode ser comparada a uma recessão clássica, no sentido de que a profunda queda do crescimento da economia que ocorre numa depressão, como ocorreu com o big crash de 2008 nos países capitalistas centrais, não assume a forma da letra V, isto é, uma queda e logo depois uma retomada no mesmo patamar de crescimento anterior. Pelo contrário, após a Grande Recessão, como ocorreu em 2008, pode-se verificar retomadas e crescimento frágeis das economias capitalistas.
Nos últimos oito anos, após o big crash de 2008, o crescimento das economias capitalistas centrais não foi restaurada ao mesmo patamar anterior, mas se mantém rebaixado se compararmos com as taxas de crescimento anteriores (os EUA estão a sair-se ligeiramente melhor do que União Européia e Japão, crescendo, de 2009-2014, cerca de 2%, quando costumava ser na média de 3,5% e por vez mais, na era dourada do capitalismo fordista-keynesiano). Conforme o Gráfico 1, verificamos que a partir de 2014 percebe-se uma ligeira inflexão na curva de crescimento, demonstrando a fragilidade da retomada da economia norte-americana após a Grande Recessão de 2008.
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Gráfico 1: Crescimento do PIB dos EUA (2014-2017) (Fonte: http://pt.tradingeconomics.com/united-states/gdp-growth. Acesso em: 20/01/2017)
Um importante detalhe: mesmo as taxas de crescimento das economias capitalistas centrais durante a era neoliberal (de 1982 a 2007), não tiveram o mesmo patamar de crescimento ocorrido, por exemplo, na era dourada do capitalismo fordista-keynesiano (1945-1975). Enfim, a era neoliberal continha em si, as causalidades complexas da longa depressão do século XXI.
Procuraremos resgatar a explicação marxista clássica para a tragédia no nosso tempo histórico, situando-o numa perspectiva de largo espectro. Apenas deste modo conseguiremos ir além da névoa (e da perplexidade) provocada pelo fardo do tempo histórico do capitalismo global no século XXI. O capitalismo industrial teve historicamente 3 longas depressões: a longa depressão de fins do século XIX (1873-1898), a longa depressão da metade do século XX (1929-1940) e a longa depressão do século XXI (2008-?). Cada crise capitalista e suas longas depressões possuem um complexo histórico de causalidades particulares que não discutiremos aqui. Entretanto, como demonstrou Michael Roberts, todas possuem como causa essencial a queda da taxa de lucro provocada pelo aumento da composição orgânica do capital. Esta é a tendência histórica do capitalismo como demonstrou Karl Marx no Livro III de O capital. Esta é a chave heurística capaz de explicar o desenvolvimento e as crises do capitalismo industrial.
Em seu livro, Michael Roberts nos fornece uma série de argumentos histórico-empíricos para demonstrar a validade da explicação marxista clássica para as crises capitalistas baseada na queda da taxa de lucro, apesar das controvérsias candentes entre os próprios marxistas sobre uma teoria das crises em Marx. Não iremos discutir neste pequeno artigo o debate marxista sobre a natureza das crises capitalistas (a interpretação marxista usual explica que as crises são causadas por alguma forma de subconsumismo e/ou superprodução de mercadorias pelo capital e não propriamente pela queda da taxa de lucro). Interessa-nos resgatar a explicação marxista clássica. Deste modo, a Grande Recessão de 2008 e a longa depressão do século XXI será explicada pelo movimento da queda da taxa de lucro devido ao aumento histórico da composição orgânica do capital. Deste modo, iremos compor, de modo sintético – e meramente ensaístico –, o complexo de mutações históricas do capitalismo do século XXI.
Vejamos a seguinte passagem do Livro III de O Capital de Karl Marx:
“a mesma quantidade de força de trabalho tornada disponível por um capital variável de volume de valor dado, mobiliza – elabora, consome produtivamente –, em consequência dos métodos de produção peculiares que se desenvolvem no interior da produção capitalista, uma massa sempre crescente de meios de trabalho, maquinaria e capital fixo de todo tipo, matérias‑primas e materiais auxiliares, no mesmo intervalo de tempo e, por conseguinte, também um capital constante de volume de valor sempre crescente. Essa diminuição relativa crescente do capital variável em relação ao capital constante […] é idêntica ao aumento progressivo da composição orgânica do capital social em sua média. E, do mesmo modo, não é mais que outro modo de expressar o desenvolvimento progressivo da força produtiva social do trabalho” [o grifo é nosso]

