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sábado, 1 de junho de 2019

sondagem

Portugueses permeáveis ao populismo

O povo está contra a elite (corrupta ou incompetente). Inquérito mostra como a base do populismo colhe por cá

David Dinis

Meses, anos a falar de populismo. E a acusar os políticos de o serem. A sondagem ICS/ISCTE, feita para o Expresso e para a SIC, seguiu um modelo de questionário já feito em vários países europeus para medir isso mesmo: o grau de permeabilidade dos portugueses a ideias ditas populistas.
Atenção à definição. Para os especialistas, populista é “alguém que considera que a sociedade está, basicamente, dividida em dois campos homogéneos e antagónicos”: o povo (visto como puro) e a elite (vista como corrupta ou incapaz). E que defende a política como a expressão da vontade do povo.
Agora, o murro no estômago: feitas as seis perguntas modelo a uma amostra de 802 cidadãos, a conclusão final é que os portugueses “revelam um grau bastante elevado de atitudes populistas, apresentando uma média de 4 numa escala de 5 pontos”, explica o relatório da sondagem. Ao contrário do que se vê noutros países da UE (quando confrontados com as mesmas questões), não há diferenças assinaláveis de respostas consoante o grau de instrução, simpatia partidária ou permeabilidade à crise.
Comparando as respostas (ver quadros), Portugal está “sempre entre os cinco paí­ses com proporções mais elevadas” de permeabilidade a estas ideias. Sendo que “os padrões identificados em Portugal assemelham-se mais aos observados noutros países da Europa do Sul (especialmente Itália e Grécia) e na Polónia e menos aos dos países da Europa Ocidental e do Norte aqui analisados (especialmente Suécia)”, como se pode ler no relatório.
Olhemos para as afirmações e para as respostas.
“Os deputados deviam seguir a vontade do povo” Na escala de 5 pontos em que 1 significa “discordo totalmente” e 5 “concordo totalmente”, a média das respostas dos inquiridos expressa uma clara anuência: 4,2. Dito de outra forma, 84% dos portugueses concordam com a ideia de que os deputados deviam seguir a vontade do povo. Só os mais jovens se mostram ligeiramente mais céticos.
“As decisões políticas mais importantes deviam ser tomadas pelo povo e não pelos políticos” Aqui são menos — mas uma larga maioria de 64% — os inquiridos que concordam. Mas só 14% respondem negativamente, sobretudo os mais jovens, os de formação superior e os que manifestam interesse pela política.
“As diferenças políticas entre a elite e o povo são maiores do que as diferenças políticas que existem no povo” A afirmação merece a concordância de 73% dos inquiridos e só 4% rejeitam a ideia. A média das respostas a esta afirmação é de 4,1.
“É melhor ser representado por um cidadão do que por um político profissional” Correto, afirmam 60% dos inquiridos. E só 15% dizem apoiar um modelo de representação povoado por políticos profissionais. Mesmo assim, as respostas a esta afirmação, que mede mais diretamente a aceitação de uma democracia representativa, dão uma das médias mais baixas do inquérito: 3,8. Os menos críticos estão entre os que manifestam simpatias partidárias, com maior concordância dos simpatizantes do PCP (3,8) do que dos simpatizantes do PS (3,5) e do BE (3,4).
“Os políticos falam de mais e fazem de menos” Sem surpresa, 82% concordam com a ideia — e 54% totalmente. “Este é o item da escala de atitudes populistas com uma média mais elevada (4,5)”, pode ler-se no relatório da sondagem. A afirmação colhe mais à direita (média de 4,6) e menos à esquerda (média de 4,4).
“Em política, aquilo a que se chama ‘chegar a um compromisso’ significa na verdade abdicar dos próprios princípios” É a afirmação que recebe uma média de concordância mais baixa (3,7). Mas é, mesmo assim, clara: 58% concordam, contra 15% que discordam. Uma vez mais, os simpatizantes do BE e do PS tendem a concordar menos com esta visão negativa dos compromissos políticos. A ‘geringonça’ não será alheia a isso.
Opinião

