O julgamento de Ricardo (Espirito
Santo) Salgado é um espetáculo de farsa politica com a cobertura de
legalidade proporcionada pelo sistema judicial e encenado pela
comunicação social.
A justiça do Estado sacode as pulgas do
tapete para assegurar o regime de capitalismo de papel e especulação.
Os políticos do regime fazem de macacos cegos surdos e mudos. A
indústria do espetáculo aproveita o espetáculo grátis e aumenta as
audiências. O povo aplaude e compra os produtos anunciados nos
intervalos. No entanto está em causa o julgamento do sistema financeiro
que é o fundamento do capitalismo, seja ele gerido por democracias
liberais ou ditaduras. Um sistema implantado no final do século XVII
pela família Rothschild.
Deixem-me emitir e controlar o dinheiro de uma nação e não me importarei com quem redige as leis.
Mayer Amschel (Bauer) Rothschild, o fundador da família
Todo aquele que controla o volume
de dinheiro de qualquer país é o senhor absoluto de toda a indústria e
comércio, e quando percebemos que a totalidade do sistema é facilmente
controlada, de uma forma ou de outra, por um punhado de gente poderosa
no topo, não precisaremos que nos expliquem como se originam os períodos
de inflação e depressão.
James Garfield, presidente dos Estados Unidos, 1881(assassinado)
Por detrás deste espetáculo do
julgamento de Ricardo Salgado encontra-se a relação de dupla dependência
entre a política e a finança anunciada no final do século XVII por
Mayer Amschel (Bauer) Rothschild, o fundador da família que criou o
sistema bancário que da Europa, através do Banco de Inglaterra, expandiu
para os Estados Unidos, onde se associou à família Rockefeller e que
está na base do FED, a Reserva Federal Americana. O sistema que os
Espirito Santo e os outros banqueiros utilizaram e utilizam para obter
lucros assenta no que pomposamente se designa por fractional reserve lending,
(FRL) ou “empréstimo baseado numa reserva fracionada”, ou “empréstimo
sem cobertura ou base real”. Embora de enunciado complexo, a prática é
muito simples; significa emprestar mais dinheiro do que está em caixa e
transformou-se na maior fraude legal de todos os tempos.
O sistema bancário de reserva
fracionada é o que vigora em todos os países do mundo, no qual os bancos
que recebem depósitos do público mantêm apenas parte de seus passivos
de depósito em ativos líquidos como reserva, geralmente emprestando o
restante aos tomadores. As reservas bancárias são mantidas como dinheiro
no banco, ou como saldos na conta do banco no banco central.
A família Espirito Santo foi a que
primeiro e mais intensamente interpretou estes princípios em Portugal e
os impôs ao poder político, desde o fundador da família ter evoluído de
dono de uma casa de câmbios até os seus filhos surgirem como os
banqueiros do regime de Salazar e desempenharem um papel político de
primeira grandeza no Portugal do Estado Novo durante o período crucial
da Segunda Guerra Mundial, colaborando na manutenção do difícil
equilíbrio entre os aliados ingleses e a Alemanha nazi.
Os Espírito Santo, a quem a imprensa da
época chamava “os Rockefeller de Portugal”, ofereceram refúgio às
realezas fugidas da guerra, entre eles os condes de Paris, com os seus
dez filhos, os condes de Barcelona, o rei Humberto de Itália, e o mais
significativo de todos, o Duque de Windsor que acabara de abdicar do
trono em Inglaterra, apesar de essa presença ser delicada para o regime
de Salazar por prejudicar a sua pretensa neutralidade e de também não
ser do agrado de Churchill dadas as simpatias pro germânicas do duque
ex-rei.
Ricardo Espírito Santo, o herdeiro do
fundador, culto e muito amigo de artistas, tinha as costas quentes, era
casado Maria Pinto de Morais Sarmento y Cohen, filha de um banqueiro de
Gibraltar, Abraham Cohen, britânico de origem judaica, e sobrinha do
barão de Sendal e através deste casamento os Espirito Santo conheceram e
fizeram amizade com toda a realeza exilada em Cascais e com as suas
redes de influência.
