A propósito d’A hipótese comunista
Por Daniel Bensaïd, via Politis, traduzido por Leonardo Silvério e Pedro Barbosa
Em 25 de junho de 2009, Daniel Bensaïd comenta a Hipótese Comunista do filósofo Alain Badiou.
O trabalho
de Alain Badiou força o respeito por sua audácia de ir contra a
corrente de pensamentos frágeis e despedaçados, por sua capacidade de
nomear claramente o inimigo, por sua fidelidade a uma ideia. Em A hipótese comunista,
ele medita sobre a noção de fracasso [1]: “Que quer dizer exatamente
fracassar”? A justificativa de “a hipótese comunista” estaria
pavimentada com eventos e derrotas vitoriosas (a Comuna, a Revolução
cultural, Maio de 68) que são tanto “das etapas de sua história” ou “do
devir geral da Humanidade”. Mas onde, para qual destinação, conduzem
essas etapas se não houver nem um fim da história nem um julgamento
final?
Badiou
enfatiza “a relação entre a possibilidade de superar subjetivamente a
derrota e a vitalidade, internacional e supratemporal, da hipótese
comunista”. De fracasso em fracasso, de derrota em derrota, até a
vitória final? Esta temível dialética relativiza as consequências,
sempre reparáveis (não se supera facilmente uma hipótese), das rebarbas,
dos desvios e outros “inumeráveis pacotes” reduzidos a tantas
peripécias solúveis no grande rio tumultuado dos “processos de verdade”.
Badiou argumenta que há “um significado positivo das derrotas, a longo
prazo”. Longo, de fato, e como tarda! Assunto de paciência e de
fidelidade, então? Da obstinação para “continuar”, apesar de tudo.
Sem dúvida
existe uma dialética do fracasso e da derrota. O que é vencer em uma
história profana, onde a última palavra jamais é dita? Onde “o apelo
está sempre aberto”, como afirmou Blanqui no dia seguinte da Comuna? Os
demolidores da ordem estabelecida raramente são os construtores de um
mundo novo. Aqueles que não têm medo de lutar devem ter medo de vencer
pois “a luta expõe a forma simples do fracasso (o ataque não obteve
êxito), enquanto a vitória expõe a sua forma mais temível: aperceber-se
de que é em vão que derrotamos, que a vitória prepara a repetição, a
restauração, que uma revolução não é mais do que uma intermediária do
Estado”.
Melhor
partir a tempo do que terminar um burocrata, em suma. Badiou procura
evitar a dialética infernal entre o poder constituinte e o poder
instituído, como se fosse possível dar um passo ao lado, permanecer
totalmente ao lado do evento sem jamais se comprometer com a história. A
introdução d’A hipótese comunista
conclui com a afirmação categórica que se trata de “um livro
filosófico” que, “contrariamente às aparências, não trata diretamente de
política”. A hipótese comunista
da qual falamos aqui não é estratégica, mas filosófica. E o comunismo,
não um movimento político que visa abolir a ordem existente, mas uma
“ideia” filosófica que permite “o antecipar de novas possibilidades”.
Pois “sem ideia, a desorientação das massas populares é inelutável”.
Resta então saber qual relação o enunciado filosófico da hipótese mantém
com a sua colocação à prova da política; e se esse comunismo ideal não
permanece um comunismo hipotético.
Badiou
propõe, no entanto, uma definição sedutora da política: “Ação coletiva
organizada, conforme alguns princípios, e visando a desenvolver na
realidade as consequências de uma nova possibilidade reprimida pelo
estado dominante de coisas” [2]. Que uma política dos oprimidos seja
irredutível ao que ocorre na esfera e sob a influência do Estado, isso é
óbvio. A controvérsia começa quando a democracia e tudo o que concerne
ao número são identificados com o Estado. Certamente, a verdade não se
vota. Mas a política é mais da ordem daquelas “verdades relativas” das
quais Lenin fala. “Contra a definição gestionária do possível,
afirmamos, escreve Badiou, que o que iremos fazer, ainda que sujeitos
aos agentes desta gestão que visa o impossível, é na realidade, ao ponto
mesmo desse impossível, a criação de uma possibilidade anteriormente
despercebida e universalmente válida”. Estamos de acordo e também
afirmamos que “o que é decisivo é manter a hipótese histórica de um
mundo livre da lei do lucro e do interesse privado (…) tudo simplesmente
porque, se se admite a necessidade da economia capitalista violenta e
da política parlamentar que a sustenta, simplesmente não se pode mais
ver, na situação, outras possibilidades”. O futuro de uma hipótese se
opõe assim ao “passado de uma ilusão”. Nessas definições, no entanto, o
comunismo perde precisão histórica e política o que ganha em extensão (e
em eternidade) filosófica. A hipótese filosófica da saída eventual da
caverna, ou da revelação pauliana, não permite articular o evento à
história, a contingência à necessidade, o fim ao movimento. No entanto,
não existe para nós exterioridade, nenhum exterior absoluto da política
em relação às instituições, do evento em relação à história, da verdade
em relação à opinião. O exterior está sempre dentro. As contradições
explodem do interior. E a política consiste em se estabelecer lá para
levá-las a seu ponto de ruptura e de deflagração.
Politis n° 1058, 25 de junho de 2009
Notas
[1] Alain Badiou, L’Hypothèse communiste, Paris, Éditions Lignes, 2009. [Edição brasileira: Alain Badiou, A hipótese comunista, São Paulo: Boitempo, 2012]
[2] A. Badiou, De quoi Sarkozy est-il le nom ?, Paris, Éditions Lignes, 2007, p 1in LavraPalavra blogspot.com
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