As lições da Grande Depressão de 1929
António Avelãs Nunes
Professor Universitário
1 – O início da produção em série do famoso Ford Model T marca, simbolicamente, o início da sociedade de consumo, sociedade que fez da indústria automóvel o seu centro dinâmico e fez do automóvel o seu ‘deus’ mais venerado.
O fordismo
significou, entre outras coisas, a redução substancial dos custos de
produção, e a baixa dos preços tornando o automóvel, por volta de 1926,
um bem de consumo de massa na sociedade americana. Em 1930 o número de
automóveis registados nos EUA ultrapassava os 26.500.000 (apenas cerca
de 5 milhões em toda a Europa). Em contrapartida, metade das dívidas das
famílias americanas tinham sido contraídas para comprar automóveis.
Com efeito, a sociedade de consumo
não está ao serviço dos consumidores, antes serve os interesses das
grandes estruturas produtivas, que precisam de vender, a quem lhas possa
pagar, todas as mercadorias que lançam no mercado. Daí a publicidade, a
criação de necessidades, o aprofundamento do desejo de consumir. Daí a
necessidade de facilitar as compras às pessoas de rendimentos médios e
baixos: o crédito ao consumo tem desempenhado, desde então, este papel, levando as famílias a endividar-se, por vezes para além do que seria razoável.
Talvez
a consciência disto mesmo tenha levado Henry Ford a perceber a
necessidade de tornar acessível também aos operários a compra dos
automóveis e dos demais bens de consumo duradouros. Daí a defesa das
vantagens (para o sistema) da melhoria dos salários e das condições de
vida dos trabalhadores, que começaram a ser vistos não apenas como um
elemento dos custos, mas também como compradores dos bens que era
preciso vender para assegurar a realização da mais-valia.
A
década que se iniciou em 1920 foi uma época de ouro do capitalismo à
escala mundial. Nos EUA, no início de 1929 o volume da produção era
cerca de 65% superior ao de 1913.
Porque
o crescimento da indústria automóvel arrastou consigo o crescimento de
outras actividades com ela relacionadas (as indústrias mecânica, do
petróleo e da borracha) e também da construção civil (novas estradas,
novos bairros nos arrabaldes, pontes e viadutos nas cidades), que, por
efeito de arrastamento, incrementou vários outros sectores.
A
euforia dos negócios foi um fenómeno contagiante, alimentado pelo
aumento acentuado das cotações dos títulos negociados na bolsa. Os
rendimentos das aplicações financeiras ultrapassaram em muitos casos o
rendimento dos investimentos produtivos; as actividades especulativas cresceram exponencialmente, atraindo mesmo uma boa parte do crédito concedido pelas instituições financeiras.
No
terreno da economia, a ‘livre concorrência’ deu o lugar à luta
oligopolística. A concentração monopolista tornou-se indisfarçável. Foi o
tempo das teorias sobre as vantagens da produção em grande escala (Joseph Schumpeter) e sobre a concorrência monopolista e a concorrência imperfeita (Edward Chamberlin e Joan Robinson).
As actividades especulativas
favoreceram a concentração económica e as práticas oligopolistas, e
estas encorajaram e alimentaram aquelas. Os negócios prosperaram
enquanto foi possível manter o crescimento do consumo das famílias a uma
taxa idêntica à do aumento da produção, o que aconteceu até finais de
1926. Mas em 1929 a capacidade de produção instalada na economia
americana ultrapassava em 20% a capacidade de escoamento das mercadorias
produzidas. Ficava a descoberto a instabilidade estrutural da economia capitalista.
2 – A
euforia marcava ainda um relatório do governo americano:
«economicamente, temos um terreno sem limites à nossa frente; há
necessidades novas que abrirão incessantemente caminho para outras mais
novas ainda, à medida que forem satisfeitas. (…) Parece termos apenas
tocado na orla das nossas potencialidades.»