Karl Marx, O Capital: crítica da economia política. Livro III: O processo global da produção capitalista (Boitempo, 2017, no prelo, p.252)
Essa é uma formulação básica de economia marxista que iremos apenas relembrar àqueles que dominam a explicação de Marx para a acumulação capitalista. Para os iniciantes que tem interesse numa boa leitura comentada de O Capital de Karl Marx, recomendamos os livros publicados pela Boitempo editorial de David Harvey (embora o próprio Harvey não concorde com a eficácia explicativa da lei da queda da taxa de lucros para as crises capitalistas). Os livros de introdução à obra-prima de Karl Marx seriam Os limites do capital e os livros Para entender O capital, livo I e Para entender O capital, livros II e III. A magistral obra O capital: crítica da economia política, de Karl Marx tornou-se, mais do que nunca, no século XXI, o ponto de partida para desvelarmos o sentido do nosso tempo histórico.
Esta foi a grande contribuição de Karl Marx e Friedrich Engels: esclarecer os mecanismos (e a natureza) da acumulação capitalista com seus complexos de contradições no plano da produção, circulação, distribuição e consumo e no plano da própria reprodução da força de trabalho como mercadoria, a única capaz de criar valor. Nesse caso, o que exporemos é a própria lei do valor em seu movimento contraditório.
A “lei” de crescimento da composição orgânica do capital desempenha um papel vital na explicação marxista das crises capitalistas. O que Marx está dizendo ao formular o aumento da composição orgânica do capital é que a proporção de trabalho “morto” (capital constante) para trabalho “vivo” (capital variável) tende historicamente a aumentar como resultado do desenvolvimento progressivo da produtividade do trabalhador ou o aumento do capital constante tecnicamente necessário por hora decorrente do progresso técnico (o que verificamos historicamente no decorrer do século XX).
Marx nos diz que, com o aumento da composição orgânica do capital, temos a tendência decrescente da taxa de lucro (a razão íntima do próprio movimento de acumulação do capital). Eis a explicação clássica das crises capitalistas.
No Manifesto Comunista, Karl Marx e Friedrich Engels observaram em 1848, com argúcia crítica, que “A burguesia não pode existir sem revolucionar incessantemente os instrumentos de produção, por conseguinte, as relações de produção e, com isso, todas as relações sociais.” (São Paulo, Boitempo, 1999, p.43) Enfim, o desenvolvimento progressivo da produtividade social do trabalhador é uma tendência candente inelutável do desenvolvimento capitalista. O século XX, o século das revoluções tecnológicas, demonstrou à exaustão como verdade empírica a constatação de Marx e Engels. A sacada de Marx foi que “essa contínua diminuição relativa do capital variável vis-à-vis o constante”, o aumento da composição orgânica do capital, leva, como tendência estrutural, à queda da taxa média de lucro. Enfim, o século XX demonstrou que, quando o capitalismo se expande e acumula capital, há uma tendência histórica para a lucratividade cair. Eis o enunciado fundamental (e fundante) da lógica da acumulação capitalista em sua íntima natureza contraditória.
Remetemos os leitores à Parte Terceira do Livro 3 de O capital, intitulada “Lei: tendência a cair da taxa de lucro”, onde Marx expõe seu argumento, sem deixar de tratar também – e isso é muito importante – dos fatores contrários à lei e das contradições da lei tendencial à queda da taxa de lucros. O artigo não nos permite expor em detalhes como Marx chega à fórmula da taxa de lucro como sendo uma função entre a taxa de mais-valia e a composição orgânica do capital + 1 (l = m/(c+v) +1). Portanto, a taxa de lucro é diretamente proporcional à taxa de mais-valia e inversamente proporcional a (c+v) + 1 (composição orgânica do capital mais um). Portanto, a elevação da composição orgânica do capital faz declinar a taxa de lucro, a menos que, em contrapartida, a taxa de mais-valia aumente suficientemente para poder contrabalançar o primeiro efeito (a determinação da luta de classes entre o capital e o trabalho).
Na verdade, a tendência implica, de modo contraditório, um complexo de contratendencias que visam restabelecer o nível da lucratividade capaz de permitir um novo patamar de acumulação de capital. Marx em O capital referiu-se particularmente aos seguintes fatores contra-restantes: a elevação da taxa de exploração do trabalho, a redução do salário abaixo do valor da força de trabalho, isto é, a níveis insuficientes para garantir a restauração da força de trabalho segundo os padrões de vida historicamente estabelecidos; a desvalorização da força de trabalho, o barateamento de elementos do capital constante, o excedente relativo da população e o comércio exterior.
A principal contratendência utilizada pelos capitalistas, de modo imediato, é o aumento da taxa de mais-valia ou taxa de exploração por meio, por exemplo, o aumento da extração da mais-valia relativa. Portanto, há uma contradição candente no sistema capitalista entre elevar a produtividade do trabalho através de mais investimento em tecnologia e sustentabilidade da lucratividade. Como vimos acima, isto pode ser ultrapassado por algum tempo pela intensificação da exploração da força de trabalho como ocorre hoje no capitalismo global, com a síntese entre mais-valia absoluta e mais-valia relativa, gestão toyotista acoplada a novas tecnologias organizacionais, precarização dos contratos de trabalho, expansão do comércio mundial (globalização). Estes são fatores contra-restantes à queda da taxa da lucratividade que, por exemplo, operaram com vigor nas décadas de 1980 e 1990, visando reverter a baixa lucratividade que levou a recessão global de 1973-1975.
Entretanto, à medida que se eleva a composição orgânica do capital, a taxa de lucro se torna progressivamente menos sensível a variações na taxa de mais-valia. Assim, não apenas uma elevada composição orgânica do capital origina um possível lucro menor, como, ademais, torna as variações na taxa de mais-valia menos eficiente como estratégia para sustentar a taxa de lucro num certo patamar. Portanto, se houver, de fato, uma elevação secular na composição orgânica do capital, então, ainda que a taxa de mais-valia também se eleve, torna-se cada vez menos provável que isso possa compensar – por si só – o efeito declinante da elevação da composição orgânica do capital. É, pois, perfeitamente lógico admitir que as elevações na composição orgânica do capital devem atuar como um obstáculo significativo ao processo de valorização do capital (o Gráfico 2 abaixo demonstra a tendência histórica de queda da taxa de lucro no core das economias capitalistas avançadas).
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Gráfico 2 Taxa de Lucro nas Economias Capitalistas Avançadas (Fonte: E. Maito Apud ROBERTS, Michael. The Long Depression)
Embora a lucratividade nas economias capitalistas centrais tenha se recuperado nas décadas de 1980 e 1990, a recuperação não atingiu de forma alguma os patamares dos “trinta anos dourados” do capitalismo (1945-1975) (vide Gráfico 1). Desde o fim da década de 1990, a lei tendencial de queda da taxa de lucro começou a operar outra vez, criando as condições para a Grande Recessão de 2008-2009 e a longa depressão do século XXI onde estamos inseridos. Na verdade, buscou-se contra-restar a queda de lucratividade por meio do enorme boom de crédito e inovações financeiras visando especular com o capital fictício e manter os lucros altíssimos da burguesia rentista-parasitária. Entretanto, especulação financeira não cria valor efetivo e a crise de valorização do capital com a queda da lucratividade contribuiu para a ocorrência do crash de 2008 nos EUA, disseminando-se de imediato pela Europa e Japão.
A longa depressão do século XXI (2008-?) demonstra a eficácia heurística das ponderações marxistas clássicas. Desde a Grande Recessão de 2008-2009 nos países capitalistas centrais (EUA, União Européia e Japão), recessão superior àquela ocorrida de 1973-1975, tem havida – sem sucesso – a mobilização de contratendências do capital para resgatar o patamar de lucratividade. Enquanto o capital não restabelecer um novo patamar de lucratividade, persistirão os ciclos de recessão e crescimento frágil e insustentável, apresentando taxas inferiores àquelas que existiam antes da Grande Recessão que deu origem à longa depressão.
Aliás, desde a recessão global de 1973-1975, a taxa de lucratividade nos países capitalistas centrais tem caído, apesar da recuperação relativa da lucratividade ocorrida de 1982-1997, por conta da mobilização de contratendências como salientamos acima, com destaque para a reestruturação produtiva, precarização estrutural do trabalho e globalização. A ofensiva neoliberal e a globalização, com a deslocalização produtiva para países de baixos salários, aceleraram de forma extrema, a precarização do trabalho nos países do capitalismo central. Foi a degradação das condições salariais – a flexibilização laboral – e o aumento do desemprego em massa, que resgatou a taxa de lucratividade depois da recessão global de 1973-1975. Entretanto, mesmo na recuperação de 1982-1997, a taxa da lucratividade ficou abaixo daquela da era dourado do capitalismo fordista-keynesiano.
De acordo com Andrew Kliman no livro The failure of capitalista production (Pluto Press, 2012), as economias capitalistas centrais nunca se recuperaram efetivamente da recessão global de 1973-1975 pois não ocorreu, naquele momento, a destruição de valor de capital como deveria ter ocorrido, caso as economias capitalistas quisessem criar as bases efetivas para um novo patamar de lucratividade (como diria David Harvey no livro Os limites do capital, uma vez realizada a necessária desvalorização, a superacumulação é eliminada e a acumulação pode renovar o seu curso, com frequência em uma nova base social e tecnológica”).
Portanto, após a recessão global de 1973-1975 não ocorreu a necessária destruição de capital que propiciasse a seguir, uma nova acumulação de capital e um novo patamar de lucratividade. É a criação de lucro que torna possível o investimento produtivo. Por isso, mesmo com a recuperação nas décadas de 1980 e 1990 da taxa de lucratividade, num patamar inferior àquele do pós-guerra, percebeu-se nas primeiras décadas do capitalismo global (1982-1997) um declínio na taxa de acumulação de capital (investimento produtivo) e por conseguinte, queda do emprego e renda do trabalho, aumento da especulação financeira, aumento inédito da desigualdade social e crescente endividamento das famílias e empresas.
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Gráfico 3 Taxa de Lucro nos EUA (Fonte: BEA, Apud ROBERTS, Michael. The Long Depression.)
O gráfico acima demonstra a hipótese de Andrew Kliman – após a crise de lucratividade ocorrida na recessão global de 1973-1975, o capitalismo nos EUA, a economia mais dinâmica do sistema mundial do capital, não conseguiu recuperar a mesma taxa de lucratividade da era dourada do capitalismo fordista-keynesiado do pós-guerra (Golden age-high), apesar da retomada neoliberal (neo-liberal recovery) ocorrida de 1982-1997. A partir de 2006, a taxa de lucratividade volta a cair, prenunciado a Grande Recessão de 2008.
Portanto, entendemos a Grande Recessão de 2008 e a longa depressão do século XXI que se seguiu a ela, como sendo o resultado do desenvolvimento das contradições orgânicas no core do capitalismo global. As contratendencias à crise do capitalismo fordismo-keynesianismo, como a globalização neoliberal, caracterizada pela precarização estrutural do trabalho e desregulamentação financeira num cenário de elevação histórica da composição orgânica do capital, propiciaram as condições do boom de capital fictício da década de 2000 (a pequena retomada com a bolha especulativa que começa em 2001 e que em 2006, com a queda da taxa de lucros, prenuncia o big crash de 2008). Na verdade, a retomada neoliberal da taxa de lucro iniciada no começo da década de 1980 demonstrou seu folego curto com a queda da taxa de lucratividade nos EUA em 1997. A crise recessiva de 2000 antecipou o desastre que seria muito maior, oito anos depois.
Nas experiências históricas anteriores de longas depressões, o capitalismo só conseguiu superar a inércia rebaixada da lucratividade, com uma ampla desvalorização de capital e novas bases sociais e tecnológicas propiciadas pelas revoluções industriais; um novo surto de expansão capitalista (imperialismo) e guerras mundiais. Por exemplo, a longa depressão de fins do século XIX deu origem à Segunda Revolução Industrial e ao imperialismo – que levaria o mundo para a Primeira Guerra Mundial. A longa depressão de 1929 conseguiu ser superada apenas com a Segunda Guerra Mundial e a expansão americanista no pós-guerra, constituindo o capitalismo fordista-keynesiano. Perguntemos: o que irá contribuir para a saída da longa depressão do século XXI?
Como cada crise capitalista é única, o que podemos é especular sobre tendências de desenvolvimento histórico que apontam para possibilidades de constituição de um novo mundo do capital no século XXI (o que indicamos sendo a era da barbárie social). Caso não haja uma revolução social que supere o capitalismo – o que deveras improvável -, as contratendencias à queda da lucratividade e os movimentos do capital para superar a longa depressão do século XXI, o capitalismo global assumirá um novo patamar histórico no interior do qual se desenvolverão suas contradições sociais.
Nos próximos artigos, trataremos da longa depressão do século XXI e a desmedida do valor, financeirização da riqueza capitalista, a Quarta Revolução Industrial e seus impactos no mundo social do trabalho, o delineamento do que consideramos como sendo a era da barbárie social e por fim, a longa depressão do século XXI e o Brasil.

