Há cem anos: quando os social-democratas mandaram matar Rosa Luxemburgo
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Judia sem religião, polaca sem passaporte, militante socialista desde os 15 anos, doutorada em Zurique, naturalizada alemã mas internacionalista irredutível, dirigente política quando as mulheres ainda nem podiam votar, Rosa Luxemburgo era considerada por apoiantes e adversários como "uma das melhores cabeças do socialismo internacional". Foi assassinada há cem anos, em 15 de janeiro de 1919, a mando dos seus antigos camaradas social-democratas.
Cem anos depois, muitos milhares de pessoas continuam a manifestar-se em
Berlim, invariavelmente no segundo domingo de cada mês de janeiro para
evocar aquilo que foi na altura um magnicídio de primeira categoria: o
assassínio de Rosa Luxemburgo e de Karl Liebknecht.
Outras realizações, como ontem sucedeu com a Conferência Rosa Luxemburgo
2019, evocam com diversas intervenções políticas e académicas a vida, a
obra e a actualidade de Rosa Luxemburgo.
Para entendermos o alcance daquele duplo assassínio, temos de entender
quem foi Rosa Luxemburgo e que importância teve para o Partido
Social-Democrata alemão (SPD) e para a Segunda Internacional.
Uma meteórica carreira intelectual e militante
Rosa Luxemburgo era, desde havia duas décadas, a figura mais consistente
na ala esquerda do SPD. Na viragem do século, tinha encabeçado o debate
contra as propostas de Eduard Bernstein, que visavam converter o SPD
num partido dedicado à reforma gradual do capitalismo - não mais à luta
pelo socialismo. Fizera-o com tal vigor, nomeadamente no seu livro Reforma social ou revolução, que a velha direcção do SPD, inicialmente inclinada a apoiar Bernstein, acabou por rejeitar as inovações que este propugnava.
Mais adiante, Rosa Luxemburgo desenvolveu as concepções esboçadas no seu
livro anti-bernsteiniano, apresentando-as de forma mais sistematizada
quando leccionou na escola do partido (onde teve como alunos alguns dos
que mais tarde organizariam o seu assassínio). E apresentou-as sobretudo
de forma mais sistematizada no livro A acumulação do capital, em
que surge como uma economista marxista com a rara capacidade de
examinar criticamente, corrigir em determinados aspectos e aprofundar a
teoria marxiana original.
Entretanto, Rosa intervinha regularmente em todos os debates
partidários, alertando contra as ilusões dos sindicalistas sobre o
alcance da actividade reivindicativa, por ela denominada como um
"trabalho de Sísifo" que, apesar de necessário, volta sempre ao ponto de
partida. Alertava também contra a tentação do SPD para escolher os seus
temas agitativos em função da respectiva utilidade eleitoral. E
alertava contra o que classificava de "cretinismo parlamentar" - a ideia
de que os deputados social-democratas pudessem conseguir em combinações
de bastidores alguma melhoria significativa para a classe operária.
Contudo, a ala esquerda do SPD perdia terreno, lenta mas seguramente,
para os burocratas sindicais e para os "bonzos" parlamentares, cada vez
mais instalados no sistema que diziam combater. Contra essa involução
silenciosa, Rosa Luxemburgo não conseguia impor-se da mesma forma que se
impusera à audácia teórica de Bernstein.
Viu, por isso, a vaga revolucionária que em 1905 eclodiu no império
russo como uma oportunidade para as perpectivas do movimento operário e
para a sua própria vida. Contra o conselho dos amigos mais próximos,
embarcou em Dezembro para a sua Polónia natal e aí militou até ser presa
em Março de 1906. Depois de libertada, publicou as suas reflexões sobre
a revolução com o título Greve de massas, partido e sindicatos.
Em 1910, reagiu à vaga de manifestações que reclamava o estabelecimento
do sufrágio universal na Prússia recomendando o recurso à greve de
massas, tal como ela surgira na Rússia em 1905-1906. Mais, preconizou um
desenlace insurreccional para o movimento grevista enisso invocou a
partir de certa altura invocando o exemplo contemporâneo da instauração
da República portuguesa.