No entanto, o crash na bolsa de Nova York, na célebre quinta-feira negra de 29.10.1929, marcou o início da Grande Depressão, a primeira grande crise do capitalismo num quadro de predomínio do capital financeiro sobre o capital produtivo
e a mais séria crise do capitalismo no século XX, que depois se
propagou à Europa capitalista e a todo o mundo capitalista. Os preços
baixam (deflação), as falências sucedem-se, a produção diminui
enormemente, o desemprego alastra: mais de 30 milhões de desempregados
no conjunto dos países capitalistas (cerca de 6 milhões só na
Alemanha).
Na
Europa, as destruições da guerra viram os seus efeitos potenciados por
processos inflacionistas de grandes proporções. A crise europeia não
trouxe consigo a baixa dos preços e a destruição do capital
indispensável ao início de um novo período de prosperidade, com um grau
de concentração e de centralização do capital ainda maior. As
dificuldades na Europa afectaram negativamente o desenvolvimento do
comércio internacional (factor agravado ainda com a adopção de medidas
proteccionistas).
Neste
quadro, ficou patente que a prosperidade não poderia manter-se,
isoladamente, nos EUA. As dificuldades ao nível da economia terão levado
a desviar muitos fundos do investimento produtivo para a especulação
bolsista, alimentada por uma enorme expansão do crédito. Muita da
prosperidade assentava em lucros fictícios, resultantes de capitais fictícios, criados na bolsa, sem nenhuma relação com a actividade produtiva.
Aos
primeiros sinais de quebra de confiança no andamento da economia,
muitos quiseram salvar o dinheiro que tinham apostado na bolsa e, ao
tentarem vender a qualquer preço, originaram o grande crash:
várias empresas e instituições financeiras sucumbiram à baixa das
cotações bolsistas; muitos bancos entraram em colapso, porque os seus
empréstimos tinham servido para financiar actividades especulativas e
não investimentos produtivos; a corrida aos bancos fez o resto.
À
medida que o tempo passava, as pessoas encaravam a situação como se
tivesse havido uma catástrofe natural: assim como veio, há-de ir-se
embora. Entretanto, por não poderem pagar a renda da casa e a conta do
gás, muitas famílias foram despejadas, e milhões de pessoas passaram a
viver em campos de tendas e barracas. Propagaram-se as doenças
epidémicas, juntamente com a prostituição e o crime. O exército foi
chamado a intervir para reprimir manifestações.
E a Administração Hoover nada fazia para combater a crise, agarrada à velha tese de que as finanças sãs
(o equilíbrio das contas públicas) eram a primeira exigência da
‘confiança’ necessária para o regresso à prosperidade e de que a
presença do estado na economia, ao substituir as leis naturais da economia pelo arbítrio do Governo, equivaleria à destruição do capitalismo.
Numa
comunicação ao país (1931), o Presidente dos EUA proclamou que a crise
só poderia ser enfrentada com base na «manutenção do espírito de ajuda
mútua através de donativos voluntários. Isto é de infinita importância
para o futuro da América. Nenhuma acção do estado, nenhuma doutrina
económica, nenhum projecto ou plano económico pode substituir a
responsabilidade que Deus impôs a cada homem e a cada mulher para com os
seus vizinhos.»
Pela mesma altura, o Presidente da National Association of Manufacturers
imputa aos desempregados e aos pobres a responsabilidade pela sua
própria miséria, porque «eles não praticam o hábito da poupança, antes
perdem as suas poupanças nos jogos da bolsa. Com que razão culpam o
nosso sistema económico, o governo ou a indústria?»
3 – Em
Março de 1932, «os bancos estavam fechados e gente de bem vendia maçãs
na rua.» (Averell Harriman) Eleito para a presidência dos EUA, Franklin
Roosevelt parece ter pressentido o perigo da revolução. Truman
confirmaria mais tarde esta ideia: «Em 1932 o sistema de livre empresa
privada estava próximo do colapso. Havia verdadeiro perigo de que o povo
norte-americano adoptasse um outro sistema.»
