Os interesses económicos por detrás da destruição da Amazónia
O Governo de Rondônia lançou a Operação Jequitibá de prevenção e combate aos focos de incêndios no Estado (Foto: Esio Mendes) |
As queimadas que
destroem a Amazónia e chamam atraem a atenção mundial são apenas a face
mais visível da exploração da maior floresta tropical do mundo. Por trás
do derrube da mata e do fogo, estão poderosos interesses económicos: a
criação de gado, o comércio ilegal de madeira e a produção de soja.
O repórter Brasil e o The Guardian foram-lhes descobrir os contornos.
Parte desses produtos
tem como destino final a Europa. O presidente da França, Emmanuel
Macron, chamou as queimadas de “crise internacional”, declaração que foi
interpretada como uma subida no tom das ameaças sobre a compra de
produtos brasileiros — e que coloca em xeque o acordo entre Mercosul e
União Europeia. A relação do mercado internacional com as queimadas não é
simples, já que a Europa compra produtos que saem de áreas desmatadas
ilegalmente há anos, conforme a Repórter Brasil denunciou em diversas
reportagens.
O fogo é uma das
etapas do processo de abertura de pastagens, que tem início no derrube
da floresta com tratores e correntes, passa pela secagem e pelas chamas e
termina no plantio de capim para alimentar os animais, de acordo com
Erika Berenguer, pesquisadora sénior do Instituto de Mudanças Ambientais
da Universidade de Oxford. Após a substituição das árvores pelo gado, o
terreno pode vir a ser usado para o plantio agrícola, segundo esta
pesquisadora, que já estuda queimadas na Amazónia há 10 anos.
Se na década de 1970
apenas 1% da Amazónia estava desmatada, hoje o índice chega a 20%,
segundo relatório da Procuradoria do Meio Ambiente do Ministério Público
Federal. A destruição da floresta acompanhou a evolução do rebanho
bovino na Amazônia, que passou de 47 milhões de animais em 2000 para
cerca de 85 milhões atualmente. Quase 40% das 215 milhões de cabeça de
gado do país pastam em áreas amazónicas. A pecuária ocupa 80% da área
desmatada da região, segundo o relatório.
A exploração
económica da Amazónia está por trás dos 40 mil focos de incêndio que
atingiram a floresta de 1 de janeiro a 23 de agosto, detetados pelo
Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). É o maior índice de
queimadas desde 2010.
O aumento dos focos
de incêndio acontece ao mesmo tempo que o governo do presidente Jair
Bolsonaro toma medidas controversas como, como a redução das
fiscalizações ambientais, os cortes orçamentais para o ministério do
Meio Ambiente, o questionamento dos dados oficiais sobre desmatamento e a
extinção do Fundo Amazónia.
Ao contrário do que
declarou o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, de que as
queimadas se devem ao “tempo seco, vento e calor”, os dados do INPE
indicam que o fogo vem sendo causado pelo derrube da floresta, segundo
pesquisadores do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM).
Fronteiras agrícolas
Não por acaso, as
atuais queimadas da Amazónia acontecem em áreas tradicionalmente
dedicadas a pastagens ou a plantações de soja. Um cientista da agência
espacial NASA apontou com precisão a localização dos focos de calor
detetados em agosto. “[Os satélites mostram] colunas de fumaça enormes
saindo daquelas áreas da fronteira agrícola, como Novo Progresso, a
região da Terra do Meio, no Pará, e o sudeste do estado do Amazonas”,
disse Douglas Morton ao jornal Folha de S. Paulo, acrescentando que a
última vez que os satélites detetaram uma destruição semelhante foi em
2004.
Localizada na bacia
do rio Xingu, a Terra do Meio é ameaçada pelo avanço do desmatamento na
cidade paraense de São Félix do Xingu, que possui o maior rebanho bovino
do país, com 2,2 milhões de cabeças. Ali, a gigante mundial da produção
de carne, JBS, foi apanhada em flagrante a comprar gado de um grupo
económico multado pelo Ibama (1) por desmatar a Amazónia.
