Na
semana que precede o 30º aniversário da Wende, a mudança, este sábado,
publicamos uma série de artigos com testemunhos sobre as diferenças, as
semelhanças e os gestos que faltam para unir duas partes de um povo que
viveu décadas dividido pelo Muro, que isolava Berlim ocidental no
coração da Alemanha socialista. O primeiro é uma entrevista à académica
Ingrid Miethe
Texto Cristina Peres
Ingrid
Miethe cresceu na República Democrática Alemã (RDA) e foi vigiada a
partir de 1983 pela polícia política, a Stasi. A razão da vigilância
devia-se ao facto de ser membro ativo do movimento pela paz e ter
contactos com o grupo proibido de jovens críticos Malzhaus. Em Berlim,
foi ativista no movimento pela paz e fundou o grupo Educação no
movimento de direitos civis Neues Forum. Já na Alemanha reunificada
doutorou-se com a tese “As mulheres na oposição da RDA” e, de seguida,
realizou uma investigação sobre o tema “Mulheres pela Paz”. Hoje é
Professora de Ciências da Educação na Universidade de Giessen, a norte
de Frankfurt.
Como os alemães de leste não
podiam viajar para países ocidentais era impossível comparar a vida que
se vivia na República Democrática Alemã? O que mais receava no dia a
dia?
Em quase todas as regiões da RDA podia
ouvir-se e ver-se rádio e televisão ocidental e estes emissores (e não
os media da RDA) eram consumidos pela maioria dos ouvintes e
telespectadores da RDA. Os cidadãos da Alemanha de leste estavam muito
bem informados sobre o que se passava no Ocidente. O que metia medo no
dia a dia era a Stasi porque nunca se sabia quem trabalhava para eles e o
que poderia ser transmitido das conversas que se tinham. Do ponto de
vista da oposição política era um grande perigo e também o facto de, no
caso de uma pessoa ser detida, não estarem assegurados os seus direitos.
Foi por isso que aderi à igreja. Em caso de detenção eu teria direito a
uma conversa com o padre e essa poderia muito bem ser a única
possibilidade de contacto com o exterior.
Que tipo de experiência teve enquanto criança e jovem na RDA? O que era permitido e o que era proibido?
Não
era possível viajar para países que não pertencessem ao bloco
socialista e isso foi um grande défice para mim enquanto jovem. Também
não era permitido discutir e criticar abertamente - só podíamos fazê-lo
no espaço das igrejas. Era possível fazer uma boa formação na escola,
por exemplo, nas disciplinas de matemática e das ciências exatas -
muitas vezes com mais alto nível do que no Ocidente. A desvantagem é que
todas as outras disciplinas eram dadas com orientação ideológica. O
ensino das línguas era miserável a acrescentar ao facto de não podermos
falar línguas estrangeiras noutros países e, assim, também aprender.
Inglês não podíamos falar em nenhum país. Russo só teoricamente na União
Soviética. Mas viajar para lá sem ser no contexto controlado de uma
viagem oficial de grupo também não era possível.
Como
viveu a queda do Muro? Alguma vez conseguiu imaginar que tal fosse
possível acontecer? Era sensível alguma fragilidade do Governo nos
últimos anos da RDA?
Na altura, eu vivia em Berlim
leste. Fui na manhã seguinte em direção ao Muro onde já havia longas
filas de pessoas nas barreiras da fronteira e toda a gente bebia
espumante, festejava e as bancas de jornais tinham pela primeira vez
exemplares do jornal “Bild” onde se lia na manchete: “Loucura - o Muro
caiu”. No início ainda precisávamos de um visto e por isso voltei atrás
para ir à polícia buscar um. Depois voltei para o Muro e, ao chegar lá,
ouvi dizer que já não era preciso. Fui depois para Berlim ocidental e
assim que saí da RDA fui visitar amigos. Já se sentiam fraquezas desde a
proibição-Sputnik (a proibição de venda de uma revista soviética na
RDA), mas uma queda total do regime não era possível imaginar.
Desejávamos todos uma RDA reformada à imagem da Perestroika e da
Glasnost na União Soviética. Por outro lado, receávamos em simultâneo a
“solução chinesa”, ou seja, que acontecesse uma repressão violenta da
oposição. Havia o grupo dos que defendiam que a RDA não acompanhava a
política soviética de Perestroika e Glasnost. Em 1968 tinha havido
repressão violenta na União Soviética e daí manteve-se até à
manifestação de segunda-feira de 9 de outubro de 1989 o grande medo de
que houvesse mortes e os panzers militares avançassem. Só depois de
aquela manifestação ter sido pacífica é que o medo passou.
Descreva o seu primeiro sentimento quando o Muro caiu.
Loucura! A queda do Muro foi o dia mais bonito da minha vida!
Na sua opinião ainda existe um Muro mental? Se sim, em que termos?
Sim
e não. A geração mais nova e mesmo os mais velhos percorreram um longo
caminho. No entanto, tal como antes, existe uma diferença económica
gritante do lado de leste e, acima de tudo, um discurso aberto de
estigmatização dos alemães de leste. Isto produz muita defesa e muita
raiva e fortalece naturalmente a tensão entre leste e ocidente. Depois,
tal como antes, quase todas as posições de elite na Alemanha (a única
exceção é o Governo Federal) são ocupadas por alemães ocidentais. Neste
caso há não só um Muro mental como também um telhado de vidro no qual os
alemães de leste embatem.
O título da revista
“Der Spiegel” especial de outubro-novembro é: “30 anos da queda do Muro:
Porque nos é tão difícil tornarmo-nos um povo”. Que significado tem
para si?
Falta o ocidente agir finalmente com
respeito e apreço em relação aos alemães de leste. Seria mais fácil se
os alemães de leste também pudessem aceder aos lugares de elite do país e
a partir daí pudessem introduzir no debate outros temas e opiniões.
Enquanto se considerar que a profunda desigualdade entre o leste o
ocidente (salários, ativos, acesso aos cargos de topo) decorre da
“preguiça” dos alemães de leste e não do resultado de uma discriminação
estrutural vai ser difícil crescermos juntos.
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