Empenhada
em salvar o capitalismo de uma morte que parecia eminente, a
Administração Roosevelt abandonou as concepções liberais do Partido
Republicano e adoptou um conjunto de medidas de política activa que ficaram conhecidas por New Deal.
No início, mais do que um programa de estímulo à recuperação da economia e do emprego através do aumento da despesa pública, o New Deal foi um conjunto de operações de salvamento
(envolvendo dezenas de milhares de milhões de dólares) de que
beneficiaram maiormente a banca, os caminhos de ferro, alguns estados
federados e governos locais, a par de proprietários de casas adquiridas a
crédito e de empresas agrícolas endividadas.
Mas
o Governo de Roosevelt procurou também atender algumas das necessidades
mais prementes dos trabalhadores, com o propósito de os furtar à
tentação revolucionária e de conseguir o apoio popular para as suas
políticas: atribuiu subsídios aos desempregados e aos idosos e pensões
aos veteranos de guerra; concedeu apoios aos agricultores; desvalorizou o
dólar e abandonou o padrão-ouro (o que a Inglaterra já tinha feito em
1931); baixou as taxas de juro; apoiou a recuperação e a reestruturação
de empresas; lançou grandes programas de obras públicas para combater o
desemprego e reconheceu alguns direitos dos trabalhadores.
O New Deal
apostou igualmente na regulação da actividade bancária e do mercado
financeiro em geral, procurando deste modo satisfazer os (grandes)
empresários industriais e fazendo deles parceiros privilegiados do
estado no ‘governo da economia’.
Coerentemente, em Junho/1933, através do National Industrial Recovery Act,
o estado concede às associações profissionais (ao jeito das soluções
corporativas na Europa) o poder de elaborar e fazer aplicar
coercivamente regulamentos que podem determinar as condições da
produção, os limites e as formas de concorrência (em última instância,
os preços) nos vários sectores. Nesta medida, a economia americana
passou a ser uma economia organizada corporativamente,
com base nas associações profissionais autónomas, às quais era confiado
o ‘governo’ do respectivo sector de actividade económica.
Ainda em 1933, foi criada a National Recovery Administration, uma estrutura de planificação económica centralizada
de tipo moderno, à qual foram atribuídos, entre outros, poderes para
obrigar a indústria a reorganizar-se, para fixar os preços, para
distribuir quotas de produção. A National Recovery Administration foi
declarada inconstitucional em 1935, com o fundamento de que a
Constituição americana não permitia o socialismo. Já então podia
concluir-se que não há constituições neutras,
porque, afinal, mesmo a mais ‘neutra’ das constituições,
proclamadamente aberta a todos os programas políticos resultantes da
alternância democrática, veicula um projecto político que exclui qualquer outro.
Mas o New Deal prosseguiu, e alguns autores valorizam particularmente o por vezes designado «segundo New Deal», a fase que se iniciou após a vitória esmagadora de Roosevelt nas eleições de 1936. Só a partir de então o New Deal privilegiou as políticas activas
de promoção do emprego e de apoio aos trabalhadores, em resposta,
aliás, às pressões sindicais, que se faziam sentir, de forma
sistemática, desde o início da década.
Neste
período foi instituído o salário mínimo, o subsídio de desemprego, o
direito de livre organização sindical e o direito à contratação
colectiva, mudanças que criaram as condições que permitiram aos
sindicatos penetrar em sectores industriais que até aí os tinham mantido
afastados dos respectivos trabalhadores (aço, borracha, têxtil,
automóvel).
Permaneceu, no entanto, a preocupação com o equilíbrio orçamental,
o que se traduziu na travagem do processo de recuperação da economia
que se vinha registando desde 1933 e no aumento da taxa de desemprego
aumentou (de 14% em 1937 para 19% em 1938). Perante esta realidade
assustadora, a Administração Roosevelt antecipou, de algum modo, as
propostas keynesianas, passando a combater a crise compensando a quebra
do investimento e do consumo privados com o aumento das despesas
públicas financiadas mediante o recurso ao défice (deficit financing).