Giovanni Alves é doutor em ciências sociais pela Unicamp, livre-docente em sociologia e professor da Unesp, campus de Marília. É pesquisador do CNPq com bolsa-produtividade em pesquisa e coordenador da Rede de Estudos do Trabalho (RET), do Projeto Tela Crítica e outros núcleos de pesquisa reunidos em seu site giovannialves.org. É autor de vários livros e artigos sobre o tema trabalho e sociabilidade, entre os quais O novo (e precário) mundo do trabalho: reestruturação produtiva e crise do sindicalismo (Boitempo Editorial, 2000) e Trabalho e subjetividade: O espírito do toyotismo na era do capitalismo manipulatório (Boitempo Editorial, 2011). Colabora para o Blog da Boitempo mensalmente, às segundas.

Giovanni Alves, colunista
in Boitempo blog

Quarta revolução industrial, tecnologias e impactos

Quarta revolução industrial, tecnologias e impactos
Segundo os mais ricos e poderosos do planeta, a quarta revolução industrial já está a caminho e é o resultado da convergência da robótica, nanotecnologia, biotecnologia, tecnologias de informação e comunicação, inteligência artificial e outras. O Foro Económico Mundial, que reúne anualmente em Davos as maiores empresas do planeta, publicou, em 2016, um relatório onde afirma que, com o “temporal perfeito” de mudanças tecnológicas a que se juntam os asseticamente denominados “fatores socioeconómicos, até 2020 perder-se-ão 5 milhões de empregos, mesmo tendo em conta os novos que se criarão pelas mesmas razões.
Se eles falam da perda de 5 milhões de empregos, certamente serão muitos mais. E é só um dos impactos desta revolução tecnológica, que não se define por cada uma destas tecnologias isoladamente, mas pela convergência e sinergia entre elas. Enumeram, entre as dez tecnologias chave – e mais disruptivas –, a engenharia de sistemas metabólicos para produzir substâncias industriais (leia-se biologia sintética para substituir combustíveis, plásticos, odorantes, saboreantes, princípios ativos farmacêuticos derivados de conhecimentos indígenas); a internet das nano-coisas (além de usar internet para produção industrial, agrícola, etc., também nano-sensores implantados em seres vivos, inclusive nos nossos corpos, para captar e receber estímulos e administração de drogas e fármacos); ecossistemas abertos de inteligência artificial (integrar máquinas com inteligência artificial à internet das coisas, às redes sociais e à programação aberta, com capacidade de modificar radicalmente as nossas relações com as máquinas e também entre elas) e várias outras, como novos materiais para armazenar energia, nano-materiais “bidimensionais”, veículos autónomos e não tripulados (drones de todo o tipo com maior autonomia), optogenética (células vivas manipuladas geneticamente que respondem a ondas de luz) e produção de órgãos humanos em chips eletrónicos.
No ano 2000, o Grupo ETC denominou esta convergência de BANG (Bits, Átomos, Neurociências, Genes), uma espécie de Big Bang tecno-sócio-económico, melhor dizendo “Little Bang” porque as tecnologias à nano-escala (aplicadas a seres vivos e materiais) são a plataforma de desenvolvimento de todas as outras.
Supúnhamos, então, que este “little Bang” estava formando um tsunami tecnológico que teria impactos negativos de grandes dimensões no meio ambiente, saúde, trabalho, na produção de novas armas para a guerra, vigilância e controlo social de todas e todos, entre outras. Tudo num contexto da maior concentração corporativa da era industrial, oligopólios com cada vez menos empresas que controlam imensos setores de produção e tecnologias.
Assim está sucedendo, mas para cada um de nós, separadamente, é difícil percebê-lo na totalidade e nas dimensões dos seus impactos que se complementam. Os governos maioritariamente controlados por interesses corporativos e com o mito de que os avanços tecnológicos são benéficos em si, deixam que quase todas estas tecnologias prossigam, se usem, vendam, estando a disseminar-se no ambiente e nos nossos corpos, sem a mínima avaliação dos seus possíveis impactos negativos e sem regulações, muito menos com a aplicação do princípio precaucioso. Um exemplo claro é a indústria nanotecnológica que, com mais de 2000 linhas de produção nos mercados, muitos presentes na nossa vida cotidiana (alimentos, cosméticos, produtos de higiene, farmacêuticos), não está regulamentada em nenhuma parte do mundo, embora aumentem os estudos científicos que mostram toxidade no ambiente e saúde, especialmente para os trabalhadores expostos na produção e uso de materiais com nanopartículas.
Mas o Foro de Davos sim, elabora anualmente um amplo relatório sobre os riscos globais, porque esses riscos afetam os seus capitais e inversões. Na edição de 2015, afirmam que “O estabelecimento de novas capacidades fundamentais que está ocorrendo, por exemplo, com a biologia sintética e a inteligência artificial, está particularmente associado a riscos que não se podem avaliar completamente em laboratório. Uma vez que o génio tenha saído da garrafa, existe a possibilidade de aplicações indesejadas ou da produção de efeitos que não se possam antecipar ao momento da sua invenção. Alguns desses riscos podem ser existenciais, ou seja poderão pôr em perigo o futuro da vida humana”. A revelação de partes, atenua a falta de provas. Mas ainda que reconheçam, não tomam nenhuma medida que coarte os seus lucros.
Neste contexto, desde há alguns anos, estamos trabalhando em conjunto com outras organizações, movimentos sociais e associações de científicos críticos, na construção de uma rede de avaliação social e ação sobre tecnologias (Red TECLA), para encontrar, por um lado, informação e, por outro, tentar compreender o horizonte tecnológico, suas conexões, impactos e implicações vistas de muitas perspetivas (ambiente, saúde, ciência, género, trabalho, consumo), fortalecendo-nos para atuar sobre elas
Para avançar nestas ideias e no questionamento da tecnologia ao serviço do lucro, com experiências concretas de vários países latino-americanos, realizar-se-á, na Cidade Universitária do México o seminário internacional “Ciência, tecnologia e poder: Olhar crítico.” Convocado pela Red TECLA, a União dos Cientistas Comprometidos com a Sociedade e o Grupo ETC.
Silvia Ribeiro, é investigadora do Grupo ETC
Tradução CS/LA
Via: as palavras são armas http://bit.ly/2jOnyHT

quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

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Para uma crítica das redes sociais

Quanto mais imersos num tempo de consumo em aceleração menos o dominamos e mais por ele somos dominados.

