Ivan Pinheiro * – Entrevista (2.ª parte)
Entrevista
concedida por Ivan Pinheiro (membro do Comitê Central do Partido
Comunista Brasileiro – PCB ) para o Portal PCB/SC [Partido Comunista
Brasileiro/Comité Regional de Santa Catarina – NE], na qual ele analisa o
cenário político internacional, o governo Bolsonaro e aponta os
desafios colocados para a classe trabalhadora na construção de uma
alternativa revolucionária.
Segundo Ivan: “Para
reverter essa correlação de forças desfavorável e avançar na luta é
necessário combater as ilusões em soluções institucionais, jogar toda a
energia militante na conscientização, organização e mobilização dos
trabalhadores e das camadas populares e promover, no campo da esquerda
socialista, um urgente debate com o objetivo de unificar e politizar a
luta comum”.
(continuação)
PCB/SC: E sobre Cuba? Como vai enfrentando as sanções e ameaças do governo Trump? Qual a importância da ilha na atualidade?
Ivan:
A Revolução Cubana segue sendo um grande exemplo para todos os povos do
mundo. Cuba é o único país em que me sinto pessoalmente seguro de dizer
que mantém uma experiência de construção do socialismo.
Apesar
de 60 anos de um cruel e desumano bloqueio levado a efeito pela maior
potência mundial, a poucas milhas de seu território, Cuba segue
soberana. Apesar do fim da União Soviética, que sempre lhe deu suporte
político, econômico e militar, o socialismo sobreviveu em Cuba, com
muito sacrifício, ao chamado período especial que se seguiu, num momento
em que o fim do socialismo no país era estimado em dias, meses ou em
poucos anos. Apesar das dificuldades de construir o socialismo
praticamente em um só país, uma pequena ilha, Cuba continua
revolucionária, internacionalista e anti-imperialista.
Mas
não podemos deixar de reconhecer e compreender que a Revolução Cubana,
por conta de todas essas dificuldades, sobretudo econômicas, não achou
outra alternativa senão a adoção de algumas mudanças que vêm abrindo
espaço à iniciativa privada, para poder manter alguns dos mais
importantes princípios da Revolução: as garantias de trabalho e de
gratuidade em todos os níveis da educação e em todos os serviços de
saúde. Uma das soluções encontradas foi um plano de demissão voluntária
de servidores públicos em áreas com grande excesso de pessoal, em troca
do direito de empreender alguma atividade que lhes gerasse renda com seu
trabalho e de pessoas de sua família, num sistema que ficou conhecido
como contrapropismo.
Entretanto,
na busca por mais valor (e confirmando a inescapável lei da acumulação
capitalista), alguns desses empreendimentos, sobretudo na diversificada e
importante área do turismo, se desenvolveram e passaram a utilizar mão
de obra informal de terceiros. Esse tema foi objeto de amplo debate no
recente processo de revisão da Constituição Cubana, que envolveu
praticamente toda a população. O anteprojeto que resultou desta consulta
foi submetido a um referendo nacional, sendo aprovado por 87% dos
cubanos, com comparecimento às urnas de 90% dos eleitores. Entre as
principais mudanças constitucionais estão medidas para conter a expansão
do setor privado na economia, com regras rígidas para coibir a
exploração de mão de obra, o aumento de preços dos produtos de consumo
popular, a evasão de impostos, além de vários ajustes e correções de
rumo para resolver os principais problemas do país, dentro de um
contexto de reafirmação da construção do socialismo.
Já
com relação às manobras, provocações e agressões do imperialismo
norte-americano – que nunca deu trégua nos 60 anos de Revolução
Socialista – a atual crise na Venezuela suscitou uma nova onda de
ameaças e sanções específicas contra Cuba, mas que na realidade têm o
objetivo de tentar “matar dois coelhos com uma só cajadada”, ou seja,
atingir e tentar fragilizar esses dois países que não se submetem aos
seus desígnios, procurando debilitar uma relação bilateral que beneficia
os dois povos. Com este objetivo, o governo Trump mente descaradamente
para apertar o cerco econômico contra a Ilha, afirmando que há tropas
cubanas na Venezuela.