Sempre contra a guerra, sempre com a revolução
Baseada numa desenvolvida elaboração teórica sobre a natureza do
capitalismo, Rosa Luxemburgo atribuía-lhe uma constante pulsão
expansionista e uma tendência inerente para o militarismo e a guerra.
Denunciou energicamente todos e cada um dos empreendimentos militares
alemães - e foram vários, na China, em África, quase em Marrocos.
No momento em que o SPD decidiu apoiar a guerra da Alemanha contra as potências da Entente
(Reino Unido, França e Rússia, principalmente), Rosa Luxemburgo
convocou uma reunião dos militantes social-democratas que esperava
críticos dessa decisão. Só conseguiu reunir um punhado deles.
Mas meteu ombros à mobilização das poucas forças que começavam a
despontar e, passados quatro meses, pôde congratular-se com a primeira
tomada de posição pública de um deputado contra a guerra - Karl
Liebknecht. Assim que o desgaste causado pela grande carnificina começou
a fazer-se sentir, Liebknecht tornou-se a grande figura pública do
movimento antimilitarista e Luxemburgo a sua líder mais influente.
Ambos foram brutalmente neutralizados: Liebknecht foi despojado da
imunidade parlamentar, enviado para a guerra e, depois, preso;
Luxemburgo foi condenada a duas penas de prisão. No cumprimento dessas
penas, viria a passar na cadeia três dos quatro anos da guerra. Só seria
libertada com a revolução de 9 de Novembro de 1918.
Na cadeia, Rosa Luxemburgo escreveu A crise da social-democracia,
fustigando sem contemplações o SPD por ter aderido à política de
guerra. Fê-lo sob o pseudónimo "Junius", para não atrair sobre si mais
alguma condenação judicial. O livro escrito na cadeia notabilizou-se por
proclamar a alternativa "socialismo ou barbárie", que rompia com a
ideia determinista, de um socialismo considerado como desfecho
inevitável da História da humanidade.
Nesse momento, Rosa Luxemburgo já deixara de ter ilusões sobre o que
fora o seu partido e
passara a proclamar que "a social-democracia se tornou um cadáver
fedorento". De um modo geral, eram praticamente todos os partidos da
Segunda Internacional que tinham capitulado perante as políticas
belicistas dos respectivos governos. Daí concluía Luxemburgo que era
necessário construir novos partidos, unidos numa nova Internacional.
Também na cadeia, viveu entusiasticamente a revolução russa de Outubro.
Em 1918, escreveu um livro que só viria a ser publicado vários anos
depois, em que reiterava um forte aplauso à audácia de Lenine e Trotsky,
embora depois procedesse a uma crítica severa da política bolchevique.
Admitia que essa política estivesse a ser decidida num estado de
necessidade, mas protestava contra os imitadores ocidentais do
bolchevismo, entusiastas incondicionais que faziam "da necessidade
virtude".
Entre as frases que Rosa Luxemburgo utilizou na discussão da política
bolchevique, houve uma que fez História: "A liberdade é sempre a
liberdade de quem pensa de outro modo". Setenta anos depois, os
manifestantes leste-alemães marcharam contra o Muro de Berlim e contra a
Stasi com esse lema inscrito nas suas faixas e cartazes.
O duplo assassínio que marcou uma época
Em 9 de novembro de 1918, a revolução que tinha começado no porto de
Kiel estendeu-se a Berlim e derrubou a monarquia praticamente sem efusão
de sangue. O levantamento popular obteve rapidamente a adesão das
tropas (na foto, festejando a vitória junto à Porta de Brandenburgo).
Karl Liebknecht fora libertado em Outubro, semanas antes da revolução, e
estava em Berlim no momento de proclamar a república, a que chamou
"república livre e socialista da Alemanha". Rosa Luxemburgo foi
libertada nesse dia e ainda teve de viajar até à capital.
Encontrou a cidade em ebulição, com as fábricas e os quarteis a elegerem
organizações de tipo sovietista - os conselhos de operários e soldados.
Nas intervenções públicas que teve a partir daí, passou a preconizar um
governo dos conselhos, à semelhança do que sucedia na Rússia soviética.
Em consequência, opôs-se energicamente à convocação de eleições para
uma Assembleia Constituinte.
Em 5 de Janeiro de 1919, quando se desencadeou em Berlim a sangrenta
repressão contra a esquerda alemã, Rosa Luxemburgo decidiu permanecer na
capital, contra os mandamentos elementares da prudência e os conselhos
insistentes dos seus amigos mais próximos.