Uma pergunta genuína: por que tratamos as redes sociais como se fossem espaço público se, na realidade, são serviços privados como um desenho que, em última instância, é decidido pelo mercado e suas tendências?
Haverá razões, umas melhores outras piores. Primeiro, porque as redes sociais, apesar de privadas, permitiram, enquanto fenómeno de massas, romper a compressão do espaço público, que o  tornava na prática inacessível a não ser a uma elite que nem sempre coincide com o mérito ou com a maior relevância da opinião. Mais ainda, permitiram constituir, mesmo se apenas como simulacro, uma prática de espaço público onde este não existia. Segundo, embora não o sendo genuinamente, as redes sociais têm a aparência de espaço público. Para esse aspecto contribui muito o seu acesso gratuito. O acesso livre que caracteriza o espaço público, desde logo a rua e a praça pública, confunde-se com a gratuitidade do acesso às redes sociais.  Não é contudo verdade que este acesso não se faça pagar.
Uma boa analogia a fazer é com os shoppings. Por regra, estes não cobram a entrada, mas nem por isso se dispensam o direito de condicionar a entrada. Mas aqui o preço a pagar pode ser mais perturbador. Não é tanto a publicidade e o condicionamento de que vamos, enquanto clientes, sendo alvos, é o preço mais elevado de um consentimento, quase sempre pouco explícito, em relação ao uso exaustivo dos nossos dados pessoais e comportamentais, registados em cada uma das nossas interacções públicas. Se já sabíamos que o rasto que deixamos nas redes sociais (e na net em geral) é praticamente inapagável, hoje sabemos que esse rasto é mapeado e sujeito a algoritmos que conseguem, com extraordinário sucesso, distinguir e identificar perfis de consumidor, e mesmo de eleitor. Foi assim com as campanhas do referendo do Brexit e da eleição de Trump.
Mais do que o estéril exercício de ver se prevalecem as boas ou as más razões, interessa perceber a transformação no espaço público que acompanha o domínio crescente das redes sociais. A analogia com os shoppings pode ser levada um pouco mais longe. Como estes, as redes sociais são espaços transitáveis de consumo. Nelas consomem-se imagens, pensamentos, opiniões, impressões, sensações, emoções que nos vão sendo apresentadas como os produtos em montra nas lojas. As redes sociais equivalem, na verdade, a shoppings personalizados com montras de interacções sociais. A personalização é um dado importante. Implica uma construção demorada de uma lista de amigos, o que justifica uma analogia também com os jogos sociais online, onde o valor da conta do jogador está muito dependente do tempo dedicado ao jogo. Este aspecto, bem como o de uma relação duradoura e viciante, também está presente nas redes sociais.
O facto de as redes sociais poderem cumprir funções de espaço público não significa que não sejam ao mesmo tempo este tipo de lugar de consumo, que vai sendo afeiçoado pelos seus clientes como num jogo social online duradouro, a partir de personagens politicamente activas formadas e alimentadas dentro das possibilidades de interacção permitidas. A própria discussão política sobre os malefícios do consumo, que não deve deixar de ser feita, se converte facilmente num objecto de consumo. O “gosto” assemelha-se, no essencial, à intencionalidade do comprar. E só muito inadequadamente esta relação de consumo quase comercial consegue proporcionar um debate público assente, como se esperaria da esfera pública, em razões.
Se compararmos com os blogues, hoje obsoletos, estes são lugares onde se entra, e é com o estatuto de visitante que se lê e comenta. Ou comenta-se em blogue próprio, com a respectiva ligação ao post comentado. Assim, os blogues compuseram, a dado momento, uma rede num sentido muito mais estratégico do que as redes sociais.  O gosto da blogosfera exprimia uma solidariedade com base no reconhecimento argumentativo. Mas este gosto pelo argumento na blogosfera certamente não fazia do “gosto” um argumento. Contudo, os blogues nunca conseguiram ser o fenómeno de massas que as redes sociais são.
Acresce a isto que as redes sociais, o Facebook em particular, hibridam características do espaço privado no espaço público. Conforma-se o espaço público a uma rede que é, primordialmente, de amigos e que fará prevalecer uma lógica de amizade como estruturadora do espaço público. Uma rede de amizades em contraste com um exterior, cada vez mais recortado por actos de expulsão, que se configura assim com um exterior de inimizade e indiferença, mas que, verdadeiramente, seguindo a mesma lógica, se organiza também ele numa rede de amizades. A dissensão não é admitida em comum, falhando o objectivo central da comunicação que seria, com sucesso, conseguir pôr sobre a mesma mesa dissensões. Neste sentido, as redes sociais cumprem muito melhor o papel de organizadores e mobilizadores políticos de facções do que criadores da esfera pública habermasiana, assente no debate público argumentado.
Por fim, mas mais importante, não é indiferente à prevalência das redes sociais uma modificação da nossa relação com o tempo. Há uma aceleração da relação social com o tempo que se verifica de duas maneiras — por um lado, as durações encurtam, desde logo com bens e artefactos consumíveis submetidos à obsolescência programada; por outro, as mudanças multiplicam-se, desde logo com uma intensificação de estímulos que, no limite, procura preencher todos os momentos da existência, dando uma nova actualidade à velha ideia aristotélica de que a natureza tem horror ao vazio. Só não será tanto a natureza, mas uma natureza humana fabricada, de pessoas condicionadas a abominar o vazio quando a todo o instante têm de dar notícia de si numa rede social.
Quanto mais imersos num tempo de consumo em aceleração menos o dominamos e mais por ele somos dominados. Este facto é anterior a qualquer consideração sobre redes sociais. Contudo, a conformação maciça às redes sociais deve ser entendida como uma resposta desenhada dentro deste quadro, que mesmo não sendo criado pela tecnologia, é por ela exponenciado. Há também uma obsolescência programada no Facebook, que é a da própria actualidade logo empurrada para o fundo do mural, o momento presente tão acentuadamente acessível como inacessível a discussão ainda agora passada.
Esta inexorável lei da desactualização compele à repetição, de novo à mobilização, secundarizando o valor do argumento e do contra-argumento a ponto de se desistir da discussão dada a sua ineficácia. Ter razão tornou-se muito menos persuasivo do que reiterar a posição. Estas são as condições propícias à arbitrariedade e à irrelevância da diferença entre o verdadeiro e o falso.
E tal como não se confia ao argumento ser a base da adesão, também não se confia às pessoas os seus silêncios e distanciamentos. A tolerância à espera, a capacidade de diferir a gratificação, aquilo a que Freud chamava a aprendizagem do princípio da realidade tornou-se precisamente o que a realidade mediada pelas redes sociais não tolera. A realidade sem compasso de espera impõe uma infantilização, que não é, contudo, da ordem do prazer, mas do opressivo. Esta ansiedade da produção de um rasto de si mesmo através da comparência permanente nas redes sociais é, na verdade, uma necessidade social construída inteiramente consentânea com o produtivismo. Nada melhor para nos conformarmos socialmente a uma existência regulada pelo produtivismo do que interiorizarmos uma concepção produtivista do nosso próprio existir.
Neste quadro, que fazer pelo espaço público? A resposta não deve ser uma defesa nostálgica de um espaço público do passado contra as redes sociais do presente, mas restaurar nestas a centralidade da argumentação, reivindicando-a para as redes sociais existentes, mas sobretudo inventando outras redes sociais, com configurações mais consentâneas com a ideia de espaço público. E se a resposta não deve ser conservadora, deve contudo não perder de vista que o problema não está nas redes sociais, e sim num tipo de relação social que nos transforma em produção que a sua configuração actual exponencia. Mas é justamente para a crítica, necessariamente argumentada, contra este tipo de relação social, que importa resgatar as redes sociais.
O autor escreve segundo a antiga ortografia.
in O Jornal Económico

Um importante e oportuno artigo científico

O esgotamento da actual fase histórica do capitalismo

por Guglielmo Carchedi [*]
Um argumento chave para a teoria da história e da revolução de Marx é que "Nenhuma ordem social perece antes de se terem desenvolvido todas as forças produtivas às quais pode dar curso" (Crítica da Economia Política, prefácio). Agora, se o marxismo é uma ciência, deve ser verificável empiricamente. Mas esta verificação é importante também por outra razão. Como diz Gramsci, "A crise consiste precisamente no facto de que o velho morre e o novo não acaba de nascer". (Cadernos do cárcere, "A influência do materialismo" e "crise de autoridade", Volume I, tomo 3, pg. 311, escrito cerca de 1930). A análise empírica também nos permite compreender porque e sobretudo como o velho morre.

Na fase actual da história – ou seja, desde o fim da Segunda Guerra Mundial até a actualidade – o capitalismo depara-se com um limite cada vez mais insolúvel devido à contradição entre o crescimento da produtividade do trabalho, por um lado, e as relações de produção entre o trabalho e o capital, pelo outro. Esta contradição está cada vez mais forte e o capitalismo está a esgotar sua capacidade para desenvolver-se no contexto desta fase histórica. A forma concreta adoptada por esta contradição, sua incapacidade crescente para desenvolver-se, consiste em crises cada vez mais violentas.

O ponto-chave é a taxa de lucro, o indicador chave da saúde da economia capitalista. No âmbito de uma nação ou grupo de nações, o que conta é a taxa de lucro. Consideremos em primeiro a taxa média de lucro dos Estados Unidos, o país que ainda é o mais importante. As estatísticas mostram que a taxa de lucro dos EUA está num estado de queda irreversível. A queda é tendencial, ou seja, através de ciclos económicos ascendentes e descendentes. Contudo, a tendência é claramente para a baixa.