Baseada
na famigerada Lei Helms-Burton, de 1996 (governo Clinton), a ofensiva
atual ataca exatamente as duas necessidades fundamentais para a solução
dos problemas econômicos cubanos: os investimentos estrangeiros e o
setor do turismo, suas principais fontes de receitas em moedas
estrangeiras e de geração de emprego e renda. Para afastar
investimentos, usando seu arbitrário poder extraterritorial, o governo
dos EUA resolveu impor sanções às empresas que tenham alguma relação
comercial em imóveis nacionalizados há décadas pela Revolução Cubana e,
para estancar o crescente fluxo de turistas estrangeiros na ilha
caribenha (4 milhões, em 2018), estabeleceu fortes restrições a viagens
de cidadãos estadunidense a Cuba.
Mas
a Revolução Cubana tem como uma de suas principais marcas a superação
de obstáculos, que não têm sido poucos nem fáceis de vencer. Nunca se
entregou! E mais uma vez vencerá!
Por
conta desta história de resistência invicta, da mística revolucionária
de Fidel, Che, Camilo Cienfuegos e seus camaradas da Sierra Maestra, de
sua determinação de criar uma sociedade sem opressores nem oprimidos,
por ser na atualidade o único país, povo e governo do mundo a praticar o
internacionalismo proletário, nunca lhe faltou nem faltará a
solidariedade vinda de todas as partes do mundo, sobretudo de todas as
expressões políticas e sociais comprometidas com a construção de um
mundo sem guerras, sem fome nem miséria, onde todos possamos
compartilhar os mesmos direitos e deveres e, como em Cuba, nos chamarmos
de companheiros.
PCB/SC:
Vivemos o esgotamento do ciclo lulista, que foi derrotado pelo Golpe de
2016, que culminou com a prisão de Lula e a derrota de Haddad nas
eleições de 2018. O que levou à crise e à derrota desse projeto? Por
que, mesmo com o desgaste do projeto petista, a esquerda socialista não
conseguiu se apresentar como uma alternativa real para a classe
trabalhadora brasileira?
Ivan:
O golpe contra Dilma foi consequência do agravamento no Brasil da crise
mundial do capitalismo, que levou a burguesia a prescindir da
conciliação de classes dos governos petistas que, enquanto a economia ia
bem (favorecida pelo “boom das commodities”), garantiam a expansão e
os lucros do capital e, ao mesmo tempo, amaciavam a luta de classes com
políticas compensatórias, a cooptação e o apassivamento do movimento
sindical e popular.
Enquanto
os efeitos mais graves da crise não chegavam aqui, os governos petistas
se mantiveram de pé, sem muitos sobressaltos, por três mandatos
consecutivos (2003/2014). A governabilidade petista neste período era
garantida por uma ampla aliança com partidos burgueses, que assegurava
folgada maioria no parlamento, ao custo da impossibilidade de promover
qualquer mudança estrutural. Uma das consequências foi não ter sido
feito absolutamente nada ao menos para mitigar o monopólio da mídia
burguesa. Pelo contrário, os governos petistas tentavam, em vão,
neutralizá-la com robustas verbas públicas. Há um PT na oposição e outro
no governo. Com a posse de Lula em 2003, seu partido, que havia
liderado a luta pela reestatização da Vale do Rio Doce, privatizada no
governo FHC, calou-se e não moveu uma palha a respeito.
Quando
a crise econômica atingiu em cheio o final do primeiro mandato de
Dilma, os governos petistas se tornaram anacrônicos para o sistema, pois
não podiam mais sustentar a conciliação de classes (como se viu a
partir das manifestações de 2013) nem assegurar, de forma rápida e
intensa, as contrarreformas de que o capital necessita para sair da
crise às custas dos trabalhadores. A burguesia precisava de um governo
para chamar de seu. Dilma ainda tentou agradar o capital, com a nomeação
de um Ministro da Fazenda de absoluta confiança do mercado. Mas sua
sorte já estava lançada.
