Pável Blanco Cabrera – Primeiro secretário do CC do Partido Comunista do México (PCM)
(Artigo escrito para a revista Nuestra Politica, do CC do Partido Comunista dos Trabalhadores de Espanha-PCTE – 2019/10/14)
… o que é delineado pelos clássicos do marxismo-leninismo e pela experiência da Internacional Comunista permanece válido; é necessária a unidade internacional da classe operária para que se desenvolva com os antagonismos de classe, e mais agora, quando as relações de interdependência são mais profundas, quando o sistema capitalista agudiza as contradições interimperialistas e a possibilidade de uma nova guerra imperialista mundial aparece no horizonte…
I
Em
março deste ano de 2019 comemoram-se 100 anos do Primeiro Congresso da
Internacional Comunista e, em novembro, comemoram-se 100 anos do início
das atividades da Secção Mexicana da Internacional Comunista, motivo
comemorativo que nos leva a refletir sobre a sua importância e
significado histórico, e também sobre a sua validade para as lutas
proletárias revolucionárias contemporâneas.
É
importante sublinhar que a luta de classes, tal como Marx explicou, é
nacional na sua forma e internacional no seu conteúdo, de modo que as
lutas dos trabalhadores contra o capital devem ter em conta esse vínculo
inquebrável. É por isso que o primeiro partido proletário que
apresentou um programa comunista - o Manifesto do Partido Comunista -
lançou a palavra de ordem atual «Proletários de todos os países,
uni-vos!» e, sob a direção de Marx e Engels, trabalhou na construção da
Primeira Internacional que foi além dos seus objetivos e, depois, na da
II Internacional.
É,
em geral, com a Segunda Internacional que os partidos operários
adquirem força, se tornam partidos de massas e desenvolvem uma
importante intervenção política, mas também que surgem no seu interior
tendências muito negativas, sempre combatidas por Marx e Engels até os
seus corações o permitirem. Problemas muito sérios, posições de
princípio e questões de estratégia e tática vão aparecendo dentro da II
Internacional e vão demarcando o campo dos reformistas, os oportunistas,
por um lado, e o dos defensores do marxismo, revolucionários, por
outro, no seio da social-democracia, em cada partido e em toda a
Internacional: a questão colonial, a questão nacional, o papel das
reformas, a tática parlamentar, as questões de organização, o dogmatismo
e o revisionismo, o desenvolvimento do capitalismo no imperialismo e a
possibilidade de uma guerra mundial. Na II Internacional, a luta entre
as duas posições abrange um período de quase duas décadas, no qual se
destaca o bolchevismo e Vladimir Ilich Lenin, além de Rosa Luxemburgo,
Franz Mehring, Karl Liebknecht e outros, na social-democracia alemã.
A
posição dos oportunistas, expressa teoricamente por Eduard Bernstein, e
à qual Karl Kautsky e Georg Plekhanov também se juntariam, partiu da
degradação do marxismo de duas formas: transformando-o em dogma, e
deturpando-o ou mutilando-o. Por exemplo, na questão da necessidade de
desenvolver o capitalismo e a república burguesa, defendendo a
impossibilidade revolucionária, e considerando que só nos países mais
desenvolvidos do capitalismo se encontravam as premissas do socialismo.
Assim, difundiam-se os parágrafos de Marx e Engels selecionados ad hoc,
ocultando e fechando a sete chaves a obra completa. Assim, alguns
parágrafos, fora do contexto, forneciam o pretexto para dar a um
significado diferente aos escritos dos mestres do proletariado. É muito
conhecido o episódio da mutilação da Introdução [1] que Engels escreveu
para A luta de classes em França em 1848, em que a orientação
social-democrata procurava dar a aparência de que Engels era a favor da
absolutização que o oportunismo fazia da via pacífica quando,
precisamente, o que o grande cofundador revolucionário do marxismo
expressava era que as formas de luta e a tática dependem da situação
histórica concreta.
O
reformismo abandonou a tese marxista da revolução social ao considerar
que, gradualmente e sem saltos, com base no alargamento da base
eleitoral, no aumento gradual dos assentos parlamentares, se aproximaria
o dia do fim da exploração; puro palavreado perigoso. É por isso que
Lenin chamava aos oportunistas agentes burgueses nas fileiras do
movimento operário.