Gráfico 1. Taxa média de lucro, EUA, 1945-2010 [1]


A taxa de lucro cai devido à natureza específica das inovações tecnológicas, o factor principal do seu dinamismo. As inovações, por um lado aumentam a produtividade do trabalho, ou seja, cada trabalhador cria uma quantidade cada vez maior de mercadorias com a ajuda de meios cada vez mais avançados de produção. Por outro, as inovações substituem os trabalhadores por meios de produção.

Gráfico 2. A produtividade do trabalho e dos trabalhadores dos meios de produção


A produtividade aumentou de 28 milhões de dólares por trabalhador em 1947 para 231 milhões em 2010, ao passo que os trabalhadores por meios de produção se reduziram de 75 em 1947 para 6 em 2010. Uma vez que só o trabalho produz valor, uma hipótese que se pode demonstrar empiricamente, uma maior quantidade de produto sempre contem uma menor de valor.

Isto também se aplica ao trabalho mental. Fala-se muito nestes dias da Internet como um novo horizonte do desenvolvimento do capitalismo. Num artigo recente [2] analiso a natureza do trabalho mental e argumento que pode ser produtivo de valor e mais-valia, tal como o trabalho objectivo, equivocadamente chamado material. Contudo, mesmo o trabalho mental está sujeito às mesmas regras que determinam o trabalho no capitalismo. Por um lado, as novas formas de trabalho mental dão lugar a novas e mais terríveis formas de exploração e novas possibilidades para aumentar ainda mais a taxa de exploração dos trabalhadores mentais. Por outro lado, as novas tecnologias substituem o trabalho mental com meios de produção, tal como sucede no trabalho objectivo. Apesar das suas características específicas, o trabalho mental não é o elixir da eterna juventude do capitalismo.

Consideremos agora a economia mundial. A mesma tendência da taxa de lucro nos EUA pode ser observada a nível mundial.

Gráfico 3. Taxa de lucro em todo o mundo e no G7, 1963-2008 (índice 1963 = 100)


Note-se a diferença entre a taxa de lucro do G7 e o resto do mundo. Para começar, desde os últimos anos da década de 1980 os países do G7 sofreram uma crise de rentabilidade (tendência negativa), enquanto a taxa de lucro tem uma tendência global positiva. Isto significa que outros países desempenharam um papel cada vez maior para manter a taxa de lucro em todo o mundo.

A tabela a seguir coloca a fase actual do desenvolvimento capitalista num contexto histórico mais amplo.

Grafico 4. Taxa média de lucros em países centrais (1869-2010)


Os gráficos 1, 3 e 4 mostram que a taxa de lucro não cai em linha recta e sim através de ciclos ascendentes e descendentes. E a tendência à queda é travada e revertida devido a contra-tendências de forma temporal. Há três tendências principais contrárias à queda da taxa de lucro. As três são capazes de travar esta queda apenas temporalmente.

A primeira é que as inovações tecnológicas diminuem o valor de cada unidade de produto. Isto também se aplica aos meios de produção. O denominador da taxa de lucro pode cair e a taxa de lucro pode crescer. Isto é certo no curto prazo, mas no longo prazo existe incerteza. Se a taxa de lucro cai, o valor dos meios de produção deve crescer. Isto é o que evidencia o gráfico a seguir.

Gráfico 5. Valor dos meios de produção (% do PIB), EUA, 1947-2010


Neste gráfico confirma-se o que Marx antecipou nos Grundrisse: uma só máquina pode custar menos, mas a totalidade do preço das máquinas que substituem essa máquina aumenta não só em termos absolutos como também em relação ao preço de saída. A longo prazo, esta contra-tendência não funcionou.

A segunda contra-tendência é o aumento da taxa de exploração. Os trabalhadores produzem mais valor e mais-valia se trabalham mais tempo e com maior intensidade. E quanto mais mais-valia produzem, maior é a taxa de exploração, maior é a taxa de lucro. Isto foi o que ocorreu a partir de 1986, com o advento do neoliberalismo e o ataque selvagem aos salários. A taxa de exploração elevou-se aos níveis mais altos do pós-guerra, com a excepção de 1950.

Gráfico 6. Taxa de exploração, EUA, 1945-2010


O gráfico a seguir relaciona a taxa de exploração com a taxa de lucro.

Gráfico 7. Taxa de exploração e taxa de lucro, 1947-2010


As duas taxas estão estreitamente relacionadas. Esta tabela pode ser lida como se a taxa de lucro estivesse determinada pela taxa de exploração: até meados da década de 1980, quanto mais diminui a taxa de exploração mais baixa é a taxa de lucro. A partir dos anos 1980 até 2010, pelo contrário, quanto maior é a taxa de exploração maior é a taxa de lucro. A conclusão de qualquer economista neoliberal é que, para aumentar a taxa de lucro deve aumentar a taxa de exploração, ou seja, que tem de recorrer às políticas de austeridade (para o trabalho, não para o capital).

Pois bem, é certo que a taxa de lucro aumenta quando aumenta a taxa de exploração. Mas não se deduz daí que melhore a economia e que se possa sair da crise aumentando a taxa de exploração. A taxa de lucro média pode aumentar devido ao aumento da taxa de exploração, ainda que, ao contrário do caso de um capitalista individual, longe de significar uma melhoria da economia, pode ocultar uma pioria. Ou seja, pode ocultar uma diminuição da produção de mais-valia por unidade de capital investido e uma maior destinação em favor do capital. Mas só a produção de mais-valia (não sua repartição) por unidade de capital investido reflecte o estado de saúde da economia capitalista.

A medição da taxa de lucro determinada unicamente pelo valor excedente produzido é obtida calculando a taxa de lucro com uma taxa de exploração constante.

Gráfico 6. Margem de lucro com a taxa de exploração constante, EUA, 1947-2010


Como se mostra, a produção de mais-valia por unidade de capital investido tende a decrescer ao longo de toda a fase histórica actual. Este gráfico pode-se dividir em dois períodos, de 1947 a 1986 e de 1987 a 2010, e em ambos a taxa de lucro cai.

Grafico 7.

e de 1987 a 2010.

Grafico 8.


Neste [último] período, a taxa de lucro com uma taxa de exploração constante também cai no período compreendido entre meados da década de 1980, que é o do neoliberalismo. Desde o final da Segunda Guerra Mundial até agora, o sistema é cada vez menos capaz de produzir mais-valia por unidade de capital investido, um facto oculto por uma taxa de exploração crescente, mas revelado se a taxa de exploração se mantiver constante. O aumento da taxa de lucro com uma taxa variável de exploração desde meados da década de 1980 em diante não significa uma melhoria da economia e sim a sua deterioração, como o demonstra a tendência da taxa de lucro com uma taxa de exploração constante. O bolo diminui, enquanto aumenta a parte de que se apropria o capital.

Vejamos agora a terceira contra-tendência. O aumento da taxa média de exploração a nível global e, portanto, a compressão dos salários, significa, por um lado, que o poder aquisitivo das massas se reduz e, por outro, que o valor excedente produzido não pode ser investido em sectores produtivos devido ao facto de a taxa de lucro cair nestes sectores. Em consequência, o capital emigra para sectores improdutivos, como o comércio, as finanças e a especulação. Os lucros destes sectores são fictícios, são deduções dos lucros obtidos na esfera produtiva.

Gráfico 9. Lucros reais e lucros financeiros, mil milhões de dólares, 1950-2010, EUA


Enquanto nos anos 1950 os lucros financeiros eram de 3,1% dos lucros reais, em 2010 haviam-se convertido em 136,5%.

Está implícito neste movimento o crescimento da dívida global. O crescimento dos lucros fictícios produz-se através da criação de capital fictício e da emissão de títulos de dívida (obrigações, por exemplo) e de ulteriores e sucessivos títulos de dívida sobre aqueles títulos de dívida. Criou-se assim uma montanha de títulos de dívida interconectados devido a um crescimento explosivo da dívida global.

Gráfico 10. Moeda e dívida como percentagem do PIB mundial, 1989-2011 EUA


A moeda real que é a representação do valor, do trabalho contido nos produtos. Esta é chamada power money. Trata-se de uma fracção mínima em relação às outras três formas de crédito. Mas o crédito representa dívidas, não riqueza, e a dívida não é moeda, ainda que possa cumprir algumas das funções da moeda.

O enorme aumento da dívida e a crise financeira que se segue são uma consequência da crise nos sectores produtivos, da queda da taxa de lucro com uma taxa de mais-valia constante, e não a sua causa. Este enorme aumento da dívida nas suas diversas formas é o substrato das bolhas especulativas e das crises financeiras, inclusive da que está para vir. Ainda que, neste caso, o aumento da taxa de lucro devido aos lucros fictícios alcança seu limite, as crises financeiras recorrentes.