A quem lhe aconselhava refugiar-se em Frankfurt-am-Oder, ou noutra
cidade mais segura, replicava, quase indignada, que os milhares de
trabalhadores berlinenses não tinham onde refugiar-se e que abandoná-los
no meio do massacre equivalia a uma deserção.
Mais do que qualquer dirigente do recém-fundado KPD (Partido Comunista
da Alemanha), Luxemburgo era fácil de identificar. Mulher de pequena
estatura, com uma fisionomia característica, com uma lesão de infância
que a fazia coxear ligeiramente, ela era, a bem dizer, inconfundível à
vista desarmada.
Algumas precauções tomadas, e o apoio de diversas famílias berlinenses,
que a acolhiam para poder mudar de residência quase todas as noites, iam
ser, obviamente, insuficientes para escondê-la durante muito tempo, se
se obstinasse em permanecer na boca do lobo.
Eram, especialmente, insuficientes, porque circulava já entre os grupos paramilitares da contra-revolução (Freikorps)
a promessa de um elevado prémio em dinheiro a quem a denunciasse ou
abatesse - a ela, a Karl Liebknecht e ao representante oficioso da
Rússia soviética em Berlim, Karl Radek.
A garantia de pagamento do prémio era avalizada pela palavra do genro de
Philip Scheidemann, um dos primeiros ministros social-democratas num
Governo da monarquia
agonizante, e logo a seguir um dos primeiros num Governo da república
nascente. Scheidemann fora camarada de Rosa Luxemburgo durante duas
décadas nas fileiras do SPD.
As decisões estratégicas do "terror branco" foram tomadas entre
Friedrich Ebert, antigo aluno de Rosa na escola do partido, promovido a
líder do SPD após a morte de August Bebel, e o quartel-mestre-general
Wilhelm Groener, em contacto telegráfico e depois em telefonema secreto,
logo no segundo dia da revolução, em 10 de Novembro de 1918.
(Foto de 1907: Luxemburgo, quarta à esq., com Bebel; Ebert, na coluna de carteiras da dir., sentado à esq. na terceira fila)
Perante a proclamação da república, que não conseguira evitar, Ebert
assumia, contrariado, o cargo de chanceler; e Groener prometia o apoio
dos militares ao novo governo, depois de se ter assegurado que este
estava empenhado em combater o "bolchevismo". Não era difícil obter
garantias de Ebert, que, segundo ele próprio, odiava a revolução "como a
peste" (ou, segundo outras versões, "como o pecado").
Muito disto viria a ser testemunhado por Groener em 1925, com uma candura
desconcertante, no chamado processo da "punhalada nas costas" (Dolchstossprozess).
As decisões tácticas mais detalhadas do mesmo "terror branco" foram
tomadas por um dos homens de confiança de Ebert, o ministro
social-democrata Gustav Noske - o mesmo que se justificava dizendo que
"alguém tem de fazer o trabalho sujo" (na foto, Noske à dir., com o general Lüttwitz, que em 1920 viria a notabilizar-se como fracassado putschista contra a República).
O verdadeiro organizador do duplo assassínio foi o capitão Waldemar
Pabst, que o general Ludendorff considerava "um dos mais capazes
oficiais do Estado-Maior" e que Noske classificava como "brilhante mas
sem escrúpulos". Fora chamado a Berlim com a sua Divisão da Guarda de
Cavalaria, que ele de facto estava a comandar por impedimento de saúde
do general Hoffmann.
Para uma reconstituição histórica de 1960,
o jornalista da ARD Dieter Ertel pôde ainda entrevistar Pabst. Nessa
altura lhe contou o antigo oficial como decidira que, além de
Liebknecht, tinha também de fazer assassinar Rosa Luxemburgo.
Segundo esse depoimento, Pabst foi a certa altura visitado por um
tenente-coronel, que recebeu com a deferência devida a um superior
hierárquico. E ficou chocado por ouvir desse oficial sénior a confissão
de que presenciara um discurso de Rosa Luxemburgo e que o fascinara a
seriedade dos seus argumentos e das suas razões. Segundo Pabst, foi esse
o momento em que o plano homicida ganhou contornos no seu espírito.