O Banco Espírito Santo era, de todos os
bancos portugueses, o mais internacionalizado e o que tinha mais fortes
ligações ao Estado. A sua nacionalização em 1975 não quebrou a
influência da família na política portuguesa, nem quebrou a ligação da
família ao mundo da grande banca internacional. Pertenci à Assembleia do
MFA do dia 11 de março de 1975 que aprovou a nacionalização da banca.
Consciente da importância da banca na definição do poder político. Sofri
as consequências dessa opção no 25 de Novembro de 25 de 1975,
assumindo-as como naturais da parte dos que optaram pelo regime de
“mercado” e pelos seus financiadores.
O 25 de Novembro de 1975 e o seu
programa de integração de Portugal na ordem política e económica vigente
na Europa Ocidental implicavam as privatizações indispensáveis à
recuperação do poder das velhas oligarquias e da ascensão das novas,
exigia a criação de novos bancos, caso do BCP e do BPI e aconselhava o
regresso da marca mais prestigiada internacionalmente, a que garantia a
credibilidade do novo regime. Mário Soares percebeu a importância do
regresso de um nome tão prestigiado e com tão boas relações no mundo da
finança internacional e promoveu o regresso da família Espírito Santo a
Portugal, o que foi conseguido através dos bons ofícios de François
Mitterrand com a associação ao Crédit Agricole.
Há razões nunca explicadas por detrás
da “resolução do BES” e as principais não são aquelas que se encontram
no julgamento espectáculo. Com todo o respeito pelos lesados do BES, que
viram sumir as suas economias e exprimem o seu protesto contra a figura
de Ricardo Salgado, há que explicar se foi o Estado Português que
propôs a resolução do BES à Comissão Europeia, ou se foi dela a
imposição dessa medida jamais utilizada. Não havia alternativa? Não
havia o exemplo do Lehman Brothers, da seguradora AIG, não foi
encontrada recentemente uma outra solução para a União dos Bancos
Suíços?
O BES era o único banco privado com
“nacionalidade portuguesa”, embora associado ao Crédit Agricole francês.
Todos os outros bancos que resultaram da reprivatização tinham passado
para o controlo da banca espanhola, de capitais ingleses, americanos,
alemães. Todo o sistema bancário português tem a sede em Espanha, em
Madrid ou Barcelona. O sistema bancário português está hoje integrado no
sistema mundial através de Espanha, o chamado “mercado ibérico”.
O BES tinha, por tradição, o papel de
banco do regime, fora o banco que assegurou a transferência do ouro
alemão que pagou o tungsténio, o volfrâmio, durante a Segunda Guerra,
por exemplo. Nos anos anteriores à resolução era o BES que estava a
financiar a implantação de grandes companhias portuguesas no Brasil e em
Angola, dois mercados emergentes e muito cobiçados pela finança
internacional, em particular a inglesa e a francesa. Era o BES que
financiava a implantação da TELECOM no Brasil, uma ação importante de
presença num grande mercado em expansão no continente sul-americano, e
era o BES que estava a financiar através de uma filial, o BESA, o apoio a
empresas portuguesas no mercado de Angola, outro espaço cobiçado pela
banca internacional.
O BES intervinha na diversificação dos
mercados de grandes empresas portuguesas em mercados importantes em
concorrência com os grandes bancos europeus que têm, como é evidente, um
peso de lobbying incomparavelmente superior junto de Bruxelas e dos seus financeiros. Era um concorrente a eliminar e assim foi.
Todo o negócio bancário se baseia na
usura, toda a utilização do capital para obter lucro é abusiva, isto
porque o lucro é obtido com a venda de um produto que não tem base
material, que existe apenas porque as autoridades de um dado estado
garantem que o banqueiro, o moneychanger, é de confiança e honrará o compromisso de pagar os juros aos depositantes.
O BES sob a administração de Ricardo
Salgado vendeu mais dinheiro do que aquele que podia remunerar aos juros
acordados. E fê-lo coberto pela reputação de confiança que lhe era e
foi publicamente demonstrada pelas mais altas figuras do Estado, o
presidente da República, Cavaco Silva, tido por eminente professor de
Finanças, pelo primeiro-ministro Passos Coelho, pela ministra das
Finanças, Maria Luís Albuquerque, recentemente nomeada pelo atual
governo comissária europeia, pelo governador do Banco de Portugal, a
entidade reguladora, Carlos Costa, pelos mais conceituados comentadores
políticos com acesso aos mais poderosos meios de comunicação, caso de
Marcelo Rebelo de Sousa. Todos serviram de fiadores de Ricardo Salgado!