4 – A
doença do capitalismo era, porém, muito mais grave do que os ‘remédios’
inventados para curar, o que justifica o profundo sentimento de
frustração e inquietação que se apossou do país ao aproximar-se o fim do
segundo mandato de Roosevelt.
Em
1939, havia ainda nos EUA 10 milhões de desempregados (nunca se
conseguiu uma taxa de desemprego inferior a 15%) e o investimento
privado era ainda cerca de 17% inferior ao de 1929, antes da crise. O
desencanto era de tal ordem que o Presidente da Works Progress Administration (uma das principais agências do New Deal)
chegou a escrever [pasme-se!] que «as pessoas estão fartas dos pobres e
dos desempregados. (…) Esta gente não conta para o bem-estar da
população como um todo. São uma casta fora dos grupos que estão dentro
do sistema económico. Elas não têm mercado para o seu único bem
económico, a sua competência e o seu trabalho. (…) O que é natural é que
a sociedade ignore esta classe de pessoas e as abandone. Existirão como
uma não-entidade, ninguém se preocupará com o que lhes acontece. Os
seus membros roubarão, pedirão esmola e viverão na miséria como os seus
irmãos na Índia.» Talvez tenha surgido aqui a ‘filosofia’ que pode
servir de base ao moderno fenómeno da exclusão social: porque não estão dentro do sistema económico, os excluídos são uma não-entidade, são ignorados como se não existissem…, salvo quando se pensa que os ‘bárbaros’ podem um dia invadir a cidade…
Alguns
autores sustentam que o peso dos interesses económicos dominantes nos
EUA e a estrutura do poder político que representa esses interesses é
muito difícil conseguir que as despesas civis (educação, saúde,
habitação, infraestruturas…) ultrapassem certos limites. Estes limites
(à roda de 14% do PIB) terão sido alcançados em 1939. Perante o enorme aumento das despesas militares
em resultado do esforço de guerra, as despesas civis de consumo e de
investimento do estado sofreram uma quebra nos anos 1940; recuperaram
nos anos 1950, 1960 e 1970, tendo atingido o seu máximo em 1975 (15,4%
do PIB); mas estabilizaram à roda dos 14% do PIB (14,6% em 2007,
sensivelmente o mesmo que em 1938/1939).
5 – A Grande Depressão
de 1929-1933 foi precedida de um período caracterizado por intensa
actividade especulativa liderada pelo grande capital financeiro e por
uma enorme desigualdade. O mesmo se verificou agora. Desde meados dos
anos 1980, os ricos foram ficando cada vez mais ricos e os pobres cada
vez mais pobres. Entre 2000 e 2007, os 1% do topo arrecadaram 75% da
riqueza criada nos EUA. Em 2007, a elite dos mais ricos (0,1%) tinha um
rendimento 220 superior à média dos 90% da base.
Tomando como ponto de partida o crash
da bolsa de Nova York em 1967, a desregulação acelerada a partir dos
anos 1980 gerou mais de cem crises em todo o mundo. Registo algumas: a
crise dos países em desenvolvimento em 1982; a crise dos mercados de
acções nos EUA em 1987; a crise (também nos EUA) dos mercados de
obrigações de alto risco e das caixas económicas (savings and loans),
em 1989/1990; a crise bancária dos países escandinavos no início da
década de 1990; a crise no Japão, ao longo desta década; a crise do
Sistema Monetário Europeu, em 1992/93; em 1994, nova crise no mercado
obrigacionista americano; ainda em 1994/1995, a crise do peso mexicano; a
crise das moedas asiáticas em 1997/98; a crise do rublo em 1998/99; o
chamado e-crash,
a crise (2000-2002) que afectou a chamada ‘nova economia’ (a economia
das novas tecnologias: biotecnologia, informática, computação,
telecomunicações), particularmente nos EUA e na Europa; a crise do real
brasileiro em 1999; a grave crise financeira, económica, política e
social da Argentina (2001/2002), por muitos considerada o maior desastre
das receitas neoliberais impostas pelo FMI enquanto ‘gestor de
negócios’ do grande capital financeiro internacional.