Ao
contrário de outros países onde a luta entre as duas correntes se dava
dentro do mesmo partido, os bolcheviques na Rússia tiveram a compreensão
teórica do fenómeno oportunista como liquidatário da luta
revolucionária e chegaram cedo à conclusão da necessidade do partido
proletário independente, com unidade ideológica, política e
organizativa, com uma direção revolucionária, o partido de novo tipo,
sem os oportunistas e contra os oportunistas. Tal partido só poderia ser
construído em bases teóricas sólidas, dialéticas, defendendo e
desenvolvendo o marxismo, numa época em que, além disso, o capitalismo
passava da livre concorrência à fase dos monopólios. A luta contra os
mencheviques temperou-os e proporcionou-lhes uma grande experiência na
ascensão e no refluxo da luta de classes, especialmente nas três
revoluções que tiveram de viver. O partido da classe operária, armado
com a teoria marxista, revolucionária, internacionalista e de classe,
permanentemente vigilante contra o oportunismo é a chave para o triunfo
da Grande Revolução Socialista de Outubro, enquanto a sua falta ou pouca
experiência é o fator da derrota da Revolução, como aconteceu na
Alemanha, em 1918-1919.
Essa
aprendizagem colocou os bolcheviques e Lenin na vanguarda da luta
contra o oportunismo internacional. Quando os preparativos não deixavam
dúvidas sobre o início da Primeira Guerra, a II Internacional
pronunciou-se formalmente contra a guerra, no Manifesto de Basileia do
Congresso Socialista Internacional de 1912, que traiu em 1914, apelando à
defesa das burguesias nacionais e à luta entre os trabalhadores de
diferentes nacionalidades. A Segunda Internacional entrou em
decomposição, adotando o social-chauvinismo – chamado por Lenin o
culminar do oportunismo – a aliança aberta do oportunismo com a
burguesia, “baseada no conteúdo ideológico da colaboração de classes e
na renúncia aos meios revolucionários de luta e na ajuda aos governos
burgueses em dificuldades, em vez de usar essas dificuldades para a
revolução” [2]. Lenin apresentou então a seguinte conclusão: “a classe
operária não pode cumprir a sua missão histórica no mundo se não
declarar guerra sem quartel contra o oportunismo e a vulgarização das
teorias do marxismo”.
A
decomposição da II Internacional, a sua bancarrota, deu origem à
esquerda zimmerwaldiana, em 1915, e ficou claro que os marxistas teriam
de avançar com uma nova internacional. A luta de classes daqueles anos
deu plena razão a Lenin e aos bolcheviques, pois o curso da guerra
imperialista e uma posição consequente de princípios levaram à Grande
Revolução Socialista de Outubro na Rússia, vitória fundada, entre outras
razões, na luta sem concessões contra o oportunismo. A Revolução Alemã
de 1918 é um exemplo amargo de uma derrota baseada na luta tardia contra
o oportunismo, a coexistência com os oportunistas no mesmo partido
quase até à sua véspera [3]; apesar do heroísmo dos espartaquistas e do
génio dos seus principais dirigentes, Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht,
sem uma luta aberta contra o oportunismo desde suas primeiras
manifestações, que aliás denunciaram em devido tempo, sem tomar as
medidas organizativas decorrentes, uma parte importante da classe
operária permaneceu sob o controlo da social-democracia, permitindo a
sua tarefa contrarrevolucionária de garantir a continuidade do
capitalismo na Alemanha.
Ficava claro que os marxistas tinham de fundar uma nova Internacional, a III Internacional, uma Internacional Comunista.
II
Em
março de 1919, reúne-se em Moscovo o I Congresso da III Internacional
que existiu entre essa data e maio de 1943, e que realizou sete
congressos.
A
importância da Internacional Comunista é incontestável porque, fruto da
sua atividade na maioria dos países de todos os continentes, se criaram
partidos comunistas, nalguns casos como resultado de partidos operários
anteriores, noutros, pela primeira vez, a classe operária passava a
contar com o seu partido político. Esta experiência criou grande
entusiasmo entre os trabalhadores de todo o mundo porque, pela primeira
vez num país, a classe operária estava à frente das tarefas estatais e
construía-se a sociedade sem exploradores nem explorados. Seguiam com
muita atenção a Revolução Socialista e a Rússia, soviética primeiro e,
depois, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas que foi criada na
sua base; múltiplas ações de solidariedade dão conta da grande agitação
proletária internacional, publicações, mobilizações, criando uma
atmosfera favorável ao apelo do Primeiro Congresso da Internacional
Comunista para que se agrupasse nas suas fileiras.
