O que é Reformismo e Oportunismo?
Um leitor desta revista solicitou, em
carta enviada à Redação, uma resposta à pergunta. A Redação achou
proveitoso que a resposta viesse a público.
Foram duas as questões colocadas:
sobre a natureza do reformismo e sobre a essência do oportunismo. Seria
melhor, em primeiro lugar, tratar cada uma por si e, depois, determinar
as relações entre o reformismo e o oportunismo, até que ponto eles se
equiparam e até que ponto não.
Certamente que quem fez a pergunta
entende por reformismo a tão conhecida direção política dentro do
movimento operário. Por isso, podemos abstrair de tratar o reformismo
sob outros aspectos.
Reformismo é, literalmente, a luta por
reformas. Reformas são, em relação ao Estado burguês e ao modo de
produção capitalista, mudanças em favor das classes dominadas e
exploradas que não alteram de modo fundamental as relações de troca
entre as classes. Permanece, assim, o fato de que a sociedade se divide
em duas classes principais — capitalistas e trabalhadores assalariados —
e que os capitalistas exploram os trabalhadores assalariados. Permanece
também o fato de que a classe economicamente dominante,
simultaneamente, domina o Estado e, além disso, emprega os meios de
poder do Estado para conservar e regular as relações de exploração e
para oprimir as classes não capitalistas.
Em contradição com a reforma está a
revolução. A revolução encerra modificações no Estado e na economia que
alteram a relação fundamental das classes, que desalojam do poder a até
então classe ou classes dominantes e levam ao poder a classe ou as
classes até então oprimidas. No caso especial da sociedade capitalista
desenvolvida, trata-se do afastamento da classe capitalista e de seus
apêndices do poder e a tomada do poder pela classe trabalhadora. O poder
no Estado apóia-se em última instância no emprego de organizações
armadas — exército, marinha, polícia, etc. Por isso, o ato decisivo da
revolução é a derrota, a desintegração e a destruição do poder armado da
classe até aí dominante por meio do poder armado da classe até aí
oprimida. Esse é o pressuposto para que a classe dominante possa ser
afastada também dos postos de poder econômico, ou seja, para que lhe
seja suprimido o direito de dispor dos meios de produção.
Por isso toda revolução social efetiva em
uma sociedade de classes é um ato de violência ou uma série de atos de
violência — mas não o contrário. Nem todo ato de violência é
revolucionário.
Desse modo, poderia parecer que o
reformismo é aquela direção do movimento operário que se limita às
reformas e que recusa a revolução, enquanto a direção revolucionária tem
como objetivo a revolução e recusa as reformas.
Porém, isso não é assim. A direção
revolucionária luta também por reformas. No entanto, a luta por reformas
é diferente para a direção revolucionária e para a direção reformista,
tanto no objetivo, quanto no conteúdo e na extensão. A direção
revolucionária liga a luta pelas reformas com a luta pela revolução. Ela
orienta a luta por reformas para a revolução, quando, a cada momento
mostra a insuficiência de cada reforma e, assim, deduz a necessidade da
revolução. À medida que a direção revolucionária conduz as lutas e
reformas para o limite que corresponde à força da classe operária, ela
está preparada em cada momento, havendo força suficiente, para fazer a
luta por reformas transitar para a luta revolucionária pelo poder.
O reformismo é totalmente diferente.
Quando ele luta por reformas é para a conservação — e não para a
superação — da sociedade existente, é para evitar a revolução. Seu
objetivo é, por isso, o oposto. O que tem consequências também para o
conteúdo e a extensão das reformas, bem como para a maneira como a luta é
conduzida. Ele ajusta o conteúdo das reformas não ao interesse e à
força dos oprimidos, mas sim ao da classe dominante. Daí, ele limita a
extensão da reforma ao que é permitido pelas classes dominantes. Ele
interrompe a luta por reformas quando essa luta ameaça colocar em perigo
o domínio das classes possuidoras ou quando elas apenas supõem que seu
domínio esteja perigosamente ameaçado. Assim, o reformismo conduz a luta
por reformas apenas na estreita e limitada extensão que o interesse de
classe capitalista permite. Ele se empenha em exagerar o significado da
reforma mais discreta e mutilada. Ele não impele para frente a massa do
povo em sua luta por reformas; ele a detém. E ele procura limitar os
métodos de luta àqueles que a legalidade burguesa permite. O reformismo é
obrigado até a travestir medidas reacionárias com a aparência de
reformas, a fim de torná-las mais palatáveis às massas.
Enquanto a direção revolucionária — ou
partido — concebe tanto a luta por reformas quanto a luta pela revolução
e subordina a luta pela reforma à luta pela revolução. Assim, um
partido ou direção reformista só pode conduzir a luta por reformas de
uma maneira limitada e atrofiada.
Apenas quem está preparado para levar
adiante a luta por reformas, com a correspondente força da classe
operária, até a revolução, apenas este está apto a ir até o fim na luta
por reformas. Quem não está preparado para isso, acaba ficando, a cada
instante, no meio do caminho ou fica horrorizado diante de uma luta por
reformas. Neste último caso, quando as classes dominantes contrapõem-se a
determinadas reformas, que de forma alguma suprimem a ordem social
dominante. Assim, o direito de greve não é nada que não seja conciliável
com a ordem capitalista. Apesar disso, por exemplo, na Alemanha, o
reformismo concordou com a sua limitação (pela “ordem de arbitragem”) e
opôs-se até mesmo à eliminação dessa restrição, etc.