Apesar
do alarme, e perante o risco evidente de pandemia, os defensores do
mercado livre, da liberalização, da desregulamentação e da desregulação
deixaram a sida alastrar e continuam a proteger os mesmos tipos, defendendo com unhas e dentes os seus santuários (os paraísos fiscais, paraísos bancários, paraísos judiciários, verdadeira casa-abrigo dos especuladores, dos grandes conglomerados financeiros, dos grandes ‘padrinhos’ do crime sistémico e dos seus operacionais, na finança e na política).
Crise após crise, a sida tomou conta da economia mundial,
debilitando-a pela via do aumento do desemprego, do trabalho precário e
da diminuição dos salários reais e dos direitos dos trabalhadores, do
aumento da desigualdade e da exclusão social. E os abalos das várias
crises nas últimas décadas faziam esperar um ‘terramoto’ de maiores
dimensões. Porque as crises são inerentes ao capitalismo, e porque, como
todos sabemos, o carnaval acaba sempre em quarta-feira de cinzas…
6 – Os primeiros sinais da crise estrutural que se adivinhava foram: 1) a
rotura unilateral dos Acordos de Bretton Woods por parte dos EUA
(Agosto/1971): os EUA deixaram de garantir a conversão do dólar em ouro a
uma certa paridade e o mundo passou rapidamente a viver em regime de
câmbios flutuantes (o preço das divisas passou a ser regulado pelo
mercado, i. é, pelos especuladores); 2) as chamadas crises do petróleo (1973,1975 e 1978-1980), à qual se seguiria uma outra ‘crise do petróleo’ em 1978-1980.
Estes dois episódios puseram a nu os limites do estado keynesiano e das políticas keynesianas e abriram o caminho à contra-revolução monetarista/neoliberal.
Em 2007/2208, rebentou nos EUA a mais grave crise do capitalismo depois de 1929, uma crise que, num quadro de acentuada hegemonia do capital financeiro sobre o capital produtivo,
começou por ser uma crise financeira, relacionada com as práticas
especulativas em que se especializou o grande capital financeiro (a
história do capitalismo mostra que a especulação financeira tem sempre
gerado crises).
Num país em que o endividamento das famílias, graças ao ‘estímulo’ do crédito ao consumo,
representava 120% do rendimento disponível, a fantasia desfez-se
quando, em meados de 2006, os preços das habitações começaram a baixar
e, no primeiro trimestre de 2007, cerca de 15% das pessoas (mais de dois
milhões de famílias) que tinham sido atraídas pelo crédito fácil
deixaram de pagar os seus encargos. Foi o início da subprime crisis, com a falência do subprime market,
no qual se negociavam produtos financeiros derivados do crédito de
baixa qualidade concedido a empresas de construção civil e a compradores
de casa (subprime credit).
Dizem os especialistas que a prática do subprime foi um fruto da «depravação moral» dos banqueiros, que fizeram do subprime a
forma mais escandalosa de explorar os mais pobres e os menos educados e
mal informados, obtendo deles somas elevadíssimas, «saqueando estes
grupos com empréstimos predatórios e práticas abusivas em cartões de
crédito.» Já em 2004, o próprio FBI chamava a atenção, publicamente,
para o que designava «uma epidemia de fraudes hipotecárias.» Mas o
grande capital financeiro impôs as suas leis e o regabofe continuou.
