Opinião
"Heróis" nacionais
É o Estado que quer que nos revejamos nestes exemplos do “'talento' que fala português"!
Faça contas o leitor a quanto paga ao fisco como assalariado; e agora veja bem quanto pagou em impostos aquele que se faz passar pelo "desportista mais solidário do mundo" com 22 contas na Suíça: 4%! Se 24% a 26,5% deste dinheiro terá ido parar, como comissões, a duas empresas de Jorge Mendes, o "padrinho" de Ronaldo, de Mourinho e de tantos outros jogadores "heróis" do futebol, é porque Ronaldo acha-o um destino claramente melhor do que cumprir com as suas obrigações fiscais perante o Estado e a sociedade. O "Senhor 10%", o "melhor agente do mundo" para os Globe Soccer Awards, é "padrinho" também, entre muitos outros, de 10 dos 23 jogadores da Seleção Nacional (entre eles, Ricardo Carvalho, Fábio Coentrão e Pepe, todos sob investigação fiscal e judicial), de todos os selecionadores nacionais entre 2003 e 2014, da candidatura de Luís Figo (outro "herói" de fiscalidade duvidosa) à presidência da FIFA. Só em direitos comerciais, Mendes terá um rendimento anual de 160 milhões. Em 2013, o seu património estava avaliado em 536 milhões € (Le Monde, 4.12.2016). Ele é outro destes "heróis" empolados pelos media e pelo Estado, que, das impolutas mãos de Miguel Relvas, recebeu em 2012 o Colar de Honra ao Mérito Desportivo pela sua "competência, dedicação, ética de trabalho [!!] e espírito empreendedor". É o Estado que quer que nos revejamos nestes exemplos do “'talento' que fala português"! Foi desta forma que, em 2007 e 2013, as campanhas oficiais de promoção de Portugal no estrangeiro apresentaram Mourinho e Ronaldo.
Há um mês que tudo isto rebentou na imprensa internacional. Entre nós, o Expresso, preocupado em garantir que não queria "destruir ídolos nem desconstruir campeões" (P. Santos Guerreiro, 7.12.2016), encheu duas edições semanais com estas revelações. A imprensa desportiva praticamente ignorou-as, as TVs deram incomparavelmente mais relevo à enésima Bola de Ouro de CR7 (descrita como "resposta" à "campanha" que contra ele teria sido montada) ou ao seu "quem não deve não teme" (RTP, 7.12.2016) do que à demonstração de que nenhum destes "heróis da bola" é eticamente diferente dos agora odiados Ricardo Salgado ou José Sócrates. A impunidade deles, que parece longe de ter cessado, é em grande medida produto da retórica que Cavaco usou quando dizia que "quando [o "CR7] entra em campo, tem a seu lado dez milhões de portugueses."
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