O euro de Mário Centeno como "veículo de prosperidade" Eugénio Rosa [*]
O mito e a realidade
Eugénio Rosa [*]
Para
Mário Centeno, o euro deve ser "um veículo de prosperidade para os
cidadãos europeus". ( Jornal Negócios, Dez/2018). E como prémio pelo seu
apoio fervoroso, a revista The Banker, do Financial Times, ligada à
alta finança inglesa (City of London) considerou "o ministro das
Finanças português Mário Centeno como o melhor ministro das Finanças do
ano (2018) na Europa", o que foi depois repetido acriticamente por todos
os grandes órgãos de informação portugueses e pelos opinion makers que
têm acesso fácil aos media, condicionando fortemente a opinião publica
nacional. No entanto, o que é bom para os grandes grupos financeiros
pode não ser bom nem para Portugal nem para os portugueses. Por isso,
interessa analisar com objetividade se o euro tem sido um veículo de
prosperidade para os portugueses, o que tem acarretado para o nosso país
estes 20 anos de euro, ou melhor, qual é a situação de Portugal e dos
portugueses ao fim de 20 anos de euro, e quais os desafios e as
dificuldades que os aguardam no futuro. Para isso, vamos utilizar a
linguagem objetiva dos dados oficiais. Esta análise, até por limitações
de espaço, vai-se limitar a alguns (poucos) aspetos importantes que
condicionam o presente e o futuro dos portugueses e de Portugal.
A EVOLUÇÃO DAS CONDIÇÕES DE VIDA DOS PORTUGUESES EM COMPARAÇÃO COM OS DA ZONA EURO SEGUNDO O EUROSTAT, O SERVIÇO OFICIAL DE ESTATÍSTICA DA UE
O gráfico 1, com os dados divulgados pelo Eurostat, mostra com clareza como tem evoluído as remunerações dos trabalhadores portugueses em comparação com a média das remunerações dos trabalhadores da Zona Euro, constituída por 19 países.
Segundo
o Eurostat, em 2008, a remuneração/hora de um trabalhador em Portugal
correspondia 47,3% da média da Zona euro; em 2011 representava já apenas
45,3%; em 2015 somente 41,4% e, em 2017, 41,8% da média das
remunerações dos trabalhadores da Zona Euro, ou seja, menos de metade.
Eis o "veículo de prosperidade", para utilizar as palavras de Centeno,
que tem sido o euro para os trabalhadores portugueses.
No 3º Trimestre de 2018, segundo o Inquérito ao Emprego do INE, 950.000 trabalhadores (26,2% do total) recebiam mensalmente menos de 600€ e 2.342.500 trabalhadores portugueses (64,7% do Total) levavam para casa menos de 900€ por mês. Eis também o resultado, em números, do "veículo de prosperidade" de que se gaba Mário Centeno.
O AGRAVAMENTO DA DESIGUALDADE NA REPARTIÇÃO DA RIQUEZA EM PORTUGAL
E se completarmos este quadro com outros dados sobre a parte da riqueza criada que reverte para os trabalhadores tanto em Portugal como nos países da Zona euro, ou seja, como se reparte a riqueza criada no nosso pais e nos países da Zona Euro, o retrato fica ainda mais claro e completo. E para que não hajam dúvidas que não estamos a manipular a realidade vamos continuar a utilizar dados divulgados pelo insuspeito Eurostat que é o serviço de estatísticas oficiais dos governos dos países da União Europeia (gráfico 2).
Os
dados do Eurostat são claros, não deixam margens para dúvidas e tornam
desnecessários os comentários. Em 2006, apenas 46,8% da riqueza criada
em Portugal revertia para os trabalhadores que representavam cerca de
84% da população empregada; em 2011, tinha diminuído para 46,3%, e no
fim do governo de Passos Coelho/Paulo Portas/troika" tinha-se reduzido
para 43,7%, tendo subido em 2017 para 44,3% mas continuando a ser
inferior à média da Zona Euro que, em 2017, era 47,5%. Um valor superior
ao de 2006, precisamente o contrário do que se verificou em Portugal
que diminuiu. Este é também o resultado do "veículo de prosperidade" de
que fala Mário Centeno.
A
DIVIDA EXTERNA DO PAÍS E DAS ADMINISTRAÇÕES PÚBLICAS CONTINUA A SER
ENORME E A CRESCER, QUALQUER SUBIDA DAS TAXAS DE JUROS TEM EFEITOS
GRAVES
O gráfico que a seguir se apresenta, construído com dados divulgados pelo Banco de Portugal, mostra de uma forma clara a enorme divida do nosso país ao estrangeiro. Qualquer subida significativa da taxa de juros terá consequências dramáticas para o país
Este
enorme endividamento do país (em 2018, superior em mais de duas vezes
ao valor do PIB de Portugal) está associado também a um enorme e
crescente endividamento das Administrações Públicas quer total quer ao
estrangeiro, como revela o gráfico 4.
Como
revelam os dados do Banco de Portugal, a divida total das
Administrações Públicas continuou a aumentar com o governo de António
Costa/Mário Centeno, embora a divida externa tenha diminuído, mas
continuando a ser muito elevada (140.352 milhões € em 2018 ).
PARA
CUMPRIR O QUE BRUXELAS EXIGE CORTA-SE NA DESPESA E NO INVESTIMENTO
PÚBLICO COM CONSEQUÊNCIAS DRAMÁTICAS PARA O DESENVOLVIMENTO DO PAÍS
O
quadro 1, também com dados do Eurostat, mostra a queda significativa,
com consequências dramáticas no desenvolvimento do país assim como na
prestação de serviços públicos à população (saúde, educação, transportes
públicos, ferrovia, segurança social, etc.), pois sem investimento e
sem trabalhadores não é possível realizar isso.
Os
dados do Eurostat revelam que se verificou em Portugal uma quebra
significativa quer no investimento total (em 2017, menos 20% que a taxa
da Zona Euro) quer no investimento público (em 2017, menos 42,3% que a
taxa da Zona euro), e na despesa com pessoal da Função Pública, medida
em % do PIB, com efeitos graves quer para o desenvolvimento do país quer
para suprir as necessidades básicas da população, com consequências
graves na vida dos portugueses, sentidas já pela maioria da
população. No período 2006/2017, a taxa média anual de crescimento
económico foi de 1,04% na Zona euro e de apenas 0,3% em Portugal, o que
mostra bem o que é "o euro como instrumento de prosperidade". E isto
tudo também para cumprir a meta de 0% no défice que Mário Centeno tanto
se gaba, mas hipotecando o futuro do país e a vida dos portugueses Mas o
euro não teve apenas consequências negativas, teve também aspetos
positivos para os portugueses como sejam a estabilidade dos preços e da
taxa de câmbio, assim como taxa de juros baixos o que tornou o credito
acessível a muitos portugueses (muitos certamente ainda se lembram de
taxas de inflação e de juros superiores a 20% que "comiam" salários,
pensões e poupanças). Mas isso é matéria para outro estudo.
09/Janeiro/2019 [*] edr2@netcabo.pt Este artigo encontra-se em http://resistir.info/
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