Uma das lições que você tira do
fracasso da Revolução Cultural é que “qualquer política de emancipação
deve acabar com o modelo do partido, ou dos partidos, afirmar-se como
política ‘sem partido’, sem cair na figura anarquista, que nunca foi
mais do que a crítica vã, ou o duplo, ou a sombra, dos partidos
comunistas”. Qual seria o equilíbrio certo? Quais formas de organização
você recomenda?
Esta é uma questão fundamental, mas que
terá que dar lugar a experimentos reais. Todo o ponto é que devemos sair
da simples oposição entre o Partido-Estado de um lado e as massas
populares do outro. A dialética política deve ter três termos, como
vemos no texto de Mao dos anos vinte: “Por que o poder vermelho pode
existir na China?”. Devem existir as organizações populares, com suas
assembleias, suas reuniões e capazes de animar em todos os níveis os
movimentos de massa independentes; deve haver uma organização política
presente em todos os lugares, explicitamente em suporte ao projeto
comunista, não como descrição e dogma, mas como um sistema de palavras
de ordem “em situação”, e visão de futuro. E deve haver o Estado, pelo
menos por um longo período.
O ponto mais complexo é este: como fazer a
dialética dos movimentos populares e suas assembleias de um lado, e da
organização política do outro, ser exercida na direção do Estado não
para obedecê-lo, mas para de alguma forma forçá-lo a encorajar tudo o
que vai na direção de uma sociedade comunista? Isso é obviamente
impossível se a organização política se fundir com o Estado, como foi o
caso dos partidos comunistas dominantes. Como guardar a triplicidade dos
órgãos de decisão coletiva? Esse é o nosso problema depois da Revolução
Cultural, como, depois da Comuna de Paris, o problema de Lenin era:
como construir uma organização comunista capaz não apenas de tomar o
poder, mas de mantê-lo?
É por isso que estamos no que meu amigo
Emmanuel Terray chamou de “terceiro dia” do comunismo. Com Marx,
primeiro dia: formulação de princípios em um contexto de repetido
fracasso das insurreições dos trabalhadores. Com Lenin, segundo dia: a
vitória é possível, mas o caráter verdadeiramente comunista dessa
vitória é precário. Hoje, depois de Mao, terceiro dia: inventar a
organização comunista da época do fracasso dos Estados socialistas.
Você recentemente prefaciou um
livro sobre a Comuna de Xangai, do neo-maoísta chinês Hongsheng Jiang,
para La Fabrique. A existência de correntes neo-maoístas na China lhe
indica uma maior tolerância do Estado em relação a esta parte da sua
história?
Eu não sei nada sobre isso. O que eu sei é
que somente a China contém cerca de um terço do proletariado real, o
proletariado fabril de nosso planeta. E que, só no ano passado, nós
contamos 7.000 ações coletivas de trabalhadores na China. Acrescentemos a
extraordinária existência de uma poesia de massa, uma poesia
trabalhadora, de um nível muito alto. A China é provavelmente a cidadela
do futuro da ação comunista. E que Xi Ling declare, contra todas as
evidências, que “a China é socialista”, me parece o sintoma de uma
posição já defensiva …
Qual é a sua visão da China hoje?
Graças ao legado da era maoista: um
sistema educacional eficaz, um setor científico eficiente, o hábito da
disciplina no trabalho, uma sólida base industrial, uma força de
trabalho de origem camponesa em quantidade ilimitada, um Estado-Partido
instalado, autoritário e respeitado, a China conseguiu se lançar no
desenvolvimento capitalista com grandes chances de sucesso. A máxima
“dialética” de Deng Xiaoping [secretário-geral do Partido Comunista
Chinês (PCC) 1956-1967, violentamente atacado por Guardas Vermelhos
durante a Revolução Cultural, ele foi o número um da República Popular
da China entre Dezembro de 1978-1992, ed.]: “A primeira fase do
socialismo, é o capitalismo”, como o seu ditado favorito segundo o qual a
única verdade é o desenvolvimento, deu o tom dos anos brilhantes de
sucesso e acumulação primitiva. A China se tornou um país capitalista
que mistura e organiza um capitalismo de milionários e um capitalismo de
Estado, uma potência competitiva e feroz, que está lutando pela África,
assim como fazem franceses, ingleses e os americanos, pelo saque e a
exploração, mas com um estilo ligeiramente novo, um imperialismo mais
avisado. Qual é o futuro de tudo isso? Provavelmente, como em 14, a
guerra. Todo mundo está se preparando para isso. Só podemos nos recorrer
à máxima de Lenin: “Ou a revolução (eu diria antes aqui “a política
comunista “) impedirá a guerra, ou a guerra provocará a revolução”.
Esperemos que seja a primeira hipótese, mas o tempo está se esgotando …
in LavraPalavra.com
Sem comentários:
Enviar um comentário