sondagem
Portugueses permeáveis ao populismo
O povo está contra a elite (corrupta ou incompetente). Inquérito mostra como a base do populismo colhe por cá
David Dinis
Meses,
anos a falar de populismo. E a acusar os políticos de o serem. A
sondagem ICS/ISCTE, feita para o Expresso e para a SIC, seguiu um modelo
de questionário já feito em vários países europeus para medir isso
mesmo: o grau de permeabilidade dos portugueses a ideias ditas
populistas.
Atenção à definição. Para os
especialistas, populista é “alguém que considera que a sociedade está,
basicamente, dividida em dois campos homogéneos e antagónicos”: o povo
(visto como puro) e a elite (vista como corrupta ou incapaz). E que
defende a política como a expressão da vontade do povo.
Agora,
o murro no estômago: feitas as seis perguntas modelo a uma amostra de
802 cidadãos, a conclusão final é que os portugueses “revelam um grau
bastante elevado de atitudes populistas, apresentando uma média de 4
numa escala de 5 pontos”, explica o relatório da sondagem. Ao contrário
do que se vê noutros países da UE (quando confrontados com as mesmas
questões), não há diferenças assinaláveis de respostas consoante o grau
de instrução, simpatia partidária ou permeabilidade à crise.
Comparando
as respostas (ver quadros), Portugal está “sempre entre os cinco
países com proporções mais elevadas” de permeabilidade a estas ideias.
Sendo que “os padrões identificados em Portugal assemelham-se mais aos
observados noutros países da Europa do Sul (especialmente Itália e
Grécia) e na Polónia e menos aos dos países da Europa Ocidental e do
Norte aqui analisados (especialmente Suécia)”, como se pode ler no
relatório.
Olhemos para as afirmações e para as respostas.
“Os deputados deviam seguir a vontade do povo”
Na escala de 5 pontos em que 1 significa “discordo totalmente” e 5
“concordo totalmente”, a média das respostas dos inquiridos expressa uma
clara anuência: 4,2. Dito de outra forma, 84% dos portugueses concordam
com a ideia de que os deputados deviam seguir a vontade do povo. Só os
mais jovens se mostram ligeiramente mais céticos.
“As decisões políticas mais importantes deviam ser tomadas pelo povo e não pelos políticos”
Aqui são menos — mas uma larga maioria de 64% — os inquiridos que
concordam. Mas só 14% respondem negativamente, sobretudo os mais jovens,
os de formação superior e os que manifestam interesse pela política.
“As diferenças políticas entre a elite e o povo são maiores do que as diferenças políticas que existem no povo”
A afirmação merece a concordância de 73% dos inquiridos e só 4%
rejeitam a ideia. A média das respostas a esta afirmação é de 4,1.
“É melhor ser representado por um cidadão do que por um político profissional”
Correto, afirmam 60% dos inquiridos. E só 15% dizem apoiar um modelo de
representação povoado por políticos profissionais. Mesmo assim, as
respostas a esta afirmação, que mede mais diretamente a aceitação de uma
democracia representativa, dão uma das médias mais baixas do inquérito:
3,8. Os menos críticos estão entre os que manifestam simpatias
partidárias, com maior concordância dos simpatizantes do PCP (3,8) do
que dos simpatizantes do PS (3,5) e do BE (3,4).
“Os políticos falam de mais e fazem de menos”
Sem surpresa, 82% concordam com a ideia — e 54% totalmente. “Este é o
item da escala de atitudes populistas com uma média mais elevada (4,5)”,
pode ler-se no relatório da sondagem. A afirmação colhe mais à direita
(média de 4,6) e menos à esquerda (média de 4,4).
“Em política, aquilo a que se chama ‘chegar a um compromisso’ significa na verdade abdicar dos próprios princípios”
É a afirmação que recebe uma média de concordância mais baixa (3,7).
Mas é, mesmo assim, clara: 58% concordam, contra 15% que discordam. Uma
vez mais, os simpatizantes do BE e do PS tendem a concordar menos com
esta visão negativa dos compromissos políticos. A ‘geringonça’ não será
alheia a isso.
Opinião
Populismo em Portugal: gigante adormecido
Por Pedro Magalhães
Procuremos,
mesmo que seja apenas por alguns minutos, não sucumbir à tentação de
usar a palavra “populista” pejorativamente. Tomemos também em conta o
facto de que, enquanto o uso do termo se expandiu com significados cada
vez mais indeterminados no comentário político, existe, pelo contrário,
uma tendência na academia para crescentes convergência e rigor na
definição do termo. Quem estiver interessado em medir, junto da opinião
pública, a prevalência de atitudes “populistas”, como o poderá fazer?