Trata-se da AgroSB,
uma das maiores produtoras de gado do país, que foi multada por
desmatamento ilegal em 69,5 milhões de reais entre 2010 e 2019, nas suas
fazendas em São Félix do Xingu, conforme mostrou, em julho,
investigação da Repórter Brasil em parceria com o jornal britânico The
Guardian. A companhia, que faz parte do grupo Opportunity, do banqueiro
Daniel Dantas, é uma das fornecedoras de gado da JBS.
Não foi a primeira
vez que a JBS comprou gado de grupos desmatadores. Em 2017, a produtora
de proteína animal comprou gado de Jotinha, apelido de Antônio
Junqueira, que realizava na região o maior esquema de desmatamento
ilegal associado a grilagem (2) de terras da história da Amazónia,
segundo operação realizada pelo MPF (3). A denúncia sobre exportação de
carne ligada ao desmatamento, feita pela Repórter Brasil em parceria com
o The Guardian, levou o mercado inglês Waitrose, sétimo maior da
Inglaterra, a retirar a carne da empresa brasileira das suas
prateleiras.
Procurada, a JBS
informou que mantém o posicionamento que deu à época da publicação das
reportagens, quando afirmou que, “assim que recebeu as informações sobre
as irregularidades, todas as compras de gado da família Junqueira foram
imediatamente interrompidas”.
Sobre a compra de
gado da AgroSB, a JBS informou que “os fatos apontados não correspondem
aos padrões” adotados pela companhia. A empresa informou que não adquire
animais de fazendas envolvidas com desmatamento ou que estejam
embargadas pelo Ibama. A empresa reforça que possui um sistema robusto
de monitorização dos seus fornecedores de gado.
Já a AgroSB, também
em nota divulgada na época da publicação da reportagem, afirmou que
comprou a fazenda Lagoa do Triunfo em fevereiro de 2008 e que “nunca
realizou qualquer supressão de vegetação no imóvel”. “O modelo de
negócio da AgroSB é o da aquisição de áreas abertas e com pastagem
degradadas, as quais são adubadas, recuperadas e transformadas em pastos
de alta intensidade ou plantações de grãos”, completa a nota.
Plantações de soja
Enquanto a pecuária
desmatadora se concentra nos estados da Amazónia Legal (4), a maioria
das plantações de soja ocupam áreas do cerrado (5). Porém, parte das
plantações do grão está no norte do Mato Grosso – cujo bioma é
amazónico. Na cidade de São José do Rio Claro, no Mato Grosso, por
exemplo, a Repórter Brasil apanhou em flagrante um fazendeiro denunciado
e multado por trabalho escravo e desmatamento ilegal que exportava
proteína de soja para a Noruega. No país nórdico, a soja era usada como
ração na criação de salmão.
Ainda que em menor
proporção, as plantações de soja também contribuem para a destruição da
floresta. Em 2018, o então ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho,
divulgou estudo revelando que o grão ocupa ilegalmente 47,3 mil hectares
de floresta desmatada da Amazónia – aumento de 27,5% na comparação com o
registrado na safra anterior (37,2 mil hectares).
Empresas dinamarquesas compraram, em 2018, madeira irregular de exportadores brasileiros multados diversas vezes pelo Ibama
Empresas dinamarquesas compraram, em 2018, madeira irregular de exportadores brasileiros multados diversas vezes pelo Ibama (Foto: Ibama) |
A Operação Shoyo,
realizada em outubro de 2016 pelo Ibama, investigou no Mato Grosso os
compradores de “soja pirata” – grão produzido em áreas desmatadas e
embargadas. A operação resultou em multas de 170 milhões de reais
relacionadas com a plantação em áreas proibidas, de acordo com
informações do relatório “Salmon on soy beans – Deforestation and land
conflict in Brazil” (6).
A Associação
Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil) divulgou uma nota no
passado dia 23 em que condena a ocorrência de queimadas na Amazónia em
áreas de vegetação e de produção agrícola no norte do Brasil.
Sobre a extração
ilegal de madeira na Amazónia, a investigação conjunta da Repórter
Brasil e da organização jornalística dinamarquesa Danwatch revelou, no
ano passado, que empresas daquele país compraram produtos de
exportadores brasileiros multados diversas vezes pelo Ibama. Oque
constitui uma prova de que esses crimes não estão sendo bem controlados
pelas redes de fornecedores internacionais.