Em 15 de Janeiro de 1919, Karl Liebknecht e Rosa Luxemburg foram
localizados graças à delacção de informadores e levados para o Hotel
Eden, onde funcionava o quartel-general da Divisão da Guarda de
Cavalaria. Liebknecht foi interrogado por Pabst, entregue a dois
oficiais da Marinha, os irmãos Pflukg-Hartung, e depois assassinado a
tiro pelo tenente Rudolf Liepmann (ou, segundo uma outra versão, pelo
próprio capitão Pflugk-Hartung). Chamado à responsabilidade perante um
tribunal militar, este justificou-se alegando, em todo o caso, uma das
habituais "tentativas de fuga".
Luxemburgo foi igualmente interrogada por Pabst, que depois contactou
telefonicamente com o ministro social-democrata Gustav Noske e obteve
dele a luz verde para o duplo assassínio. Foi então levada para um
automóvel à guarda do tenente Kurt Vogel, agredida à coronhada pelo
soldado Otto Runge, embarcada na viatura já inconsciente, depois abatida
a tiro pelo tenente Hermann Souchon e lançada no Landwehrkanal, onde meses depois apareceu um cadáver que se supôs ser o seu.
Como o estado de inconsciência em que foi levada fora testemunhado por
muita gente concentrada em frente do Hotel Eden e não permitia alegar
uma "tentativa de fuga", Pabst declarou perante o tribunal militar que
Luxemburgo fora arrancada das mãos dos seus guardas por uma multidão
enfurecida, raptada e provavelmente morta por essa multidão.
Invocando a protecção do "bom nome" de Souchon, os tribunais alemães
proibiram a imprensa, já depois da Segunda Guerra Mundial, de citar os
testemunhos que atribuíam a esse oficial o disparo fatal contra
Luxemburgo. Mas, após a morte de Souchon, Ertel pôde finalmente ver
emitida a segunda parte da sua reportagem, sempre com a obrigação de lhe
acrescentar a ressalva de se tratar de uma "interpretação histórica":
Entretanto, numa entrevista publicada em Der Spiegel
em 1962, Pabst envolveu-se em diversas contradições, afirmando por um
lado que apenas dera ordens para Rosa e Karl serem conduzidos à prisão
de Moabit, vangloriando-se por outro lado de ter mandado executá-los, e
recusando finalmente responder à pergunta directa: "Não foi você mesmo
quem mandou matá-los a ambos?"
A uma outra pergunta, sobre o motivo de não ter entregado Luxemburgo,
Liebknecht e um outro prisioneiro, Wilhelm Pieck, ao juiz de um tribunal
marcial, que teoricamente seria o único competente para ordenar
execuções ao abrigo do estado de sítio, Pabst respondeu que "não era
fácil encontrar o juiz de um tribunal marcial numa noite de revolução,
no que mesmo assim ainda era uma cidade muito revolucionária".
E logo acrescentou: "Além disso: para que é que o homem ia servir-me?"
Epílogo
Leo Jogiches, que fora durante muitos anos o companheiro de Rosa
Luxemburgo, ficou como principal dirigente sobrevivo do KPD e
empenhou-se fortemente em investigar o crime. Conseguiu obter um
documento fotográfico sensacional (em baixo), onde são reconhecíveis vários assassinos de Rosa e Karl, no Hotel Eden, na noite do crime, a festejarem a façanha.
A polícia, alarmada pelas revelações comprometedoras de Jogiches, deu a
máxima prioridade à sua captura. Quando conseguiu capturá-lo, internou-o
na prisão de Moabit e depois matou-o também, em mais uma alegada
"tentativa de fuga".
Algum tempo depois, a vaga de indignação contra os assassínios de Rosa
Luxemburg e Karl Liebknecht obrigou as Forças Armadas a encenarem um
simulacro de julgamento. A maior parte dos réus foi absolvida, com as
excepções do tenente Vogel e do soldado Runge - o primeiro condenado a
quatro meses, o segundo a dois anos de prisão.