Populismo em Portugal: gigante adormecido
Por Pedro Magalhães
Procuremos, mesmo que seja apenas por alguns minutos, não sucumbir à tentação de usar a palavra “populista” pejorativamente. Tomemos também em conta o facto de que, enquanto o uso do termo se expandiu com significados cada vez mais indeterminados no comentário político, existe, pelo contrário, uma tendência na academia para crescentes convergência e rigor na definição do termo. Quem estiver interessado em medir, junto da opinião pública, a prevalência de atitudes “populistas”, como o poderá fazer?
Em 2014, Cas Mudde, um dos mais conhecidos especialistas do tema, propôs e testou, num trabalho realizado com Agnes Akkerman e Andrej Zaslove, um conjunto de questões a colocar em inquéritos de opinião com o objetivo de medir atitudes populistas entre a população. Primeiro, é preciso começar por definir “populismo”. Para Mudde, trata-se de uma “ideologia que considera que a sociedade está, em última análise, dividida entre dois grupos homogéneos e em antagonismo, o povo ‘puro’ e a elite ‘corrupta’, e onde a política deveria ser a expressão da ‘vontade geral’ do povo”. Dito de outra forma, o populista tende a imaginar um povo homogéneo e virtuoso, envolvido num conflito moral com uma elite também homogénea, mas na sua perversidade. Isto tem duas implicações. Por um lado, o populista olha com ceticismo para o pluralismo de interesses e preferências entre a população e para tudo o que, nas democracias representativas, foi engendrado para o gerir – instituições e regras que impõem limites à hegemonia de uma única ideia e obrigam a cedências e compromissos. Por outro, encara a “classe política” com hostilidade, recusando a divisão de tarefas entre representados (o povo) e os representantes (os políticos) e desconfiando da ideia de que os segundos agem primariamente segundo a vontade dos primeiros.
Para que seja consequente, o populismo depende não apenas de uma procura social, que em Portugal claramente existe, mas também de uma oferta política e de oportunidades
Deste ponto de vista, quem partilha atitudes “populistas” em Portugal? Muita, muita gente, segundo os resultados da Sondagem ICS/ISCTE. Questionados sobre se concordam com a frase “As diferenças políticas entre a elite e o povo são maiores que as diferenças políticas que existem no povo”, 73% concordam ou concordam totalmente, enquanto 58% fazem o mesmo em relação à ideia de que “em política, aquilo a que se chama ‘chegar a um compromisso’ significa na verdade abdicar dos próprios princípios”. Em suma, para maiorias expressivas dos portugueses, a principal divisão na sociedade é entre “elites” e “povo” e o compromisso político é uma falha moral. Já no que toca às atitudes em relação à própria classe política, as maiorias também são claras: as decisões mais importantes deveriam ser tomadas pelo povo e não pelos políticos (63% concordam), aos deputados cabe seguir a vontade desse povo (84% concordam), os portugueses preferiam ser representados por um cidadão comum em vez de um político profissional (60% concordam) e, claro, “os políticos falam de mais e fazem de menos” (86% concordam). Conjugadas as respostas a todas estas perguntas numa única escala, cerca de metade dos inquiridos concordam com todas as seis afirmações. No extremo oposto, em 802 inquiridos, apenas 2 (dois) discordam de todas elas.
Mas o mais interessante sobre o caso português não é bem isso. Em vários países do mundo esta bateria de perguntas tem sido aplicada com resultados não muito diferentes dos encontrados entre países como, por exemplo, Grécia, Itália, ou Polónia. A diferença aparece quando se procura determinar o perfil sociológico e político dos eleitores “populistas”. Quem são, e como votam? Sociologicamente, em estudos realizados em países como a Bélgica ou a Grécia, as atitudes populistas parecem ser particularmente intensas entre indivíduos com menor instrução e baixo rendimento — aparentemente apoiando teorias que colocam os reais ou potenciais “perdedores da globalização” como principais portadores desse ideário. Outros estudos mostram ainda que é entre os mais inquietos com a situação económica que as atitudes populistas prevalecem. Em países como Holanda, Itália, Espanha, França ou Grécia, a concordância em inquéritos com as questões apresentadas acima está também correlacionada com a propensão para apoiar determinados partidos, de esquerda ou de direita, dependendo dos casos. E em Portugal? Quando procuramos determinar que tipo de perfis políticos e sociológicos estão associados à partilha destas ideias, os resultados são completamente frustrantes. Homens vs. mulheres, urbano vs. rural, grupos de simpatia partidária, níveis de instrução, situações e atividades profissionais, perceções sobre o estado da economia, posicionamentos ideológicos ou em relação à integração europeia: as diferenças com relevância estatística são poucas, e todas elas de magnitude muito reduzida. Somos todos igualmente “populistas”.
Se pensarmos bem, é possível que não haja grande mistério nisto. Para que seja consequente, o populismo depende não apenas de uma procura social, que em Portugal claramente existe, mas também de uma oferta política e de oportunidades. Por outras palavras, precisa de ser “ativado” politicamente. Em todos os outros países que mencionei anteriormente, líderes e partidos adotaram um discurso populista em torno de temas concretos e salientes para determinados segmentos do eleitorado em determinados momentos. Sem isso, o populismo permanece social e politicamente difuso. Ao mesmo tempo, o sucesso dessa ativação aumenta quando uma sociedade está a passar por situações de crise reais (economia, escândalos políticos) ou imaginadas (“ondas de crime”, “invasões de refugiados”). O momento português atual também nisto não parece particularmente favorável. Usando uma imagem batida nestes assuntos, mas particularmente propícia, o populismo em Portugal é um gigante, mas um gigante adormecido. Por enquanto.
ICS-ULisboa

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