As
medidas adotadas pelo governo Temer deixam bem claro que as razões do
impedimento da Presidente Dilma não foram as “pedaladas fiscais”,
pretexto que até hoje pouca gente sabe do que se trata. Mesmo com um
índice de rejeição popular recorde e enredado em graves denúncias de
corrupção, Temer conseguiu, em seu breve mandato, aprovar a
contrarreforma trabalhista, a generalização das terceirizações, o “teto
de gastos públicos” por 20 anos, sem que nem as imagens de uma mala com
500 mil reais carregada por assessor de sua confiança lhe ameaçassem o
mandato.
O
golpe parlamentar, judicial e midiático contra Dilma só foi possível
porque os trabalhadores e as camadas populares – diferente do que vem
ocorrendo na Venezuela – não atenderam ao chamado para defendê-la,
exatamente porque não havia conquistas significativas nem mudanças
estruturais a preservar. E foi facilitado pela conciliação dos governos
petistas: pela campanha de satanização da mídia que não combateram, pelo
oportunismo dos Ministros do STF que nomearam e pela traição do
Vice-Presidente e dos partidos burgueses com os quais se coligaram. Em
resumo: o PT foi vítima da sua própria conciliação!
Apesar
desta derrota, considero um erro a teoria do “esgotamento do ciclo
petista”, surgida em nosso meio após as manifestações de 2013 e
reforçada depois do golpe contra Dilma. Essa teoria induziu ao
voluntarismo de achar que o PT estaria morrendo e que chegara a hora e a
vez de as forças da esquerda revolucionária dirigirem um novo ciclo de
lutas, no qual o reformismo não teria mais espaço, o que é outra ilusão.
Mesmo que o PT tivesse desaparecido, o reformismo migraria para outro
partido socialdemocrata, pois esta é uma ideologia predominante na
pequena-burguesia. Por sinal, o PSOL já vem se beneficiando do desgaste
do PT.
Se
levarmos em conta que o sistema teve que prender Lula para ele não
vencer as eleições de 2018 e que – a despeito de toda a satanização dele
e do PT (como se tivessem inventado a corrupção no Brasil) – Haddad
ainda assim foi para o segundo turno e o PT elegeu novamente a maior
bancada de Deputados Federais, temos que reconhecer que o petismo sofreu
um grande desgaste, mas não se esgotou, inclusive no movimento
sindical, em que ainda é a maior força. O PT pode até voltar ao governo
pelo voto em 2022, já que a crise econômica dá sinais de que pode
agravar-se. Nesta hipótese, não podemos descartar que essa eventual
volta ao governo se dê com o apoio – no primeiro ou segundo turno – de
setores das classes dominantes que deverão ser prejudicados pela
contrarreforma da previdência (que deverá provocar a retração do consumo
das camadas médias e populares), pela desindustrialização, que se
aprofundará com o acordo Mercosul/União Europeia, e com o alinhamento
incondicional aos EUA, que afasta mercados importantes para os produtos
brasileiros. Ainda mais se as revelações dos bastidores da “Operação
Lava Jato” forem mais fundo e deixarem evidentes a parcialidade e a
politização do julgamento de Lula.
A
esquerda socialista não se tornou alternativa ao desgaste do petismo
por várias razões. Uma delas foi que a mídia transformou o PT em
sinônimo de esquerda, de socialismo e até de comunismo. Mas há outros
fatores que pesam, como a débil inserção na classe operária e nos
setores populares, a incapacidade de forjar frentes de luta unitária
para além de eleições, o movimentismo e o identitarismo que predominam
na grande maioria das correntes que reivindicam a esquerda socialista.
