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terça-feira, 5 de novembro de 2019


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Muro de Berlim | 30 anos
Ingrid Miethe, académica e ativista
“Existe uma discriminação estrutural dos alemães de leste pelos alemães ocidentais”
Ingrid Miethe, professora de Ciências da Educação na Universidade de Giessen, a norte de Frankfurt <span class="creditofoto">Foto d.r.</span>
Ingrid Miethe, professora de Ciências da Educação na Universidade de Giessen, a norte de Frankfurt Foto d.r.
Na semana que precede o 30º aniversário da Wende, a mudança, este sábado, publicamos uma série de artigos com testemunhos sobre as diferenças, as semelhanças e os gestos que faltam para unir duas partes de um povo que viveu décadas dividido pelo Muro, que isolava Berlim ocidental no coração da Alemanha socialista. O primeiro é uma entrevista à académica Ingrid Miethe
Texto Cristina Peres
Ingrid Miethe cresceu na República Democrática Alemã (RDA) e foi vigiada a partir de 1983 pela polícia política, a Stasi. A razão da vigilância devia-se ao facto de ser membro ativo do movimento pela paz e ter contactos com o grupo proibido de jovens críticos Malzhaus. Em Berlim, foi ativista no movimento pela paz e fundou o grupo Educação no movimento de direitos civis Neues Forum. Já na Alemanha reunificada doutorou-se com a tese “As mulheres na oposição da RDA” e, de seguida, realizou uma investigação sobre o tema “Mulheres pela Paz”. Hoje é Professora de Ciências da Educação na Universidade de Giessen, a norte de Frankfurt.
Como os alemães de leste não podiam viajar para países ocidentais era impossível comparar a vida que se vivia na República Democrática Alemã? O que mais receava no dia a dia?
Em quase todas as regiões da RDA podia ouvir-se e ver-se rádio e televisão ocidental e estes emissores (e não os media da RDA) eram consumidos pela maioria dos ouvintes e telespectadores da RDA. Os cidadãos da Alemanha de leste estavam muito bem informados sobre o que se passava no Ocidente. O que metia medo no dia a dia era a Stasi porque nunca se sabia quem trabalhava para eles e o que poderia ser transmitido das conversas que se tinham. Do ponto de vista da oposição política era um grande perigo e também o facto de, no caso de uma pessoa ser detida, não estarem assegurados os seus direitos. Foi por isso que aderi à igreja. Em caso de detenção eu teria direito a uma conversa com o padre e essa poderia muito bem ser a única possibilidade de contacto com o exterior.
Que tipo de experiência teve enquanto criança e jovem na RDA? O que era permitido e o que era proibido?
Não era possível viajar para países que não pertencessem ao bloco socialista e isso foi um grande défice para mim enquanto jovem. Também não era permitido discutir e criticar abertamente - só podíamos fazê-lo no espaço das igrejas. Era possível fazer uma boa formação na escola, por exemplo, nas disciplinas de matemática e das ciências exatas - muitas vezes com mais alto nível do que no Ocidente. A desvantagem é que todas as outras disciplinas eram dadas com orientação ideológica. O ensino das línguas era miserável a acrescentar ao facto de não podermos falar línguas estrangeiras noutros países e, assim, também aprender. Inglês não podíamos falar em nenhum país. Russo só teoricamente na União Soviética. Mas viajar para lá sem ser no contexto controlado de uma viagem oficial de grupo também não era possível.
Como viveu a queda do Muro? Alguma vez conseguiu imaginar que tal fosse possível acontecer? Era sensível alguma fragilidade do Governo nos últimos anos da RDA?
Na altura, eu vivia em Berlim leste. Fui na manhã seguinte em direção ao Muro onde já havia longas filas de pessoas nas barreiras da fronteira e toda a gente bebia espumante, festejava e as bancas de jornais tinham pela primeira vez exemplares do jornal “Bild” onde se lia na manchete: “Loucura - o Muro caiu”. No início ainda precisávamos de um visto e por isso voltei atrás para ir à polícia buscar um. Depois voltei para o Muro e, ao chegar lá, ouvi dizer que já não era preciso. Fui depois para Berlim ocidental e assim que saí da RDA fui visitar amigos. Já se sentiam fraquezas desde a proibição-Sputnik (a proibição de venda de uma revista soviética na RDA), mas uma queda total do regime não era possível imaginar. Desejávamos todos uma RDA reformada à imagem da Perestroika e da Glasnost na União Soviética. Por outro lado, receávamos em simultâneo a “solução chinesa”, ou seja, que acontecesse uma repressão violenta da oposição. Havia o grupo dos que defendiam que a RDA não acompanhava a política soviética de Perestroika e Glasnost. Em 1968 tinha havido repressão violenta na União Soviética e daí manteve-se até à manifestação de segunda-feira de 9 de outubro de 1989 o grande medo de que houvesse mortes e os panzers militares avançassem. Só depois de aquela manifestação ter sido pacífica é que o medo passou.
Descreva o seu primeiro sentimento quando o Muro caiu.
Loucura! A queda do Muro foi o dia mais bonito da minha vida!
Na sua opinião ainda existe um Muro mental? Se sim, em que termos?
Sim e não. A geração mais nova e mesmo os mais velhos percorreram um longo caminho. No entanto, tal como antes, existe uma diferença económica gritante do lado de leste e, acima de tudo, um discurso aberto de estigmatização dos alemães de leste. Isto produz muita defesa e muita raiva e fortalece naturalmente a tensão entre leste e ocidente. Depois, tal como antes, quase todas as posições de elite na Alemanha (a única exceção é o Governo Federal) são ocupadas por alemães ocidentais. Neste caso há não só um Muro mental como também um telhado de vidro no qual os alemães de leste embatem.
O título da revista “Der Spiegel” especial de outubro-novembro é: “30 anos da queda do Muro: Porque nos é tão difícil tornarmo-nos um povo”. Que significado tem para si?
Falta o ocidente agir finalmente com respeito e apreço em relação aos alemães de leste. Seria mais fácil se os alemães de leste também pudessem aceder aos lugares de elite do país e a partir daí pudessem introduzir no debate outros temas e opiniões. Enquanto se considerar que a profunda desigualdade entre o leste o ocidente (salários, ativos, acesso aos cargos de topo) decorre da “preguiça” dos alemães de leste e não do resultado de uma discriminação estrutural vai ser difícil crescermos juntos.

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