É
histórica a página em que os quadros do Comintern passam por vários
países, contribuindo para a criação de suas Secções, enfrentando
perseguições e uma boa quantidade de problemas. Mas o objetivo
concretiza-se. Partidos comunistas na Ásia, na África, na América, na
Europa e na Oceânia, forças que alterarão o curso da história até então
escrita apenas a favor dos exploradores. Esse trabalho de organização é
acompanhado por um esforço, que dá frutos até hoje, de universalizar a
teoria revolucionária do marxismo, já enriquecido como
marxismo-leninismo, através do trabalho editorial, uma tarefa
descomunal, que implicou a tradução dos clássicos do marxismo para
muitas línguas e o próprio trabalho da Internacional Comunista de
publicar, transportar e distribuir todas essas obras. Centenas de
milhares de proletários foram armados com a teoria marxista-leninista e
um grande número estudou na escola da Comintern em Moscovo. A luta de
classes inclinou-se a favor dos trabalhadores e dos povos. O benefício
para a luta capital/trabalho mundial é visível: sindicalismo de classe,
ação política dos trabalhadores, lutas revolucionárias, organização e
educação dos operários e camponeses, uma verdadeira fusão do socialismo
científico com o movimento operário, numa dimensão desconhecida até
então: mundial. Além disso, o trabalho da Comintern tomou a bandeira
vermelha do internacionalismo proletário, espezinhada pela II
Internacional e agitou-a de maneira combativa, prestando solidariedade
às lutas operárias e populares, como no caso da República em Espanha,
escrevendo uma das páginas mais belas de fraternidade entre os
trabalhadores. A Comintern traçou a orientação para a luta contra o
fascismo, contribuindo intimamente com o PCUS e a URSS para a guerra
antifascista, que terminou com a derrota do nazi-fascismo. Os seus
quadros foram os organizadores políticos e militares da resistência e da
sua guerrilha em toda a Europa e os artífices da corrente mundial
antifascista.
A
Comintern, com as suas secções, os partidos comunistas, levou por
diante processos revolucionários que abriram a perspetiva do poder para
os trabalhadores. A coluna Prestes no Brasil, as insurreições na
Hungria, na Alemanha, na Itália, na China e fortes partidos comunistas,
representantes da maioria da classe operária, como o PC da Alemanha, da
França, da Checoslováquia, da Espanha, de Itália, da Grécia, da
Jugoslávia, da Bulgária, da China, do Vietname, da Coreia. As
contribuições da Internacional Comunista são gigantescas. O seu trabalho
ainda está presente e as lições para os comunistas e os operários
revolucionários são muitas.
III
Estamos
num momento de avaliações. No Partido Comunista do México, realizamos
um estudo dos materiais e documentos da III Internacional, tanto dos
sete Congressos realizados, dos Plenários e dos Plenários Alargados,
como das suas publicações (Correspondência Internacional, A
Internacional Comunista, Edições Europa e América – EDEYA) Não foi uma
tarefa fácil [4] compilá-los, mas hoje temos um arquivo inicial
suficiente para ter um panorama claro, o que nos permite enfrentar as
deformações, os ataques, os mitos e as difamações.
Queremos
agora chamar a atenção para algumas questões que estão colocadas
perante o movimento comunista internacional: 1) Após o XX Congresso, e
especialmente o XXII Congresso do PCUS, novas direções partidárias
promoveram uma versão tendente, não a negar o papel da Comintern, mas a
subestimá-lo enquanto elemento central na formação dos partidos
comunistas; 2) Considerar superada a necessidade de uma Internacional,
com o argumento do policentrismo, dos “erros” do centro, e negar uma
estratégia revolucionária unificada sob o argumento das vias nacionais,
dos caminhos nacionais, dar prioridade ao específico, ao particular,
sobre as leis gerais; 3) Assumir toda a historiografia burguesa e
pequeno-burguesa, especialmente a versão do “marxismo ocidental” sobre o
sectarismo e negar toda a contribuição para a estratégia e tática
anterior à aprovada no VII Congresso, como se tudo o que precedeu fosse
uma série de erros; 4) Esconder a sequela negativa que significava negar
o papel central do partido comunista como um partido revolucionário da
classe operária, ao promover a unidade de partidos comunistas com
partidos socialistas e de juventudes comunistas com juventudes
socialistas, diminuindo a qualidade do partido marxista-leninista e
diluindo-o com elementos social-democratas, conceção de unidade essa que
causou estragos.