O capitalismo está em rota de colisão consigo próprio. As contra-tendências actuam cada vez menos e por isso:
(1) Os meios de produção são cada vez mais caros, uma vez que requerem uma proporção crescente do PIB, ao invés de serem cada vez mais baratos;
(2) O aumento da taxa de exploração aumenta a taxa de lucro, mas este aumento é enganoso uma vez que não indica um aumento do valor excedente produzido e sim o seu declínio, juntamente com uma maior apropriação do mesmo pelo capital;
(3) O crescimento exponencial do capital fictício não faz mais do que inchar a bolha especulativa até provocar a sua explosão. Este será o catalisador da crise nos sectores produtivos.
Os sinais de que a próxima crise se avizinha são claros: por um lado a continuação da queda tendencial mas irreversível da taxa de lucro mundial, ainda que com espasmos contra-tendenciais. Por outro, os factores que são catalisadores da crise de lucratividade e que são:
(1) Os primeiros sinais de guerras comerciais que, se se verificarem, reduzem o comércio internacional e, portanto, a realização da produção de valor e de mais-valia.
(2) Os focos de guerra, sobretudo nas regiões ricas em petróleo, que podem ampliar-se repentinamente transformando-se em guerra entre as grandes potências. O capital dos países produtores de armamento aumentaria seus lucros, mas as zonas em conflito sofreriam uma destruição de capital e portanto da capacidade de produzir valor e mais-valia. Estas últimas seriam as afectadas se o conflito se ampliasse para além das fronteiras locais.
(3) O crescimento dos movimentos de direita e ultra-nacionalistas também alimentados pelas políticas neoliberais e que constituem um caldo de cultura propício a aventuras militares.
Poder-se-ia argumentar que o capitalismo se pode recuperar não no mundo ocidental mas sim nas chamadas economias emergentes. Esta é uma expressão ideológica para qualificar aquelas economias que, na área imperialista, foram dominadas e cuja função é contribuir mais que as outras economias submetidas para a reprodução do sistema capitalista mundial. A falácia deste argumento é que as forças produtivas das chamadas economias emergentes são as dos países tecnologicamente avançados e, portanto, chocam-se com os mesmos limites, ou seja, o aumento da produtividade do trabalho, por um lado, e a redução contínua da força de trabalho, por outro, provocando uma queda tendencial da taxa de lucro. Após um período inicial de expansão volta a surgir a tendência para a queda da taxa de lucro, incluindo o excesso de produção que resulta dessa queda. A China, a Índia, os BRICS sofrem a mesma enfermidade que aflige o mundo ocidental. Para dar só um exemplo, o grau de dependência tecnológica da indústria siderúrgica em relação à tecnologia dos países avançados varia de 65% para a produção de energia, 85% para a fundição e processamento de produtos semi-acabados e 90% para os sistemas de controle, análise, segurança, protecção do meio ambiente, etc.

Também se poderia argumentar que o capitalismo poderia ter uma nova etapa de desenvolvimento através de políticas de redistribuição keynesianas com investimento estatal maciço. Numa situação em que as políticas neoliberais de carnificina social fracassaram miseravelmente, a opção keynesiana volta ao primeiro plano. Mas quem pode financiá-las? Não os trabalhadores, já que numa situação de crise, ou seja, de estancamento ou diminuição da produção de mais-valia, salários mais altos significam menores lucros. Não o capital, porque a rentabilidade já é tão baixa que os lucros se reduziriam ainda mais. O Estado, então? Mas onde pode encontrar o dinheiro? Não pode tomá-lo do trabalho ou do capital, pelas razões mencionadas. Portanto deve recorrer à dívida pública. Mas esta já é elevada e também contribui para o crescimento da bolha. A resposta keynesiana é que o Estado deve recorrer à dívida pública temporariamente para financiar grandes projectos de investimento público. Os investimentos iniciais poderiam favorecer outros investimentos e estes ainda mais outros, numa cascata multiplicativa de emprego e criação de riqueza. Nesse ponto, os maiores rendimentos do Estado poderiam ser utilizados para reduzir a dívida pública. Este é o multiplicador keynesiano. Mas não funciona.

Depois dos primeiros investimentos induzidos pelo Estado, os capitalistas em condições de fazerem obras públicas têm de fazer encomendas a outros capitalistas. Estes são os que oferecem preços mais baratos, os capitalistas cujos trabalhadores são mais produtivos e cujo capital é mais eficiente e, portanto, os que empregam proporcionalmente mais meios de produção do que trabalho. Ou seja, são os capitalistas que produzem menos mais-valia por unidade de capital investido. Em cada passo da cadeia do investimento, o trabalho aumenta em termos absolutos, mas diminui em percentagem, pelo que a taxa média de lucro cai. Por outro lado, o maior crescimento do capital implica o desaparecimento dos capitalistas mais fracos, os que proporcionalmente utilizam mais trabalho do que meios de produção. Quando a cadeia de investimentos se fecha, há menos trabalhadores empregados, produz-se menos mais-valia e a taxa média de lucro cai. A análise empírica confirma: a um gasto público crescente corresponde uma queda da taxa de lucro.

Gráfico 11. Gasto público (% do PIB) e taxa de lucro com taxa variável de mais-valia, EUA, 1947-2010


A correlação é negativa (-0,8). Este gráfico mostra que até a década de 1980 o aumento dos gastos do Estado não pôde travar a queda da taxa de lucro. O argumento keynesiano falha. A partir de 1980, a taxa de lucro aumenta juntamente com o gasto público. Contudo, cresce porque a taxa de exploração cresce e não porque cresceu a despesa estatal. De facto, se a taxa de mais-valia se mantém constante, a correlação negativa é válida para todo o período secular, inclusive o período do neoliberalismo, da década de 1980 em diante.

Gráfico 12. O gasto público (% do PIB) e taxa de lucro com uma taxa constante de mais-valia, EUA, 1947-2010


Este gráfico mostra que durante toda esta fase histórica o crescimento dos gastos do Estado não foi capaz de travar e reverter a queda da produção de mais-valia por unidade de capital investido, ou seja, a queda na taxa de lucro que mede o estado de saúde do capital, a taxa de lucro a una taxa de mais-valia constante.

Este resultado reencontra-se a cada crise concreta: a despesa governamental aumenta no ano que antecede a crise em todos os dez casos. Não podem evitar a crise.

Gráfico 13. Diferenças em pontos percentuais da despesa pública a partir do ano anterior à crise até o último ano da crise


A falácia do raciocínio keynesiano é que não leva em conta as consequências da políticas de investimento do governo para a taxa de lucro, que é a variável chave da economia capitalista. A razão para a correlação negativa é, como acabo de dizer, que a cada ciclo de investimento, o investimento em meios de produção é, em percentagem, mais alto que em força de trabalho, conforme previu a teoria marxista.

Mas as políticas de gasto público, se não podem travar a crise, podem ser o meio para sair da crise? A tese keynesiana seria válida só se no ano pós crise a despesa governamental aumentasse juntamente a taxa média de lucro. Com a taxa de lucro com uma taxa de exploração constante, a tese de que a recuperação se deve a um aumento no gasto do governo falha em todos os dez casos. A política keynesiana não pode aumentar a produção de mais-valia por unidade de capital investido.

Gráfico 14. Diferenças no gasto público (% do PIB) e na taxa de lucro com taxa constante de mais-valia desde o último ano da crise até o primeiro ano depois da crise


Em resumo, o aumento do gasto público a partir do ano anterior à crise até o ano posterior à crise não pode evitar que a crise expluda; e o aumento do gasto governamental no último ano de crise e no primeiro ano posterior à crise não consegue reactivar a rentabilidade do sistema. Ambos os resultados contradizem a teoria keynesiana.

