Quando
a crise de 2008 rebentou a nossa divida pública estava em linha com a
média europeia. Era a dívida externa, que junta a pública e a privada,
que estava bem acima. As razões têm a ver com o euro e o que ele fez à
já pouco saudável balança comercial, com a falta de capital nacional,
com o processo de privatizações que obrigou a recorrer a capital
externo, com a ausência de um mercado de arrendamento que leva ao
endividamento das famílias, com dezenas de outras razões, algumas bem
antigas. Seja como for, isso expunha-nos (e expõe-nos) especialmente a
qualquer crise externa.
Entre
2009 e 2011, a fragilidade da nossa economia e a inação da União
Europeia (ou mesmo a sua indecisão, que disse aos Estados para injetarem
dinheiro na economia para depois os mandar recuar) teve um efeito
brutal nos juros da dívida pública. Não foi apenas em Portugal. Por todo
o lado, foi isto e o resgate aos bancos que transformou a crise do
subprime em crise das dívidas soberanas. Depois, como sabemos, os
Estados foram obrigados a minguar, mas o despautério da banca continuou.
Convencer os povos que o problema estava nos serviços que os Estados
lhes prestam foi fundamental para que o poder financeiro não tivesse de
mudar nada.
A intervenção da troika foi uma
catástrofe social cujas dimensões ainda não podem ser medidas em toda a
sua extensão. E não foi feita qualquer reforma estrutural da economia e
do Estado. O único ganho foi a descida das taxas de juro, com acesso
facilitado ao crédito. O que poderia ter sido conseguido com uma
intervenção atempada da UE e do BCE, logo no inicio da crise grega, que
desse confiança aos credores
Voltando a Portugal,
ache-se o que se achar de José Sócrates, e é difícil achar alguma coisa
de bom, não havia Sócrates na Grécia, na Irlanda, em Espanha ou em
Itália. Desde que entrámos no euro, as crises e recuperações da nossa
economia devem-se muito mais ao que se passa na Europa do que ao que
tenha feito Sócrates, Passos ou Costa. E a troika em Portugal foi uma
escolha política de Bruxelas e Berlim. Assim como não ter existido uma
intervenção direta em Espanha e Itália o foi.
A
intervenção da troika foi uma catástrofe cujas dimensões ainda não podem
ser medidas em toda a sua extensão. Foram 29,4 mil milhões, que
corresponderam a 17% PIB, que a austeridade arrancou ao país. A dívida
passou dos 108% do PIB, em 2011, para mais 130% no fim do período da
troika. Foram destruídos 450 mil empregos, o desemprego ultrapassou os
20% (35% nos jovens). 120 mil a 150 mil pessoas emigraram por ano. Um
quarto dos portugueses (eram 20% em 2009) passou a viver abaixo do
limiar de pobreza, ao mesmo tempo que as grandes fortunas aumentavam 13%
e surgiram mais 350 milionários em Portugal. No resgate à banca,
fizeram de Portugal uma cobaia com efeitos desastrosos.
Não
foi feita qualquer reforma estrutural da economia e do Estado. Todos os
problemas estruturais do país estão intactos, porque resolver nunca foi
o objetivo da intervenção externa. O objetivo era garantir o pagamento
da dívida através da sua transferência da banca para as instituições com
capacidade de cobrança. De resto, apenas mais umas privatizações, mais
umas mudanças nas leis laborais, cortes no rendimento e um emagrecimento
cego e irresponsável do Estado cujos efeitos se sentirão por muito
tempo, porque é mais difícil reconstruir do que destruir. O único ganho
foi a descida das taxas de juro, com acesso facilitado ao crédito. O que
poderia ter sido conseguido com uma intervenção atempada da UE e do
BCE, logo no início da crise grega, que desse confiança aos credores.
Só
fomos poupados às repercussões políticas mais graves a que assistimos
noutros países. Ao contrário de outros, tivemos a sorte de terem sido
dois partidos de esquerda, que algumas pessoas gostam de comparar à
extrema-direita, a absorver o descontentamento e, com esses votos,
contribuírem para uma solução governativa. O efeito político mais
duradouro foi mesmo à direita, especialmente no PSD, que perdeu o voto
dos reformados, vítimas de uma austeridade que lhes cortou rendimento
num período da sua vida em que a adaptação é mais difícil. Um preço que
os social-democratas ainda estão a pagar. Veremos com que efeitos para o
regime.
Mas houve uma
coisa em que aqueles três anos tiveram efeitos profundos: animaram, com a
ajuda do discurso autopunitivo contra um povo que tinha vivido acima
das suas possibilidades e a aceitação rastejante de uma intervenção
estrangeira, o pior da nossa identidade coletiva. Uma identidade
desenhada por meio século de ditadura e marcada pelo medo e a
subserviência. Ela está muito viva. E ainda serve ao poder político e
económico.
in Expresso
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