Em
2014, Cas Mudde, um dos mais conhecidos especialistas do tema, propôs e
testou, num trabalho realizado com Agnes Akkerman e Andrej Zaslove, um
conjunto de questões a colocar em inquéritos de opinião com o objetivo
de medir atitudes populistas entre a população. Primeiro, é preciso
começar por definir “populismo”. Para Mudde, trata-se de uma “ideologia
que considera que a sociedade está, em última análise, dividida entre
dois grupos homogéneos e em antagonismo, o povo ‘puro’ e a elite
‘corrupta’, e onde a política deveria ser a expressão da ‘vontade geral’
do povo”. Dito de outra forma, o populista tende a imaginar um povo
homogéneo e virtuoso, envolvido num conflito moral com uma elite também
homogénea, mas na sua perversidade. Isto tem duas implicações. Por um
lado, o populista olha com ceticismo para o pluralismo de interesses e
preferências entre a população e para tudo o que, nas democracias
representativas, foi engendrado para o gerir – instituições e regras que
impõem limites à hegemonia de uma única ideia e obrigam a cedências e
compromissos. Por outro, encara a “classe política” com hostilidade,
recusando a divisão de tarefas entre representados (o povo) e os
representantes (os políticos) e desconfiando da ideia de que os segundos
agem primariamente segundo a vontade dos primeiros.
Para
que seja consequente, o populismo depende não apenas de uma procura
social, que em Portugal claramente existe, mas também de uma oferta
política e de oportunidades
Deste ponto de vista,
quem partilha atitudes “populistas” em Portugal? Muita, muita gente,
segundo os resultados da Sondagem ICS/ISCTE. Questionados sobre se
concordam com a frase “As diferenças políticas entre a elite e o povo
são maiores que as diferenças políticas que existem no povo”, 73%
concordam ou concordam totalmente, enquanto 58% fazem o mesmo em relação
à ideia de que “em política, aquilo a que se chama ‘chegar a um
compromisso’ significa na verdade abdicar dos próprios princípios”. Em
suma, para maiorias expressivas dos portugueses, a principal divisão na
sociedade é entre “elites” e “povo” e o compromisso político é uma falha
moral. Já no que toca às atitudes em relação à própria classe política,
as maiorias também são claras: as decisões mais importantes deveriam
ser tomadas pelo povo e não pelos políticos (63% concordam), aos
deputados cabe seguir a vontade desse povo (84% concordam), os
portugueses preferiam ser representados por um cidadão comum em vez de
um político profissional (60% concordam) e, claro, “os políticos falam
de mais e fazem de menos” (86% concordam). Conjugadas as respostas a
todas estas perguntas numa única escala, cerca de metade dos inquiridos
concordam com todas as seis afirmações. No extremo oposto, em 802
inquiridos, apenas 2 (dois) discordam de todas elas.
Mas
o mais interessante sobre o caso português não é bem isso. Em vários
países do mundo esta bateria de perguntas tem sido aplicada com
resultados não muito diferentes dos encontrados entre países como, por
exemplo, Grécia, Itália, ou Polónia. A diferença aparece quando se
procura determinar o perfil sociológico e político dos eleitores
“populistas”. Quem são, e como votam? Sociologicamente, em estudos
realizados em países como a Bélgica ou a Grécia, as atitudes populistas
parecem ser particularmente intensas entre indivíduos com menor
instrução e baixo rendimento — aparentemente apoiando teorias que
colocam os reais ou potenciais “perdedores da globalização” como
principais portadores desse ideário. Outros estudos mostram ainda que é
entre os mais inquietos com a situação económica que as atitudes
populistas prevalecem. Em países como Holanda, Itália, Espanha, França
ou Grécia, a concordância em inquéritos com as questões apresentadas
acima está também correlacionada com a propensão para apoiar
determinados partidos, de esquerda ou de direita, dependendo dos casos. E
em Portugal? Quando procuramos determinar que tipo de perfis políticos e
sociológicos estão associados à partilha destas ideias, os resultados
são completamente frustrantes. Homens vs. mulheres, urbano vs. rural,
grupos de simpatia partidária, níveis de instrução, situações e
atividades profissionais, perceções sobre o estado da economia,
posicionamentos ideológicos ou em relação à integração europeia: as
diferenças com relevância estatística são poucas, e todas elas de
magnitude muito reduzida. Somos todos igualmente “populistas”.
Se
pensarmos bem, é possível que não haja grande mistério nisto. Para que
seja consequente, o populismo depende não apenas de uma procura social,
que em Portugal claramente existe, mas também de uma oferta política e
de oportunidades. Por outras palavras, precisa de ser “ativado”
politicamente. Em todos os outros países que mencionei anteriormente,
líderes e partidos adotaram um discurso populista em torno de temas
concretos e salientes para determinados segmentos do eleitorado em
determinados momentos. Sem isso, o populismo permanece social e
politicamente difuso. Ao mesmo tempo, o sucesso dessa ativação aumenta
quando uma sociedade está a passar por situações de crise reais
(economia, escândalos políticos) ou imaginadas (“ondas de crime”,
“invasões de refugiados”). O momento português atual também nisto não
parece particularmente favorável. Usando uma imagem batida nestes
assuntos, mas particularmente propícia, o populismo em Portugal é um
gigante, mas um gigante adormecido. Por enquanto.
ICS-ULisboa
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