Perante o fracasso tanto das políticas económicas keynesianas como das neoliberais, não parece que haja outra saída senão a que é gerada espontaneamente pelo próprio capital: uma destruição maciça de capital. Saiu-se da crise de 1933 só mediante a Segunda Guerra Mundial. Saiu-se da crise não porque o capital físico fosse destruído. Se o capital é acima de tudo uma relação de produção, uma relação entre o capital e o trabalho, a guerra provocou a destruição e a regeneração do capital como relação de produção. Com a economia de guerra, passou-se da esfera civil, praguejada por um alto desemprego, com um baixo nível de utilização dos meios de produção e uma taxa de lucro descendente, a uma economia militar caracterizada pelo pleno emprego tanto da força de trabalho como dos meios de produção, com a realização garantida pelo Estado do material militar, com altos níveis de lucros e de rentabilidade e altos níveis de poupança. Depois da guerra verificou-se a reconversão da economia militar em economia civil. O gasto do governo em percentagem do PIB reduziu-se de cerca de 52% em 1945 para 20% em 1948, ou seja, na chamada idade de ouro do capitalismo. Os altos níveis de poupança garantiram o poder aquisitivo necessário para absorver os novos meios de consumo, que por sua vez exigiram a produção de novos meios de produção. Toda uma série de invenções originadas durante a guerra foi aplicada à produção de novos produtos. Nos EUA, o aparelho produtivo estava ileso. Mas nos demais países beligerantes verificou-se uma imensa destruição de meios de produção e de força de trabalho. O capitalismo foi revitalizado por um quarto de século. Mas a que preço? Um quarto de século de reprodução ampliada custou dezenas de milhões de mortes, sofrimentos atrozes e imensas misérias. Assim, os trabalhadores, além de financiar a guerra, tiveram que pagar para dar nova vitalidade ao sistema.

Depois da chamada Idade de Ouro, que contudo não esteve livre da queda da taxa de lucro (ver gráfico 1 e 6 acima), o sistema entrou num longo declínio que dura já cerca de meio século, sem que se veja luz no fim do túnel. Rumamos para um colapso inevitável que porá fim ao capitalismo? Não creio que o capitalismo se auto-destrua. Não é da natureza da besta. O capitalismo sairá da crise, mas só depois de uma destruição suficiente de capital, seja o financeiro seja o da esfera produtiva. Mas é difícil imaginar nesta altura que forma poderá assumir esta destruição de capital. O modo como o capital excedente será destruído determinará a forma que tomará o capital se e quando sair desta fase histórica. Da crise de 1929 saiu só com a Segunda Guerra Mundial.

Um princípio fundamental da teoria marxista é a contradição entre forças produtivas e relações de produção. A força produtiva é a produtividade do trabalho; as relações de produção são a relação capital / trabalho. A contradição é a seguinte: quando mais aumenta a produtividade do trabalho, mais trabalho expulsa o capital. A queda da taxa de lucro é a expressão concreta desta contradição. Esta contradição é uma pedra angular do sistema capitalista e, portanto, também na sua etapa actual de desenvolvimento. A característica específica da presente fase histórica é que esta contradição se torna mais difícil de resolver e é cada vez mais explosiva. A capacidade de sobrevivência da actual fase histórica está a esgotar-se, o capitalismo tende a morrer. Mas não pode morrer sem ser substituído por um sistema superior e, portanto, sem que intervenha a subjectividade de classe. Sem esta subjectividade, renovar-se-á e entrará numa nova fase na qual o seu domínio sobre o trabalho será ainda maior e mais terrível. Uma condição para que isto não aconteça é que a luta sacrossanta dos trabalhadores por maiores investimentos estatais, por reformas e por melhores condições de vida e de trabalho sejam conduzidas na óptica da contraposição insanável entre capital e trabalho e não na óptica keynesiana da colaboração de classes.
04/Janeiro/2017
Notas:
1) Os dados estão deflacionados e referem-se só aos sectores produtivos de valor.
2) Carchedi, 2014, 'Old wine, new bottles and the Internet', Work Organisation, Labour & Globalisation , Vol 8, No 1.


[*] Doutorado em economia pela Universidade de Turim.  Trabalhou para a ONU em Nova York e leccionou na Universidade de Amsterdam.  É autor de numerosos estudos de economia marxista.  Publicará em breve, com Michael Roberts, The World in Crisis, pela editora Zero Books. Os seus livros Behind the Crisis e The Long Roots of the Present Crisis: Keynesians, Austerians and Marx's Law podem ser descarregados em resistir.info/livros/livros.html

Do mesmo autor em resistir.info:
Conseguiria Keynes evitar o colapso?

O original encontra-se em www.sinistrainrete.info/...
e a versão em castelhano em www.sinpermiso.info/...

Anatomia de um Nobel da Paz

Durante os 8 anos de mandato de Obama, a divida pública dos EUA passou de 11 para 20 milhões de milhões de dólares (aumento de 1 250 mil milhões por ano, 3 mil milhões /dia!). Tal deveu-se à sua política de defender os interesses da finança e do grande capital e às guerras.
As desigualdades aumentaram, os salários reais baixaram, o aumento da riqueza nacional foi absorvido em mais de 90% pelo 1% mais rico. Os serviços públicos e sociais degradaram-se. Mais de 46 milhões de cidadãos – a maioria negros e hispânicos – encontram-se abaixo do limite de pobreza; 2 milhões de presos. Se as estatísticas de emprego mantivessem os critérios dos anos 80, o desemprego atingiria uns 21%. (Paul C. Roberts) O seguro médico pago pelo Estado aos privados (redigido per representantes das seguradoras e farmacêuticas) tinha uma franquia de 6 500 dólares por família em 2015.
No campo militar a ação deste Nobel da Paz foi um desastre prosseguindo as guerras anteriores, fomentando outras na Líbia e na Síria. No Iraque a pseudo retirada foi um fiasco. Obama os gastos militares atingiram em média 653,6 mil milhões de dólares ano, mais 18,7 mil milhões que George W Bush. As despesas da Rússia são 10% destas.
As forças militares dos EUA, estão presentes em 138 países, em comparação com 60 quando Obama tomou posse. Com Obama os EUA e aliados deitaram 100 000 bombas e mísseis, em sete países, contra os 70 000 em cinco países por Bush.
A utilização de drones aumentou 10 vezes, atingindo toda a espécie de alvos e vítimas civis. Foram recrutadas e treinadas forças mercenárias para combaterem na Líbia e Síria, e esquadrões da morte para abaterem no Iraque alvos políticos “incómodos”. O total de mortes infligidas desde o 11 de setembro, em guerras terá atingido 2 milhões de pessoas.
O bombardeamento norte-americano na nova campanha no Iraque e na Síria, desde 2014 é muito mais pesado que antes com 65 730 ataques de bombas e mísseis em 2,5 anos. O Iraque, golpeado com 74 000 bombas e mísseis, foi desde 2014 golpeado com 41 000, incluindo no atual cerco e bombardeio de Mossul.
A China e a Rússia encontram-se cercadas por centenas de bases militares dos EUA. Além disto, é evidente o apoio às agressões de Israel ao povo palestiniano e dos crimes da Arábia Saudita contra o povo do Iémen.
Obama nomeou para a CIA, chefias militares e governo conhecidos “falcões” como a secretária de Estado Hillary Clinton e a embaixadora na ONU Samantha Power. Tudo isto tem contudo uma coerência interna: a General Dynamics (grande fabricante de armamento pesado, submarinos, navios de guerra) financiou a carreira política de Barack Obama.
Entretanto permanecem presos em Guantánamo – os que ainda não foram enviados para prisões secretas em países aliados (ou vassalos). O relatório sobre o programa de tortura da CIA permanece secreto (apenas divulgado um resumo de 500 pág. de um texto de 6 700). 
Ver por exemplo: http://bit.ly/2kugx1P
Via: FOICEBOOK http://bit.ly/2ku6cmG