A
crise resultante da perda de valor de mercado dos prédios hipotecados
afectou rapidamente os bancos, companhias de seguros e fundos de
investimento. A banca do ‘casino’ ficou sem fundos, os bancos deixaram
de confiar uns nos outros e a crise alastrou ao mercado interbancário. Por pressão do capital financeiro, o estado capitalista,
fiel aos dogmas do neoliberalismo, concedeu todas as liberdades à
especulação. Quando o ‘negócio’ faliu, foi chamado para salvar os
especuladores, tendo respondido à chamada com toda a solicitude e
determinação, convocando o povo para pagar a factura. Invocando o risco sistémico,
a Administração de G. W. Bush, que sempre considerou a ‘intervenção’ do
estado na economia como um dos sinais da existência do império do mal, protagonizou a mais dispendiosa operação do estado desde os anos trinta (700 mil milhões de dólares para salvar os bancos).
O banco Lehman Brothers
não resistiu aos ferimentos provocados pela especulação e anunciou
falência em 15.9.2008. G. W. Bush proclamou que não deixaria falir mais
bancos. Estava inventado o capitalismo sem falências.
No final de 2008, a crise financeira degenerou em crise económica, que teve o momento mais simbólico no afundamento da General Motors, salva à custa de milhões e milhões de dólares saídos dos bolsos dos contribuintes.
7 – As
crises cíclicas são um fenómeno inerente ao capitalismo, e há factores
estruturais que vêm tornando a ocorrência de crises uma possibilidade
cada vez mais forte, e que vêm gerando crises cada vez mais prolongadas e
mais profundas, acentuando as dificuldades do capitalismo em lidar com
elas.
No
entanto, perante a crise, alguns ‘sábios’ anunciaram que a Europa
estava protegida. Mas todos os produtores e difusores da ideologia
dominante tentaram esconder, por todos os meios, a sua natureza de
«crise estrutural do capitalismo.»
Defenderam uns que esta era uma crise do neoliberalismo,
procurando passar a ideia de que o capitalismo não é para aqui chamado:
o capitalismo não tem nada que ver com as crises, porque o capitalismo é
eterno (é o fim da história) e não há alternativa ao capitalismo.
Insinuaram outros que se tratava de uma ‘doença benigna’, resultante de «excessos do mercado», uma simples crise de costumes, por falta de ética do capital financeiro, patente na actuação desregrada e imoral de uns quantos gestores da alta finança.
Na
mesma onda, houve quem sustentasse que o que falhou foi a regulação e a
supervisão (o capitalismo, esse, continua perfeito e eterno, sem
alternativa…).
De todo o modo, o Conselho Europeu de Outubro/2008 anunciou também a entrada na era do capitalismo sem falências,
ao decidir que não deixaria falir nenhuma instituição financeira
importante, oferecendo assim ao grande capital financeiro um seguro
gratuito, que cobre mesmo acções irresponsáveis e até criminosas. Esta
política ‘salvadora’ foi depois consagrada em vários documentos das mais
altas instâncias da UE.
O esforço financeiro feito para salvar os especuladores (muitíssimo mais do que para aliviar o sofrimento das vítimas do capitalismo de casino),
conduziu ao aumento do défice público e da dívida externa de vários
países. Seguiu-se a guerra contra os trabalhadores, condenados a pagar
os ‘crimes’ que outros cometeram através das políticas de austeridade punitiva (falam alguns, cinicamente, de austeridade regeneradora…), que estão a pôr em causa o estado social, a democracia e a paz, na Europa e no mundo.
São as consequências de mais uma crise do capitalismo, uma crise estrutural do capitalismo,
cujas causas últimas, indo além das bolhas especulativas e dos jogos de
casino que tornaram a crise indisfarçável, radicam na própria essência
do capitalismo, tendo-se acentuado progressivamente à medida que se
foram consolidando os resultados da mundialização feliz de que falam os apóstolos da política de globalização neoliberal dominante.
Não
será a última, mas ela ajudará a enfraquecer ainda mais este corpo
condenado a morrer (como tudo o que é histórico) e a dar lugar a um
mundo diferente, apesar de todos os meios – e são muitos – que podem
ainda prolongar-lhe a vida.
Via: FOICEBOOK http://bit.ly/2lnmbVu