Muitas delas se movimentam tendo como bússola a sua performance nas
próximas eleições. A mais de um ano das eleições municipais de outubro
de 2020 – e em plena tramitação da contrarreforma da previdência – os
partidos reformistas já começam a tratar como prioridade o debate sobre
coligações e candidaturas a prefeitos e vereadores. Nas sábias palavras
de um camarada, nos anos ímpares esta esquerda se prepara para as
eleições, que se dão nos anos pares!
PCB/SC:
Qual a sua avaliação sobre os primeiros meses do governo Bolsonaro?
Como analisa a crise interna do governo e as consequências do vazamento
dos bastidores da Lava Jato? Nesse cenário o que deve ser defendido
pelas esquerdas? Como os movimentos sociais e populares podem interferir
nesse processo? Qual a alternativa para a classe trabalhadora mudar
uma conjuntura tão adversa?
Ivan:
O governo Bolsonaro só não conseguiu ser pior, do nosso ponto de vista,
em função das trapalhadas diárias que cria, das crises e conspirações
urdidas por seus filhos, seu ideólogo Olavo de Carvalho e seus
ministros, que atrasam o ritmo do seu próprio projeto de destruição do
que resta do estado social, dos direitos trabalhistas, civis e políticos
e da própria soberania nacional. Mas o retrocesso já é muito grande, em
todos os aspectos.
Pelo
que se observa na mídia hegemônica – a fonte mais reveladora dos
humores das classes dominantes – há entre elas um desconforto com as
asneiras e destemperos diários do inacreditável presidente que elegeram.
Suas propostas preconceituosas e ultraconservadoras e suas declarações
histriônicas, algumas de inspiração fascista, dificultam a pressa da
imensa maioria de direita no parlamento em implantar as reformas
neoliberais que dependem de iniciativa legislativa. A burguesia está
preocupada com medidas a seu favor para a superação da crise econômica,
não com o “marxismo cultural”, a “ideologia de gênero” e outras
bizarrices.
A
crise do momento, em que se destacam os bastidores da Lava Jato (que
acirram o conflito entre o STF e o MPF) e as declarações torpes e
mentirosas do Presidente sobre a prisão e o assassinato de Fernando
Santa Cruz pela ditadura burguesa sob a forma militar, se desenrola
exatamente no reinício da tramitação no parlamento da contrarreforma da
previdência, considerada pelo “mercado” como a mãe de todas as chamadas
reformas estruturantes a favor do capital.
Entretanto,
ao menos no curto prazo, tudo indica que não haverá qualquer iniciativa
no andar de cima com vistas a uma campanha pelo impedimento do
Presidente. Motivos não faltariam: as fake news nas eleições, a relação
íntima do clã com as milícias no Rio de Janeiro, o possível envolvimento
no assassinato de Marielle Franco, o esquema de lavagem de dinheiro de
Flávio Bolsonaro, as evidentes manobras para impedir a candidatura de
Lula.
A
razão principal desta sustentação política, ainda que constrangida, é
que, bem ou mal, a agenda das reformas que interessam ao capital começou
a andar no parlamento e também em matérias que são da alçada do
executivo, como foi a privatização em tempo recorde da BR Distribuidora,
aliás, com respaldo do STF. É bom lembrar que a mídia e os três poderes
estatais estão perfeitamente afinados com o projeto do capital e só
colocam obstáculos a propostas estapafúrdias do executivo, que
extrapolem limites do que consideram civilizado, como a liberação da
posse e do porte de armas e o afrouxamento das multas de trânsito.
