Há cem anos assassinaram Rosa Luxemburgo, a
mulher mais revolucionária de todos os tempos e uma das maiores figuras do
pensamento político e do marxismo. Convém lembrar, pelo menos cem anos depois,
já que foi esquecida deliberadamente pela Direita e pela Esquerda. Pela Direita
reacionária, comprometida com o capitalismo predador na sua fase imperialista,
muitas vezes fascista, ultimamente neoliberal (expressão que mascara o papel
interveniente do Estado Burguês), anticomunista, não admira que assim seja.
Seria de admirar por parte da Esquerda. Mas não. Não surpreende porque
costuma-se colocar à Esquerda uma social-democracia que é, o mais das vezes, de
Direita (o caso notório do reacionário PSD português), ou que prossegue as
políticas pró-capitalistas (casos notórios do PS francês e do corrupto PS
italiano). E não surpreende porque foi por ordem direta do secretário-geral do
Partido Social-Democrata Alemão (SPD) que Rosa foi assassinada por um reles
militar que se gabou do feito. Rosa foi assassinada não porque haja encabeçado
um levantamento contra o Estado (acontecimento funesto desencadeado por uma ala
esquerdista do SPD ou anarquista mais propriamente), como se tem dito, no calor
de uma revolução e da contra-revolução, mas tão somente porque era a mais forte
líder do novo Partido Comunista de que foi cofundadora, partido da melhor
parte da classe operária, não alienada, não submissa ou manipulada, a mais
poderosa oradora, a mais acutilante panfletária. Para o seu assassínio
contribuiu uma mescla de ódio às mulheres e ódio ao socialismo revolucionário.
Rosa Luxemburgo notabilizou-se pela denúncia das
posições políticas oportunistas da II Internacional dos Trabalhadores (isto é,
colaboracionistas com o grande capital e apostadas exclusivamente em ganhos
parlamentares, a tal «cretinice parlamentar» excomungada por Rosa), dominada
por Karl Kautsky que fora abandonando a teoria de Marx depois de ter sido dela
um importante e ativo divulgador e que viria a repudiar a Revolução Bolchevique
(e qualquer outra revolução).
A chefia oportunista da ala direita do SPD odiava
Rosa porque esta fora a voz mais dura a atacar os chauvinismos e, portanto, o
apoio do Partido à intervenção da Alemanha monárquica e a provocação por parte
do capital alemão da I Guerra Mundial, a guerra inter-imperialista depois apelidada
de «A Grande Catástrofe», mas, que melhor seria chamar-lhe a «Grande Matança».
Mas houve também numa certa Esquerda a
obliteração propositada do nome desta imensa revolucionária e fecunda marxista:
no Partido Comunista da União Soviética, com Estaline e depois dele, porque
Rosa censurara aberta e corajosamente os desvios da revolução e do novo Estado.
Em suma: ela fora a voz clara e honesta que enfrentara o próprio Lenine,
com razão ou sem ela toda pelo que conhecemos da troca de argumentos entre eles.
A Revolução encaminhara-se rapidamente para a construção de um Estado
centralizado e centralizador, ao que Rosa se opunha, invocando a tradição da
democracia participativa e a experiência para muitos apaixonante dos sovietes
ou, o que é o mesmo, dos conselhos e das comunas. Um debate que permanece.
Nenhuma razão pode justificar que se obliterem figuras e suas obras quando elas
deram contributos excecionais à causa da emancipação dos trabalhadores e dos
povos oprimidos. Este reparo aplica-se tanto a Rosa Luxemburgo como a Trotsky
(organizador do glorioso Exército Vermelho e autor da melhor história da
Revolução bolchevique).
A História não se repete sempre da mesma maneira.
Não é tanto tal facto que torna difícil aprender com o passado. Na verdade, quando
nos repetimos, não é porque queiramos cometer os mesmos erros, mas porque
julgamos que não foram erros, mas meios necessários que justificavam os fins.
Com o colapso do “mundo socialista” nem os fins se alcançaram.