Desmatadores financiam campanha
O agronegócio
brasileiro tem relações estreitas com a classe política. A JBS foi uma
das maiores financiadoras de campanhas políticas em 2014. Executivos da
empresa assumiram em delações que destinaram mais de 500 milhões de
reais para ajudar a eleger governadores, deputados estaduais, federais e
senadores de todo o país. Ainda que a empresa dona das marcas Friboi e
Swift não tenha sido diretamente multada por desmatamento, ela mantém na
sua rede de fornecedores diretos e indiretos grupos autuados pelo
crime.
Servidores do
Instituto Chico Mendes (ICMBio) posaram para uma foto com a frase
“Amazónia, estamos aqui”, um recado para governo dizendo que eles estão
dispostos a irem fiscalizar e punir os desmatadores e os responsáveis
pelas queimadas.
Após a prisão dos
donos da JBS, Joesley e Wesley Batista, em 2017, a empresa parou de
financiar campanhas, mas executivos ligados a companhias que foram
autuadas pelo Ibama por crimes ambientais – o que inclui desmatamento
ilegal – fizeram doações para campanhas de pelo menos 117 deputados e
senadores eleitos, que somam 4,2 milhões de reais. Entre os financiados
por desmatadores, há nomes proeminentes, como o do atual presidente da
Câmara, Rodrigo Maia, e o ex-presidente do Senado, Renan Calheiros.
O levantamento
exclusivo feito pela Repórter Brasil cruzou dados do Ibama e da Receita
Federal e foi publicado em 5 de fevereiro deste ano. O levantamento
considera crimes ambientais em todas as regiões do país e não apenas na
Amazónia.
Reação
A ministra da
Agricultura, Tereza Cristina, disse na sexta-feira, dia 23, que as
queimadas acontecem durante todo o ano no Brasil. Ela destacou que não
se pode dizer que o agronegócio brasileiro é o “grande destruidor” da
Amazónia por causa dos incêndios que ocorrem neste momento na região.
“Existe hoje uma preocupação do mundo com o meio ambiente. O Brasil não
está fora dessa preocupação. E os produtores rurais também têm essa
preocupação porque eles são os maiores prejudicados, principalmente
aqueles que usam tecnologia”, disse a ministra.
Também nessa
sexta-feira, um grupo de técnicos do Instituto Chico Mendes (ICMBio)
posou para uma foto com a frase “Amazónia, estamos aqui”. Segundo um dos
técnicos, a foto é um recado para o governo federal a dizer que eles
estão dispostos a irem fiscalizar e punir os desmatadores e os
responsáveis pelas queimadas. “Mas o governo precisa disponibilizar a
verba e autorizar as operações”, disse um dos fiscais durante o treino
realizado na Academia Nacional da Biodiversidade, em Iperó (SP).
( (1) Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
( (2) A
grilagem de terras é a falsificação de documentos para, ilegalmente,
tomar posse de terras devolutas ou de terceiros, bem como de prédios ou
prédios indivisos. O termo também designa a venda de terras pertencentes
ao poder público ou de propriedade particular mediante falsificação de
documentos de propriedade da área. O agente de tal atividade é chamado
grileiro.
(3) Ministério Público Federal que permite um acesso rápido e integrado
nos termos que o utiliza entenda sobre compras, contratos, licitações,
despesas com pessoal, gastos com diárias e passagens, etc.
( (4) O
conceito de Amazónia Legal foi instituído pelo governo brasileiro como
forma de planear e promover o desenvolvimento social e económico dos
estados da região amazónica, que historicamente compartilham os mesmos
desafios económicos, políticos e sociais. Incorpora também parte de
Cerrado e do Pantanal.
( (5) O
Cerrado é uma vasta zona tropical de savana e ecorregião brasileira,
particularmente nos estados de Goiás, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso,
Tocantins e Minas Gerais. As áreas “core” do bioma do Cerrado são os
planaltos centrais do país.
( (6) Os
dados fazem parte do relatório “Rainforest Foundation Norway – 2018
Salmão em soja – Desflorestamento e conflito de terras nos Brazil”
(2018).
Via: antreus http://bit.ly/2ZmX8nJ
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