Para
garantir seu mandato, Bolsonaro tende a adotar cada vez mais
iniciativas que satisfaçam o apetite do capital por extrair mais valor. É
o caso da recente Medida Provisória 881/2019, apresentada pelo governo
com o esperto título de “MP da Liberdade Econômica” mas que, a pretexto
de desburocratizar as empresas, amplia os efeitos perversos da
contrarreforma trabalhista de Temer, estabelecendo o aumento da jornada
de trabalho de várias categorias, a permissão de trabalho aos domingos e
feriados sem negociação coletiva, a suspensão de normas sobre saúde e
segurança do trabalho, inclusive a possibilidade de extinção das
Comissões Internas de Prevenção de Acidentes, entre outras perdas de
direitos trabalhistas…
Outra
razão importante que vem garantindo a governabilidade é que Bolsonaro
ainda possui uma sólida base social, radicalizada e idiotizada, que
venderia caro uma tentativa de seu impedimento, contando com o apoio das
igrejas neopentecostais, da maioria do comando e principalmente das
bases das forças armadas, das polícias de todos os âmbitos e esferas, do
agronegócio, dos caminhoneiros (que podem parar o país) e de milícias e
organizações de ultra direita que podem transformar em episódios
sangrentos a defesa do seu “mito”.
A
burguesia só recorrerá ao processo de impedimento contra Bolsonaro se
não houver mais condições de administrar as constantes crises que ele
gera e se aprofundarem-se o seu isolamento político, inclusive entre
seus fiadores militares, e o desgaste em sua base social, a ponto de ele
passar a não dispor mais de meios razoáveis para tentar um autogolpe.
Enquanto
isso, a burguesia, que não pode esperar, já arranjou uma maneira
informal, provisória ou não (a depender dos desdobramentos), de levar à
frente sua pauta no legislativo, sem precisar contar com Bolsonaro e, em
alguns casos, apesar dele. Dispondo de uma bancada parlamentar de
centro-direita maior do que a soma das bancadas da oposição de
centro-esquerda e do partido de extrema-direita de Bolsonaro, forjou-se
um parlamentarismo de fato, sob a liderança de Rodrigo Maia, alçado à
condição de primeiro ministro de fato e, quiçá, de próximo candidato a
Presidente da República da maioria das classes dominantes, expressando
um campo de centro-direita, neoliberal na economia e “democrático” na
política e nos costumes. Essa articulação chamou para si a
contrarreforma da previdência e já se prepara para conduzir outras
reformas de interesse do capital, a começar pela tributária.
Já
no campo da oposição dita de esquerda e do movimento popular há muitas
apostas em soluções institucionais que em nada alterariam a atual
correlação de forças desfavorável.
Há
os que torcem para Bolsonaro ficar na presidência até o fim do mandato,
considerando que ele complica os projetos da burguesia e chegaria
desgastado às eleições de 2022, facilitando a vitória de Lula ou de
outro candidato progressista. Já os que torcem por Mourão (e, portanto,
pelo impedimento do Presidente) iludem-se com a maquiagem que o general
vem fazendo em sua imagem, contrapondo suas opiniões às do Presidente.
Acham que ele não causaria tantos retrocessos e estaria aberto ao
diálogo.
É
preciso acabar com essas ilusões. Um processo de impedimento antes das
principais reformas neoliberais e do aprofundamento do desgaste de
Bolsonaro atrasaria mais os planos das classes dominantes do que a
diarreia verbal incontinente do Presidente e ainda poderia trazer
instabilidade política e social. Por outro lado, os militares ainda
apoiam e participam do governo Bolsonaro. Não são democratas nem
nacionalistas. Vários dos seus expoentes, inclusive os generais Mourão,
Heleno e Vilas-Boas, pronunciaram-se publicamente a favor do golpe
contra Dilma e contra a libertação de Lula, chantageando a opinião
pública, o parlamento e o poder judiciário, e não levantaram uma só
palavra contra a entrega da Embraer à Boeing e da base de Alcântara aos
EUA e tampouco a sanha privatizante do governo. Humilhados pela fritura
de alguns de seus generais e sem conseguir cumprir o papel moderador que
imaginavam, os militares sairão desmoralizados por sua participação
neste governo.