Sobre
a primeira questão colocada, é muito claro que houve um esforço para
negar a importância da Internacional Comunista como impulsionadora dos
partidos comunistas que existem hoje. É verdade que alguns foram criados
mais tarde, ou quando a III Internacional já não existia, e que alguns
foram criados pouco antes do Primeiro Congresso da Comintern, mas sob a
influência da Grande Revolução Socialista de Outubro e cientes da
necessidade da luta contra oportunismo e da luta revolucionária pelo
poder, isto é, com os critérios que dariam lugar à existência da
Terceira Internacional. Mas a grande maioria dos partidos comunistas
resultou da ação organizadora da Internacional Comunista, das suas
orientações, dos seus quadros, da sua agitação, propaganda e processos
educativos. A Internacional Comunista é a escola pela qual os
revolucionários marxistas-leninistas passam para ajudar os seus partidos
comunistas a cumprir o seu papel histórico.
Em
1970, num relatório ao CC do primeiro PCM, o liquidacionista Arnoldo
Martínez Verdugo [5], reescreve a história da Secção Mexicana da
Comintern, procurando estabelecer que ele é desde o início um partido
nacional, criado pela classe operária à margem dos importantes
acontecimentos históricos que são as suas origens. Sobrestima o papel do
Partido Socialista Mexicano de efémera existência, com objetivos e
programa confusos e de inexistente vida orgânica, para chegar à
conclusão de que o PCM emerge dele, negando os factos reais, e
estabelecer que o papel da Internacional foi simplesmente complementar. O
seu objetivo era apoiar a política oportunista que levou à liquidação
do primeiro PCM e que se caracterizava por romper com o
internacionalismo proletário, como aconteceu em 1968, condenando a
solidariedade internacionalista da URSS com a Checoslováquia socialista,
ou, em 1979, criticando o Exército Vermelho no Afeganistão e, em geral,
atacando a construção socialista na URSS, renunciar às normas
leninistas na vida interna, aceitando correntes, renunciar ao caminho
revolucionário para a tomada do poder e elevar a luta pela democracia em
abstrato a tese principal, isto é, pela democracia burguesa em
concreto. Toda essa política liquidacionista baseava-se na deturpação
histórica de fazer do PCM um partido nacional que tinha a democracia
como objetivo e condenava a sua história de luta, património valioso da
classe operária, negando a importância do partido comunista como
elemento indispensável da luta política dos trabalhadores pelo seu
objetivo histórico. Atualmente, estamos a trabalhar para ter um esboço
da história dos primeiros 20 anos do PCM, adotando a seguinte
metodologia: estudá-lo como uma secção da Internacional Comunista,
através dos seus documentos e resoluções, do seu trabalho e influência
política entre a classe operária.
Sobre
a segunda questão, é claro que o ataque à Internacional Comunista
sempre existiu, e não nos estamos a referir apenas à condenação do
capital e da burguesia que, como sabemos, na sua posição mais
reacionária, formou o Eixo AntiComintern, mas às convicções dos
renegados do marxismo, como Kautsky e outros. Durante toda a sua
existência, a Internacional Comunista enfrentou tendências de direita ou
de extrema esquerda, que procuravam distorcer ou sabotar os seus
objetivos, incluindo a ridícula formação da Quarta Internacional por
Trotsky e os seus seguidores, uma caricatura em termos organizativos,
comparada com a Comintern. Enquanto existiu, a Internacional Comunista
enfrentou com sucesso todos os ataques exteriores e interiores contra si
e adquiriu com isso uma grande experiência, que se reflete nos seus
debates, nos mecanismos para desenvolvê-los, quer quanto aos problemas
do próprio partido mundial, quer quanto aos de cada uma de suas secções
nacionais e, sobretudo, quanto àqueles que se verificaram na sua secção
principal, o Partido Comunista Bolchevique da URSS, com repercussões
para todos, contra o trotskismo e o bukharinismo. Não haverá partido
comunista que possa hoje renunciar a essa experiência se quiser ser um
verdadeiro partido de classe, revolucionário e internacionalista.