O soldado Runge (na foto, o segundo a contar da direita) era um
mentecapto que se prestava ao papel de bode expiatório e foi sacrificado
pela hierarquia e pelos co-réus, como se verificava ainda, 33 anos
depois, na citada entrevista de Pabst. Em consequência, foi Runge o
único que de algum modo cumpriu parte da pena. Ao tenente Vogel, Noske
rapidamente mandou facilitar a fuga da cadeia e o exílio na Holanda.
Quando Vogel se fartou de viver no exílio, foi amnistiado para poder
regressar.
O principal responsável operacional do crime, capitão Pabst, foi chamado
ao julgamento apenas como testemunha. Só no ano seguinte, 1920, ao
envolver-se activamente no fracassado putsch de Kapp-Lüttwitz, teve de pagar esse envolvimento exilando-se na Áustria. Com a experiência que acumulara no Freikorps, rapidamente se tornou um quadro fundamental da milícia austrofascista, a Heimwehr.
Mais identificado com os fascismos italiano e austríaco, Pabst nunca
chegou a ser um nazi no pleno sentido da palavra, mas prestou aos nazis
alguns serviços importantes, como o de organizar o exílio de Hermann
Göring na Áustria, após o fracasso do "putsch da cervejaria" em 1923.
Com relações desenvolvidas na Heimwehr austríaca, Pabst fez
depois a sua vida no tráfico de armas. No imediato pré-guerra e na
Segunda Guerra Mundial, esteve à frente de uma fábrica de armas em
Solothurn, na Suíça, que mantinha fortes ligações com Portugal e tinha
como sócio Hans Eltze, um engenheiro nazi que chegou a ser amigo pessoal
de Salazar.
No pós-guerra, Pabst pôde regressar à Alemanha Federal e beneficiar do
clima de Guerra Fria. Em Bona, o discurso oficial deixou de referir-se
ao assassínio de Luxemburgo e Liebknecht e passou a designá-lo como
"execução ao abrigo da lei marcial" - ignorando, como vimos atrás, a
circunstância de nenhum juiz ter sentenciado uma pena de morte, mesmo
num sempre questionável tribunal de excepção. Fiel ao seu passado
fascista, Pabst participou até à morte no mais importante partido da
extrema-direita na Alemanha desse tempo, o NPD.
Uma figura fundamental para proteger os membros do comando que
assassinara Rosa e Karl foi o capitão-tenente Wilhelm Canaris, que na
qualidade de juiz do tribunal militar tudo fez para encobrir os
envolvidos. Canaris chegaria mais tarde ao posto de almirante e viria a
ser o chefe do serviço secreto militar de Hitler, a Abwehr. Mas em 1944, com fundamento ou sem ele, foi conotado com o complot de 20 de Julho e, em consequência, enforcado por ordem do mesmo Hitler.
O procurador militar Paul Jorns protegeu tenazmente os réus contra
qualquer interrogatório mais cerrado. Foi decisivo para obter as
absolvições de quase todos e a benevolência das duas sentenças
condenatórias. Veio a ser posteriormente o procurador principal no
"Tribunal do Povo" da Alemanha nazi.
O antigo adversário de Luxemburgo, Eduard Bernstein, que entretanto
rompera com os "socialistas maioritários", mandantes do assassínio,
afirmou a propósito do assassínio: "Com ela, o socialismo perdeu uma
lutadora imensamente talentosa, que poderia ter prestado à República
serviços inestimáveis se uma falsa avaliação das possibilidades não a
tivesse colocado no campo dos que se iludiam com uma política de
violência".
Também Lenine se referiu a Rosa Luxemburgo em termos invulgarmente
elogiosos para a sua pena. Em 1921, quando o dissidente comunista Paul
Levi invocou a autoridade de Rosa contra o poder dos sovietes, Lenine
replicou-lhe com palavras que ficaram na História.
Segundo o líder bolchevique, a Paul Levi "responderemos com a citação de
duas linhas de uma fábula russa, 'as águias podem por vezes voar mais
baixo do que as galinhas, mas as galinhas nunca se elevarão à altura das
águias'. Rosa Luxemburgo (...), apesar dos seus erros, foi e para nós
continua a ser uma águia (...) E, claro, no pátio traseiro do movimento
operário, no meio do esterco, galinhas como Paul Levi, Scheidemann,
Kautsky e toda a sua confraria hão-de cacarejar sobre os erros cometidos
pela grande comunista".
in RTP Notícias 14/01/2019
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