Doces
ilusões! Não podemos nos comportar como torcedores, na expectativa de
soluções vindas de cima que pareçam “menos ruins”. Só a
conscientização, a organização e a luta dos trabalhadores e das camadas
populares, com independência de classe, poderão evitar a destruição dos
direitos trabalhistas, sociais, civis e políticos e avançar em outras
conquistas. Essa é a nossa tarefa principal, não pensando apenas na
atual conjuntura, mas em qualquer cenário, qualquer correlação de
forças, a qualquer tempo. Não podemos subestimar as divisões e
contradições interburguesas, que são inerentes ao capitalismo; quando
possível, devemos aproveitá-las a nosso favor. Mas sem ilusões! Não há
divergências inconciliáveis nas classes dominantes sobre a pauta que as
levaram a apoiar Bolsonaro. Muito menos no governo, onde as diferenças
são de forma e estilo, não de conteúdo!
Um
outro entrave ao movimento de massas é o fato de o campo petista
privilegiar o “Lula Livre!” como a bandeira principal, em detrimento da
luta contra a ofensiva do capital. Essa prioridade debilita o movimento
de massas, estimulando a ilusão de que só com eleições e a volta de Lula
ao governo podemos assegurar nossos direitos. Não se trata aqui de
negar a justeza desta bandeira. O julgamento de Lula foi político e
seletivo, um novo golpe para evitar sua candidatura em 2018. Devemos
prestar nossa solidariedade ao ex-Presidente, participando de algumas
iniciativas específicas da campanha por sua libertação, mas sem
priorizar esta bandeira nem abrir mão das necessárias críticas à
conciliação dos governos petistas.
É
preciso também combater as ilusões de classe disseminadas por setores
da socialdemocracia “de esquerda”, que enganam e desmobilizam as massas
com a vã esperança de derrotarmos ou mitigarmos os planos do capital no
parlamento ou na justiça (instituições do estado burguês), como vimos
durante a fase da luta contra a “reforma” da previdência anterior à
votação em primeiro turno na Câmara dos Deputados, onde, por sinal, os
reformistas negociam e conciliam com o seu Presidente, cacifando ainda
mais este líder emergente da centro-direita, queridinho da mídia e do
“mercado”. Os deputados do PcdoB, por exemplo, votaram nele para
Presidente da Câmara, já no primeiro turno, mesmo havendo um candidato
da bancada de esquerda!
Outra
questão é a caracterização do governo Bolsonaro. Apesar de declarações e
atitudes de inspiração fascista da parte dele e de seu entorno político
mais próximo, não me parece correto definir o governo como fascista ou
neofascista e nem exagerarmos os riscos do advento de uma ditadura
aberta. Isso nos levaria ao erro de privilegiar os esforços por uma
gelatinosa frente democrática policlassista e não pela necessária
unidade na ação com a esquerda socialista e os movimentos sindicais e
populares. Significaria privilegiar a luta em defesa da democracia
burguesa, em detrimento dos direitos trabalhistas e sociais.
Apesar
de Bolsonaro, o chamado “estado democrático de direito” funciona
normalmente nestes sete meses de governo, embora com viés autoritário. O
fato de haver neofascistas no governo não significa que estejamos sob o
fascismo. Seria o mesmo que caracterizar os governos petistas como
socialistas ou comunistas só porque deles participavam partidos que
ainda mantêm nos seus nomes esses conceitos. Não há qualquer indício de
que as classes dominantes em nosso país apoiariam, nos dias de hoje, uma
ditadura aberta ou um processo de fascistização, alternativas a que
recorreram, em 1964, quando viram ameaças concretas de mudanças
estruturais, com o avanço do movimento de massas que empurrava o governo
João Goulart para a esquerda. Isso se deu no auge da União Soviética e
em plena Guerra Fria, na época das revoluções socialistas e de
libertação nacional e numa América Latina rebelde, onde a Revolução
Cubana inspirava movimentos revolucionários, o que levou o imperialismo a
apoiar e articular ditaduras burguesas fascistizantes em quase todo o
nosso continente.