Insistimos
nos efeitos negativos da plataforma oportunista-revisionista dos XX e
XXII Congressos do PCUS, que abrem as portas às conceções que negam a
contribuição da Terceira Internacional e que, tudo indica, já existiam
no seu seio, mas estavam contidas devido à predominância das posições
marxistas-leninistas. Quem as expressa com veemência é Togliatti, embora
na década anterior Earl Browder [6] as tenha apresentado
incompletamente e com menos força. É também exemplo disso o programa do
PC da Grã-Bretanha [7]. Com a visão errónea e revisionista da
coexistência pacífica e a sua proposta da via pacífica de transição do
capitalismo para o socialismo, através dos canais parlamentares, sem
recorrer à Revolução e negando também as suas leis gerais, argumenta-se
que existe uma diversidade de caminhos e que se deve enfatizar as
especificidades de cada país como elemento determinante e que não
existem receitas, pelo que se rejeitam os mecanismos internacionais de
coordenação e articulação e se dá início aos ataques à história da
Comintern e a qualquer possibilidade de elaboração coletiva pelos
partidos comunistas de uma estratégia revolucionária unificada. O
paradoxo da sua argumentação a favor do policentrismo é que, negando as
leis gerais da revolução, se estabelece um caminho único pelas vias
nacionais, sejam elas a via italiana para o socialismo, o socialismo com
cores da França, a via mexicana para o socialismo, etc. As premissas
enformadoras de tal conceção são as alianças com a burguesia e a
social-democracia, ou seja, alianças pluriclassistas, a defesa cerrada
da democracia burguesa (parlamentarismo, multipartidarismo), a renúncia e
o ataque à ditadura do proletariado e também a conceção de que a classe
operária já não é o sujeito da revolução. Os ataques à Internacional
Comunista são difamatórios, e tenta-se caricaturizar o centro, dizendo
que eram elaboradas resoluções burocráticas e longe da realidade, o que é
totalmente falso, pois podem ser vistos nos documentos os cuidados, a
firmeza revolucionária, a metodologia científica e a responsabilidade
perante a classe operária internacional, com consultas, intercâmbio,
mobilização de quadros que no terreno contribuíram para que cada secção
respondesse melhor aos objetivos revolucionários da classe operária.
Independentemente de as condições para esses quadros serem arriscadas e
complicadas, a verdade é que a Comintern cumpriu o seu dever. Além
disso, nos Congressos, em cada Sessão Plenária do Comité Executivo, nas
discussões das comissões, por país ou região, há uma elaboração
profunda, consequência do rigor com que cada partido comunista se foi
forjando – a partir das 21 Condições e do processo de bolchevização.
O
ataque à necessidade da estratégia revolucionária unificada é, na
verdade, em defesa de uma estratégia oportunista unificada, o ataque ao
“centro” é, na verdade, a defesa de um centro oportunista, porque o
oportunismo no movimento comunista coordena os seus esforços, e não
falamos apenas do que é visível, como o Partido da Esquerda Europeia ou o
Fórum de São Paulo, mas do trabalho sujo contra os partidos comunistas
que atualmente avançam na posição de defesa de uma estratégia unificada
revolucionária contemporânea; mas também das iniciativas orientadas pela
lógica das reformas, da adaptação, da conciliação, da desmobilização da
classe operária.
No
entanto, e apesar de tudo, o que é delineado pelos clássicos do
marxismo-leninismo e pela experiência da Internacional Comunista
permanece válido; é necessária a unidade internacional da classe
operária para que se desenvolva com os antagonismos de classe, e mais
agora, quando as relações de interdependência são mais profundas, quando
o sistema capitalista agudiza as contradições interimperialistas e a
possibilidade de uma nova guerra imperialista mundial aparece no
horizonte, quando a exploração do proletariado pelos monopólios não
respeita nenhuma fronteira, quando os povos do mundo exigem para lutar
uma orientação revolucionária e de classe, séria e responsável, quando o
capital penetra em todos os recantos, em toda a parte, e
internacionaliza a luta, e os monopólios exploram os trabalhadores
independentemente da sua nacionalidade e exportam os seus capitais
indiscriminadamente, sem preferência nacional tendo como única
prioridade o lucro. É claro que hoje os trabalhadores e as suas
vanguardas – os partidos comunistas – exigem uma estratégia
revolucionária unificada para travar a luta de classes no seu terreno
concreto, isto é, em cada nação, com base na lei do desenvolvimento
desigual. Sem fazer uma analogia, não podemos negar que há muita
semelhança na luta entre oportunistas e revolucionários no período final
da II Internacional e nos preparativos da III Internacional, com o que
está a acontecer hoje no movimento comunista internacional.