Mais vale não acreditar nas promessas de chefes
políticos, sejam eles quem forem (as exceções honrosas confirmam a regra), nem
iludirmo-nos sobre a sua pretensa perfeição moral, as suas qualidades
admiráveis sem manchas, etc. Vale mais olhar e conhecer o que fizeram e sermos
nós, por nós próprios sem preconceitos e apriorismos de doutrina ou de
fidelidades, a avaliar a bondade ou não desses feitos.
Vale dizer que a Social-Democracia deixou de se
conformar com a teoria marxista, ainda que se reclamasse de início das ideias
de Marx e que F. Engels lhe tenha dado apoio paternal. Pode-se dizer que Marx
morreu desgostoso com a ineficácia na prática da sua teoria, na Alemanha e na
Inglaterra, e começara a olhar a Rússia com alguma esperança de visionário. Dos
partidos social-democratas saíram, como se sabe, os partidos denominados
comunistas, sob o exemplo do partido conduzido por Lenine. Por conseguinte,
nunca se pôde esperar nesses períodos de confrontação entre os dois Blocos e da
Guerra Fria, a não ser por ilusão, dos Partidos ditos socialistas (todos os
grandes partidos europeus sempre haviam abandonado a estratégia programática do
socialismo, evidentemente daquele socialismo entendido por Marx e que se
entende qual seja se o lermos com atenção) uma aliança leal com os partidos à
sua esquerda com vista à construção de uma economia não capitalista através de
um programa de reforma profundas e radicais. Alianças e acordos houve mas que
não realizaram reforma social profunda alguma na Europa, como nos lembramos do
Programa Comum francês. Houve exceções? Sim, e corajosas e admiráveis, quase
sempre fora da Europa e da América do Norte: com Salvador Allende, no Chile, e
o governo de aliança com o PC de Pablo Neruda. E outras exceções vindas de
movimentos de libertação nacional (Argélia, Angola, Moçambique, Congo
Brazzaville, Etiópia, Somália, Nicarágua, etc.), correntes marxistas que viriam
a ser derrotadas por dentro desses Movimentos. Estes exemplos demonstram que
não há posições eternas e irredutíveis. Demonstram que o socialismo é um termo
abstrato e algo vago que tem de ser preenchido com um programa adaptado às
condições locais e cujos objetivos estratégicos correspondam a aspirações
expressas pelos povos trabalhadores. Mas, então, se as grandes massas não
estiverem interessadas em uma sociedade completamente alternativa e prefiram
aderir a outras soluções propagadas por chefes carismáticos? Se as soluções
destes se revelam mais pragmáticas, realistas e eficientes, e preferíveis a
Revoluções que provocam violência? E se tentarmos construir uma economia
socialista gradualmente, por meio de reformas profundas mas não abalos sísmicos?
Talvez, quem sabe? a certa altura fosse possível passar de passo de trote a
passo de galope…
Allende foi assassinado por ter nacionalizado as
minas do cobre. Lumumba no Congo, por outro tanto, ou no Irão com o petróleo,
ou em Angola e Moçambique com a guerra civil e depois a corrupção epidémica,
etc. etc. No fundo, classes e outras camadas sociais em lutas, o irresistível
perfume do dinheiro, da glória, ou o veneno dos ódios pessoais. Rosa Luxemburgo
é uma figura impressionante que deve comover qualquer comunista ou socialista,
ou, apenas (?) um social-democrata sincero. Fez mais pela emancipação das
mulheres do que toneladas de livros que ora enchem as montras dos livreiros.
As situações são sempre concretas e sempre
complexas. O assassinato de uma das melhores cabeças da Europa verificou-se em
uma convulsão de acontecimentos que já ninguém controlava e onde a mais extrema
violência voltava, como sempre acontece, a ser a solução mais fácil para vencer
um adversário (a vida breve da nossa República morta sob a pata do terror
fascista, está repleta de golpes e contragolpes violentos). Nenhuma lição
definitiva é possível extrair, senão essa. É credível chegarmos a ser uma espécie
dialogante e racional?
Não, não é.
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NOZES PIRES
Torres Vedras, 21/01/2019
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