Nos
dias de hoje, o rompimento do “estado democrático de direito”, além de
anacrônico e absolutamente desnecessário para o sistema, seria um tiro
no pé dos interesses das classes dominantes, exatamente quando clamam de
joelhos por investimentos estrangeiros, que dependem de segurança
jurídica e estabilidade política. Além do mais, desde a chamada
“transição democrática” – lenta, gradual e segura, como convinha aos
interesses das classes dominantes – nunca houve uma correlação de forças
tão favorável para assegurar os interesses do capital.
Isso
não significa que a democracia burguesa (em verdade uma ditadura de
classe) não possa recrudescer seu lado repressor. Ela é flexível, em
função das necessidades do capital e da correlação de forças. Por isso –
sem nos desviarmos da centralidade da luta contra a ofensiva do capital
em relação aos direitos trabalhistas e sociais -, não podemos perder de
vista a defesa das liberdades democráticas, entendidas como o conjunto
de direitos políticos conquistados, nomeadamente os de expressão,
organização e manifestação. Nesse sentido, não podemos descuidar do
diálogo, de forma pontual e independente, com as forças reformistas de
centro-esquerda nem das necessárias precauções ligadas à segurança e
autodefesa. Quanto mais se desgasta o governo e ficam evidentes as
barreiras aos seus delírios, mais radicalizados e ousados ficarão seus
fiéis apoiadores.
Se
fizermos um balanço realista da atual correlação de forças em nossa
sociedade, infelizmente teremos que reconhecer que a disputa pelo poder
não é entre esquerda e direita, como aqui em 1964 ou na Venezuela na
atualidade, mas entre a direita e a centro-direita, de cujos embates é
que podem surgir aventuras golpistas e autoritárias. De certa forma,
ainda pagando o preço dos governos petistas de conciliação de classe e
do reformismo que hegemoniza o que chamamos de esquerda, temos influído
pouco na conjuntura, sendo mais expectadores da cena política do que
atores.
Para
reverter essa correlação de forças desfavorável e avançar na luta é
necessário combater as ilusões em soluções institucionais, jogar toda a
energia militante na conscientização, organização e mobilização dos
trabalhadores e das camadas populares e promover, no campo da esquerda
socialista, um urgente debate com o objetivo de unificar e politizar a
luta comum. Nesse sentido, seria fundamental a realização de um encontro
nacional das centrais e correntes sindicais e dos movimentos, entidades
e coletivos populares classistas, com vistas a unificar as bandeiras
políticas, a pauta comum e uma articulação nacional, superando a
fragmentação dos recentes dias nacionais de luta, que têm sido
convocados de forma setorial, ora apenas pelas centrais sindicais ora
por entidades de estudantes ou de professores para a defesa de pautas
específicas.
Quanto
à ação dos comunistas revolucionários (com perdão da necessária
redundância), a crise mundial do capitalismo e o consequente
aprofundamento da exploração e da barbárie nos propiciam melhores
argumentos e condições para esclarecer as massas sobre a natureza da
luta de classes e do estado burguês, favorecendo a agitação e a
propaganda do socialismo e do comunismo e, portanto, as nossas
possibilidades de inserção entre o proletariado e as camadas populares,
fator indispensável para o crescimento qualitativo do partido
revolucionário e para o acerto da linha política, nos princípios do
marxismo-leninismo.
Nosso
principal desafio é avançar na construção revolucionária do partido,
girando a militância para atuação nas lutas do movimento sindical e
operário e da juventude proletária, promovendo atividades próprias e
autônomas em relação a outras forças e praticando uma política de
alianças com independência e identidade própria.
Fonte: https://pcbsc.wordpress.com/2019/08/07/o-mundo-a-america-latina-e-o-brasil-na-opiniao-de-um-comunista/, publicado e acedido em 2019/08/07
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