O
terceiro aspeto que orienta as nossas reflexões é a afirmação de que a
estratégia apresentada pelo relatório do camarada Georgi Dimitrov ao VII
Congresso da Internacional Comunista, em 1935, constitui a maturidade
do movimento comunista, o degrau mais alto e final em termos de
elaboração estratégica. É claro que se procurou absolutizar isso, e não é
por acaso que o eurocomunismo declarou em muitas ocasiões que se
encontravam aí as suas raízes e que, de acordo com isso, diferentes
correntes oportunistas, como o eurocomunismo, o marxismo ocidental ou o
trotskismo coincidem em demonizar as teorizações anteriores,
especialmente do V e VI Congressos, a linha de classe contra classe,
como sectária e esquerdista.
Não
podemos deixar de lado a questão de uma condição material presente na
análise da posição da Frente Popular: o fascismo e a guerra imperialista
que estava na base dessa viragem estratégica visavam liquidar a pátria
dos trabalhadores, o país de socialismo, a gloriosa União Soviética. E a
aliança que decorria da Frente Popular só pode ser considerada
temporária. De facto, hoje, com a contrarrevolução que derrubou
temporariamente a construção socialista na URSS, essa premissa é
inexistente e essa política não tem sentido.
Mas
vamos ao concreto, em termos da experiência histórica da Secção
Mexicana da Internacional Comunista. Com o V Congresso da IC, vem a
bolchevização do PCM, deixando o partido reduzido do ponto de vista
numérico, mas fortalecido qualitativamente como um partido de quadros
com ideias claras nos planos ideológico e programático, resolvidos a
fazer trabalho de massas com a classe operária. E assim se chega ao V
Congresso do PCM em abril de 1928, apenas algumas semanas após o IX
Plenário do CEIC que aprova a orientação de classe contra classe,
ratificada no VI Congresso da Internacional Comunista, em julho-setembro
do mesmo ano. Os resultados são verificáveis e apresentamo-los
sinteticamente: os comunistas no México entram num desenvolvimento
ascendente quanto ao número de militantes, células e organizações
regionais; o jornal El Machete deixa de ser lido por apenas alguns
milhares e passa a ser lido por 50.000 leitores; o trabalho sindical
vermelho, isto é, de classe, através da CSUM [8], em confronto com o
sindicalismo amarelo do CROM (Morones) e a CROM depurada (Lombardo
Toledano) [9] acumula uma força importante entre os trabalhadores
industriais. Além disso, o crescimento do PCM, que também exerce grande
influência sobre o campesinato, os intelectuais e os artistas, ocorre
num período de clandestinidade, entre 1929 e 1934, que superou com
sucesso. Onde está o enfraquecimento organizativo, o isolamento das
massas, o sectarismo? A história não o regista dessa maneira.
Pelo
contrário, a aplicação das orientações do Sétimo Congresso coloca
muitos problemas que, a longo prazo, terão sérias implicações, entre
elas a liquidação do primeiro PCM, em 1981. Primeiro nos sindicatos, a
linha de classe abandona o confronto com o sindicalismo amarelo e passa à
unidade subordinada, por um período muito curto, porque em cinco anos
os acordos unitários são traídos e, numa década, sob o impulso do
McCarthyismo, os comunistas são perseguidos e expulsos de um movimento
sindical já corporativo e útil para a burguesia. No plano ideológico, a
educação marxista-leninista, a classe trabalhadora cede o lugar à
ideologia burguesa da Revolução Mexicana. No plano político,
concretiza-se a Frente Popular, entrando no Partido da Revolução
Mexicana [10], um partido pluriclassista, mais claramente um partido da
burguesia. Por um lado, há um crescimento resultante desse amolecimento,
que no início dos anos 40 resulta numa saída massiva, uma vez que eram
filiados e não militantes. Por outro lado, entre a militância ativa,
cria-se tanta confusão sobre uma mudança tão abrupta que se abre uma
crise que procura saída no Congresso Extraordinário, em 1940, sem o
conseguir. Sem negar a importância histórica do VII Congresso, apenas
enunciamos alguns problemas gerados, que põem em causa as avaliações do
oportunismo sobre o “sectarismo” do V e VI Congressos e que se
aprofundam no VII.