O oportunismo no movimento operário
compreende o mesmo objeto do reformismo, mas visto por outro lado. Ele
significa a renúncia ao objetivo final socialista como diretriz para a
luta cotidiana, para a luta por reformas para a classe operária. Em seu
lugar, entra o interesse de classe burguês como a última e decisiva
instância para a luta cotidiana. O anarquismo é o pólo oposto do
oportunismo. Sua essência consiste na renúncia à luta cotidiana como
meio para a preparação da luta em torno do objetivo final socialista.
A política revolucionária da classe
operária movimenta-se no meio do caminho entre esses dois pólos: ela
consiste na conservação do objetivo final socialista como meta e ponto
final em todas as lutas cotidianas. Ela une ambos os lados, que tanto o
oportunismo quanto também o anarquismo separam.
Como se comportam, enfim, o reformismo e o
oportunismo como direções no movimento operário, um em relação ao
outro? Eles descrevem a mesma coisa, mas apresentam diferentes
características principais e podem ser vistos por lados e ângulos
diferentes.
Ambas as descrições, tomadas em separado
ou juntas, dão apenas uma imagem da coisa geral, abstrata e sem vida.
Para se conseguir uma imagem concreta, distinta e vivaz, deve— se
recorrer ao movimento real designado por esses rótulos, e deve-se também
compreender esse movimento em seu processo histórico, em seu
desenvolvimento e no seu contexto histórico.
Para se entender a essência do reformismo
no movimento operário deve-se perguntar: o que ele significa, do ponto
de vista de classe? A questão deve parecer primeiramente estranha, até
mesmo ininteligível ao trabalhador confuso com o reformismo. Ele
responderá: é apenas uma determinada concepção no interior da classe
operária. Com isso, responde-se apenas à questão da classe na qual o
reformismo tem seguidores. Mas se se trata de uma determinada concepção
política, deve-se colocar ainda uma questão mais além e essencial, a
saber, qual interesse de classe corresponde a essa concepção? E aí a
experiência histórica mostra que ambas as questões podem muito bem
exigir respostas opostas. É um fato histórico bem conhecido que a classe
trabalhadora esteve por longo tempo sob influência de concepção
burguesa, antes de ela desenvolver sua própria concepção de classe. Esta
última só apareceu de forma cientificamente fundamentada através de
Karl Marx e Friedrich Engels nos anos quarenta do século passado.
Examinando— se sob esse ângulo, o reformismo expressa interesses de
classe burgueses; ele é a representação de interesses de classe
burgueses no interior da classe operária. Ele significa a subordinação
dos interesses da classe operária à classe capitalista. O reformismo é,
portanto, um produto híbrido, ele é uma contradição contínua, no qual a
concepção da classe antagônica, a classe capitalista, é enxertada na
classe operária. A partir disso surgem algumas importantes conclusões:
Primeiro: para as parcelas da classe
operária que apoiam o reformismo, esse apoio pode ser apenas temporário,
passageiro. Com a intensificação das lutas de classe, a concepção de
classe proletária ou revolucionária deve penetrar também nessa parcela.
Segundo: há, entretanto, uma determinada
classe, que ocupa econômica e socialmente um lugar intermediário entre a
classe operária e a classe capitalista — a pequena—burguesia. A
pequena—burguesia é, assim, a portadora natural do reformismo, a líder
natural do movimento reformista, a mediadora natural das concepções de
classe burguesas na classe operária. Apesar disso, os líderes do
reformismo, como Marx já notou, não são geralmente de origem social
pequeno—burguesa. Para os ideólogos pequeno—burgueses do reformismo é
característico que eles em suas idéias não possam ultrapassar a
fronteira que a pequena— burguesia socialmente não é capaz de
ultrapassar. O desenvolvimento econômico criou um elemento na
aristocracia operária, que parcialmente se aproxima da
pequena—burguesia, com ela se mistura, e que, na época do imperialismo,
fornece principalmente os líderes e os quadros para o reformismo.
No entanto, em virtude de sua posição de
classe, esses líderes e quadros do reformismo estão a ele vinculados
firmemente, de forma totalmente diferente das amplas massas de
trabalhadores que os seguem. O distanciamento dos trabalhadores do
reformismo expressa-se, organizatoriamente, pela cisão entre esses
líderes e seus seguidores proletários. Essa ruptura pode assumir formas
variadas, de acordo com as circunstâncias históricas.
A França é o país no qual a maioria dos
fenómenos políticos foram primeiramente identificados em sua forma
clássica. A característica que Marx no “Dezoito Brumário” dá ao Partido
Socialdemocrata pequeno-burguês dos anos 40, alcança os traços
essenciais do reformismo em geral. Marx descreveu assim a conduta desse
partido em 1849:
Quebrou-se o aspecto revolucionário das
reivindicações sociais do proletariado e deu-se a elas uma feição
democrática; despiu-se a forma puramente política das reivindicações
democráticas da pequena burguesia e ressaltou-se o seu aspecto
socialista (…) [O caráter peculiar da socialdemocracia resume-se no fato
de exigir] instituições democrático-republicanas como meio não de
acabar com dois extremos, capital e trabalho assalariado, mas de
enfraquecer seu antagonismo e transformá-lo em harmonia. Por mais
diferentes que sejam as medidas propostas para alcançar esse objetivo,
por mais que sejam enfeitadas com concepções mais ou menos
revolucionárias, o conteúdo permanece o mesmo. Esse conteúdo é a
transformação da sociedade por um processo democrático, porém uma
transformação dentro dos limites da pequena-burguesia. [1]
A socialdemocracia alemã, o Labour Party
inglês, os mencheviques russos, eles todos enquadram-se nessas
características gerais, apesar das diferenças locais e temporais que
possam ter essas manifestações, nas quais o caráter básico se expressa. É
com essas formas de manifestações do reformismo sob diferentes
condições de classe em geral e em variadas situações das lutas de
classes que vamos agora rapidamente nos ocupar.»
in LavraPalavra
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