Apocalipse: RTP

António Santos    26.Ene.17    Outros autores
Recentemente, explodiu nas televisões americanas um novo tipo de «documentário» a que chamam docufiction. Ficção apresentada como se abordasse uma realidade factual. É o caso da série da RTP dedicada a Stáline. Uma fraude documental com um objectivo ideológico preciso, no ano em que se celebra o centenário da Revolução de Outubro. A RTP, paga por todos nós, dá tempo de antena a propaganda que os nazis não desdenhariam.
Acabo de assistir a «O Demónio», o primeiro episódio da mini-série «Apocalipse: Estaline». Durante uma hora, Isabelle Clarke dedica o seu «documentário» a convencer-nos de que Estaline foi o que o título diz: um demónio. Veja-se: «Lénine e um punhado de homens lançaram a Rússia no caos. (…) Como os cavaleiros do Apocalipse, os bolcheviques semeiam morte e destruição para se manterem no poder. Continuarão durante 20 anos, até os alemães chegarem às portas de Moscovo». Estaline surge como um «louco», «sexualmente insaciável» e com uma «mentalidade próxima dos tiranos do Médio Oriente» [sic] que só Hitler pode parar. Num frenesim anacrónico, o espectador é levado de «facto» em «facto» sem direito a perguntas nem a explicações. Para trás e para a frente, dos anos quarenta para o final do século XIX, de 10 milhões de mortos na guerra civil russa para 5 milhões de mortos no «holodomor: a fome organizada por Estaline», o puzzle está feito para ser impossível de montar. Ao narrador basta descrever o que, a julgar pelas imagens de arquivo, é aparentemente indesmentível: «os camponeses ucranianos, vítimas das fomes estalinistas abençoam os invasores alemães. Mais tarde serão enforcados pelos estalinistas. A conjugação das imagens de arquivo colorizadas é tão brutal e convincente que somos tentados a concordar com as palavras do narrador: «Estaline declarou guerra ao seu próprio povo». São os «factos alternativos» de Trump aplicados à História.
Só há dois problemas. Primeiro: Isabelle Clarke, a autora, admite que «Apocalipse: Estaline» não é História nem tem pretensões de querer sê-lo. Vou repetir, a autora admite que aquilo que fez não tem nada a ver com História. Podia terminar aqui. Mas, em segundo lugar, será que a RTP, canal público pago por todos nós para cumprir a missão de educar e informar, sabia que estava a comprar ficção em vez de História?
Claramente a História, enquanto ciência social, passe a inelutável normatividade a que estamos presos, é incompatível com a calúnia e a propaganda ou, numa palavra, a demonização. «Apocalipse: Estaline - O Demónio» não disfarça a demonização, disfarça a ficção.
Então, o que é «Apocalipse, Estaline»? Recentemente, explodiu nas televisões americanas um novo tipo de «documentário» a que chamam docufiction. Exemplos recentes são «Sereias: o cadáver encontrado» ou «Megalodon, o tubarão monstro vive». Em ambos, o documentário da Discovery Channel dá a palavra a cientistas, investigadores, professores e biólogos que explicam a descoberta científica de sereias, no primeiro caso e de um tubarão jurássico, no segundo. Durante uma hora, o espectador assiste a filmagens convincentes dos míticos criptídos e ouve especialistas, identificados como tal, debater as possíveis explicações para as descobertas serôdias. No final, em letra de efeitos secundários de bula de medicamento, admite-se, para quem ainda estiver a ver, que era tudo a fingir: os especialistas eram actores, as imagens eram fabricadas. «Apocalipse, Estaline» faz algo parecido: no final ficamos a saber a que «historiadores» foi beber inspiração: a romancista Svetlana Alexievitch, uma versão actualizada de Alexander Soljenitsyne; Robert Service, o mais proselitista e criticado dos historiadores-pop contemporâneos ou Pierre Rigoulot, um ex-trotskista transformado em neocon apoiante de Bush e fã confesso da guerra do Iraque. Trata-se contudo de menções honrosas e agradecimentos. Mas de onde vêm as citações? Onde foi buscar os números? Quais são as fontes? Raquel Varela coraria de vergonha alheia.
Não se trata de admirar ou condenar Estaline, trata-se de não sermos tomados por parvos. «Apocalipse: Estaline» não é ficção nem História: é uma falsificação estupidificante e tóxica para o público. Como os novos «documentários» sobre sereias e tubarões jurássicos, que confundem ciência com ficção, a RTP acabou de confundir História com propaganda nazi.
Este texto encontra-se em: http://manifesto74.blogspot.pt/2017/01/apocalipse-rtp.html#more

domingo, 22 de janeiro de 2017

OPINIÃO

Na transmissão em directo pelas televisões portuguesas da cerimónia e discurso de tomada de posse do imperador Donald Trump, assistimos, mais uma vez e sempre, ao auto-embevecimento de comentadores cuidadosamente seleccionados, isto é todos eles, se não me engano, advogados do neo-liberalismo com mais ou menos nuances. A nuance mais nítida foi representada pela presença ilustre da cabeça-pensante da extrema direita lusitana, Jaime Nogueira Pinto de seu nome, um "politólogo e empresário" conforme reza o Google. Mostrou-se entusiasmado com o nacionalismo de Trump, sentimentos que nos deixa preocupados. Claro que não é credível que as elites que comandam o Império venham a abraçar a extrema direita fascista europeia em público e que alguma vez saibam da existência dos Nogueira Pinto deste mundo, porque os senhores da guerra norte-americanos praticam externamente as técnicas nazis-fascistas mas têm impedido o "Estado de excepção" internamente. Por conseguinte o que é ameaçadora não é tanto a sua política interna no que respeita às liberdades políticas básicas, sim a sua continuada política externa. E é esta que entusiasma a extrema direita lusitana e europeia.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

OPINIÃO

O discurso de tomada de posse de D. Trump transmitiu uma clara mensagem de nacionalismo populista. Com o imperialismo o internacionalismo liberal deixou há muito de ser uma realidade, excepto como instrumento eficaz de propaganda e de justificação de guerras e intervenções do tipo mais bárbaro.
 O que traz, então, de novo este nacionalismo?
O suficiente para nos incomodar muito. A memória, nestas coisas da História, não é curta, ou não deve ser.
Convém também, por comparação emotiva e apressada, não substimar as guerras que o sr. Obama promoveu, assim como o cerco, as provocações e o embargo económico à Rússia.
O discurso de Trump o que revela de verdadeiro e substancial é o novelo de dificuldades por que passa o Império. De tal monta que nunca tanto se viu.
E é isso que nos deve preocupar. As soluções para elas podem ser devastadoras.

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Lumumba, 56 anos depois

terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Passam hoje 56 anos sobre a data da execução de Patrice Lumumba às mãos dos golpistas de Mobutu e Moïse Tshombe, apoiados pelos Estados Unidos da América e pela ex-potência colonial, a Bélgica. A sua captura e humilhação pública, seguida de execução às escondidas do povo congolês, são acontecimentos profundamente marcantes na história universal do século XX, com consequências que ainda hoje se fazem sentir num continente onde o neocolonialismo se mantém como a forma de governo de uma parte das ex-potênciais ocupantes sobre os povos africanos. Para a história ficou a brutalidade cobarde das forças golpistas e a cumplicidade de norte-americanos e belgas, contrastando com a imensa dignidade de Lumumba, de apenas 35 anos, que às mãos dos seus carrascos nunca mostrou qualquer sinal de medo.

Lumumba, militante independentista, foi um dos líderes de um poderoso movimento que em 1960 não apenas conquista a independência do Congo relativamente à monarquia belga, como chegou ao poder por via eleitoral. Nomeado primeiro-ministro do governo congolês em Junho de 1960, Lumumba revelou uma grandeza de espírito que fez soar as campainhas de alarme em Washington. Em Setembro é demitido das suas funções pelo presidente Joseph Kasa-Vubu, seguindo-se um conflito político-institucional que Mobutu resolve com o golpe militar dirigido à distância pelos norte-americanos. O ditador fascista renomeará anos depois o país como Zaire, até ser abandonado pelos seus protectores em meados dos anos 90, num processo que envolveu - como nos anos 60, de resto - poderosos interesses em torno das riquezas minerais do Congo. Pelo caminho produziu uma impressionante folha de serviços, interna e externa, que o colocam no pódio dos mais brutais ditadores africanos do século XX.

A memória de Lumumba perdura não apenas no coração de África mas também no seio dos homens e mulheres que conhecem a dimensão da curta janela de esperança que a sua chegada ao poder abriu para um continente dizimado pela exploração, o colonialismo, a guerra, o racismo e pela disputa sangrenta dos seus imensos recursos naturais.

A execução de Lumumba, envolvendo directa ou indirectamente belgas e norte-americanos, é um episódio paradigmático da natureza neo-colonial que a relação das ex-potências ocupantes assumiram desde cedo face aos territórios independentes. Governos progressistas e firmemente independentistas foram sucessivamente confrontados por forças internas financiadas, armadas e diplomaticamente apoiadas pelo chamado "ocidente", que nunca hesitou em lançar contra os povos de África as mais tenebrosas forças políticas-militares. Tal como hoje acontece relativamente aos povos do Médio Oriente, e da Síria em particular.

Viagem à Polónia

Viagem à Polónia
Auschwitz: nele pereceram 4 milhôes de judeus. Depois dos nazis os genocídios continuaram por outras formas.

Viagem à Polónia

Viagem à Polónia
Auschwitz, Campo de extermínio. Memória do Mal Absoluto.