Dessa
viragem, que leva ao aparecimento da linha da frente popular como
estratégia antifascista, decorre também a orientação de procurar a
unidade num único partido da classe operária formado por comunistas e
social-democratas, começando pela unidade da juventude do PCE com a
juventude do PSOE na JSU, em Espanha e, no México, da Juventude
Comunista com a juventude do PRM na JSUM; e, no caso do México, temos
elementos concretos de que houve um vazio na formação dos quadros
dirigentes do partido comunista, atrofiando o seu desenvolvimento, e que
se criou uma geração de quadros do partido burguês, ativa e crucial nos
trinta anos seguintes; mas tal ideia ficou em hibernação e permitiu
que, terminada a Segunda Guerra Mundial, em alguns países da Europa, ela
se tenha concretizado, por exemplo, na Alemanha democrática, na
Polónia, na Hungria e, como a história ensina, não tendo sido superado o
elemento social-democrata, ele progrediu ocultamente como um cancro
incurável, emergindo com todas as suas terríveis consequências durante a
contrarrevolução dos anos 80. Diminuir a importância do partido
comunista como partido da revolução também esteve na base dos partidos
de esquerda, partidos amplos nas lutas de libertação nacional. ou mesmo
como argumento para liquidar partidos comunistas.
É
claro que temos de aprofundar o estudo e tirar as conclusões
necessárias, como parte da nossa conceção de uma estratégia
revolucionária unificada e de uma colaboração mais eficaz entre os
partidos comunistas, e claramente a favor do legado da Terceira
Internacional.
Notas
[1]
Escrita em 1895, foi publicada com partes suprimidas, o que provocou um
irado protesto de Engels. A sua publicação integral foi feita pela
primeira vez na URSS, já em 1930.
[2] Lenin, Vladimir Ilich, Obras Completas, Tomo 22, página 415; Editorial Cartago.
[3]
O Partido Comunista da Alemanha foi fundado no início de 1919,
separando-se do Partido Social Democrata Independente, dirigido por
Kautsky.
[4]A
liquidação do primeiro PCM, em 1981, teve, entre outras consequências, a
de que os seus arquivos tenham ficado nas mãos do CEMOS (Centro de
Estudos do Movimento Operário e Socialista) que desenvolve a sua
atividade com um critério político favorável ao que foi a direção
eurocomunista liquidacionista e, por isso, filtra os documentos, além de
que, apesar de dizerem que os arquivos estão abertos, na realidade os
mantêm sob uma lógica privatizada. Por isso, tivemos de compilar os
materiais da Internacional Comunista em vários países, recorrendo a
partidos comunistas irmãos, fazendo aquisições no RGASPI de Moscovo e
recorrendo a livrarias antigas e bibliotecas especializadas e de
camaradas.
[5]
Secretário do PCM que encabeçou a linha “renovadora” apontada pelo XX
Congresso do PCUS, e principal liquidador do Partido em 1981.
[6]
Esteve quase a conseguir a liquidação do PC dos EUA e a convertê-lo
numa espécie de círculo de estudos que realizava a sua ação política
através de partidos burgueses, mas enfrentou uma forte resistência
interna e internacional, entre elas a da importante carta de Jacques
Duclos. As teses de Browder, que levavam às últimas consequências a
aliança temporária contra o fascismo entre comunistas, social-democratas
e a burguesia, e faziam da colaboração de classes a sua bandeira,
afetaram fortemente os partidos comunistas da América Latina, sobretudo o
de Cuba e o da Colômbia (que, inclusivamente, mudaram de nome e
estrutura), o do México e o do Chile.
[7] El camino británico al socialismo [O caminho britânico para o socialismo]
[8] Central Sindical Unitária do México.
[9]
Confederação Regional Operária Mexicana, que agrupava os amarelos,
apesar de se dividir com uma secção encabeçada por Lombardo Toledano, um
marxista legal partidário da conciliação de classes, e da aliança da
classe operária com a chamada burguesia nacional, que considerava o
Estado burguês como um árbitro no conflito capital/trabalho.
[10]
Principal partido da burguesia desde 1929 e no poder até 2018, surgiu
com o nome de Partido Nacional Revolucionário e, nos anos 40, adquiriu o
nome de Partido Revolucionário Institucional.
Fonte: http://www.solidnet.org/article/21-IMCWP-Acerca-de-la-experiencia-de-la-Internacional-Comunista-y-la-historia-del-PCM/, publicado em 2019/10/14, acedido em 2019/10/21
Tradução do castelhano de TAM
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