Todos e todos os ministros que assinaram a ata do Conselho de Ministros
que decretou a “resolução” do BES deviam responder em tribunal e serem
corresponsabilizados pelos prejuízos.
O BES foi também a instituição
escolhida pelo ministério da Defesa dirigido por Paulo Portas para
conduzir as operações financeira de leasing que esteve e está
na base do fornecimento dos helicópteros EH 101 e dos submarinos da
classe Tridente, que pertencem formalmente a uma empresa e não ao Estado
Português. Um banco da maior confiança do Estado e dos seus governos,
de que nenhum agente político desconfiou, antes pelo contrário afiançou.
O que aconteceu ao BES, ou no BES, foi,
em termos simples um excesso do abuso de confiança dentro de um
sistema, o bancário, que assenta num contínuo abuso da confiança
instituído pelos Estados que obrigam os cidadãos a confiar nos usurários
(os banksters) para terem acesso aos bens essenciais, desde a
habitação ao transporte, à alimentação, à educação, ao lazer. Quem
estabelece o valor dos bens são, em última instância, os banqueiros que
em Washington e na Wall Street de Nova Iorque impõem o valor do dólar
como moeda de troca universal. São eles que estabelecem a inflação que
gera lucros aos banqueiros e prejuízos aos clientes. São eles que
desencadeiam crises e guerras para manipular o valor do dinheiro.
Agora, no Big Show BES, tudo
se vai resumir a artigos dos vários códigos diante de um tribunal que
interpretará factos contabilísticos, considerando-os crime ou não à luz
dos seus preceitos, quando a questão era e é de política e os políticos
estão todos eles a fazerem-se de mortos. Ou praticaram o rito judaico do
Kaparot, realizado nas vésperas do Yom Kippur, uma expiação simbólica
dos pecados, em que milhares de galos e galinhas são degolados em Israel
e o sangue derramado pelas cabeças. Um ritual de arrependimento e
perdão.
Numa entrevista ao Público, Vitor
Bento, o administrador do BES na data da sua resolução e que é hoje o
presidente da Associação Portuguesa de Bancos, garante que o que
aconteceu ao BES não aconteceria hoje e que o sistema bancário português
está mais controlado e merece confiança. É uma afirmação paliativa,
como garantir que não vai ocorrer um terramoto.
O sistema financeiro mundial baseado no
dólar está em equilíbrio periclitante. As guerras na Ucrânia e no Médio
Oriente têm como causa a manutenção do dólar enquanto moeda de troca
universal, o que implica força para o impor e é essa força que está a
ser desafiada nessas guerras e é do resultado delas que depende a
solidez do sistema bancário da área do dólar, que está a sofrer a
concorrência das moedas dos BRICS.
O julgamento de Ricardo Salgado conduz à
triste conclusão de que no capitalismo os cofres dos bancos contêm
papel que tem o valor que a Reserva Federal dos Estados Unidos lhe
atribuir e que os Estados nacionais atestam com a assinatura do
governador do banco nacional. Nenhum cidadão sabe o que significam os
algarismos do seu extrato bancário.
Alguém decidiu que as “obrigações”
emitidas pelo BES eram papel sem valor e eram, mas resta a pergunta,
porque elas, porque aquelas? Porque ninguém do BCE em Franckfurt ao
Banco de Portugal em Lisboa viu o que se estava a passar no BES? Essas
perguntas jamais serão colocadas em tribunal.
O espetáculo no Campo da Justiça,
centrado na figura de um vencido que gera sentimentos de vingança a
vários níveis, a do poderoso arrastado para o cadafalso, também esconde a
vileza das ratazanas políticas que continuam a representar o seu número
de macacos cegos, surdos e mudos.
Já agora, não há lesados no caso BPN, dos amigos de Cavaco Silva, nem do BANIF da Madeira.
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