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sexta-feira, 1 de março de 2019

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PERSPECTIVAS 1


É sabido que se deve a Theodor Adorno (1903-1969), filósofo alemão e cofundador da famosa Escola de Frankfurt, a expressão «Cultura industrial» sob a qual se reuniam os então novos fenómenos da transformação em mercadorias dos objectos artísticos, sobretudo pela utilização das técnicas de reprodução conforme assinalara um outro pensador, Walter Benjamim, ligado à Escola. Na verdade, foi essa Escola (Instituto de Pesquisas Sociais) à qual ficaram ligados notabilíssimos intelectuais tais como Horkheimer, Marcuse e, mais tarde, Habermas, que, a partir da década de vinte do século passado, produziram estudos pioneiros, à luz do marxismo, sobre as mudanças profundas que a cultura ia sofrendo sob a influência do capitalismo. O artista e a sua obra perdiam a áurea que tradicionalmente lhes era atribuída; determinadas obras sublimes perdiam o encantamento divinizado por via da reprodução técnica que permite hoje mais do que nunca antes a massificação ou “democratização”. A Arte – fruição egoísta de elites endinheiradas- agora ao alcance do indivíduo comum (proliferação de museus, a responsabilização pública ou estatal pela cultura). Tais teses, justíssimas no que que respeita à mercantilização da cultura, aplicam-se hoje com alterações. Por um lado a mercantilização é muitíssimo mais acentuada (o negócio da arte, que movimenta valores financeiros colossais, não se distingue em nada dos outros negócios), por outro, os Estados e instituições autonómicas mas não privadas passaram a desempenhar um enorme papel que ajudou a proteger e a democratizar as artes. Contudo, as elites não desapareceram, bem pelo contrário, a realidade quase absoluta e universal da Mercadoria selecciona os públicos conforme os espaços físicos, os clubes, os críticos, e outros factores que exercem uma selecção tão grande como os próprios preços. Além disso, com a ascensão do neoliberalismo agressivo e as políticas subordinadas aos rigores do défice os Estados passaram a investir cada vez menos na cultura “pública”. A classe dominante – accionistas, administradores ou gestores, da indústria, do comércio e da finança, dos negócios do entretenimento- não corresponde necessariamente à elite que consome a cultura erudita. Não se pense que goza de um status idêntico aos burgueses de Amesterdão do século XVII que encomendavam retratos de família às oficinas flamengas…
As mercadorias possuem um duplo valor: um valor de uso e um valor que se realiza no mercado pela venda com um preço. O que permite trocar as mercadorias não é o seu valor de uso completamente distinto (sapatos e galinhas), mas o facto delas serem produto do trabalho humano. De resto, os capitalistas não investem somas de dinheiro em valores de uso, mas em mercadorias que lhes forneçam lucro (os capitais logo acorrem para os nichos onde se faz dinheiro, seja a água engarrafada, seja o futebol); essa margem X que se acrescenta ao Y das despesas, não constituiria estímulo suficiente (os preços procuram sempre uma média, por efeito da concorrência), se algo mais substancial não viesse do preço que ele paga pela mercadoria que é a força-de-trabalho; ou dito melhor: pelo tempo de trabalho não pago ao trabalhador-produtor, ou seja, a tal mais-valia omitida nos manuais escolares…
Não cabe aqui desenvolver estas bases elementares da crítica da economia política, provavelmente de todos conhecidas e, provavelmente, sabe-se também que constituem as primeiras páginas do Livro Primeiro, Tomo 1, de O Capital, a obra-prima de Karl Marx, do qual acabámos de comemorar os duzentos anos dos seu nascimento.
A Teoria Crítica de Karl Marx é um modelo interpretativo sem o qual é impossível compreender as dinâmicas sociais contemporâneas de modo profundo e radical (ir à raiz). Servimo-nos de outros instrumentos científicos, porém o método e os conceitos marxianos são indispensáveis. Por exemplo: devemos a Marx a suspeita de que as nossas opiniões e acções são condicionadas pelo lugar que ocupamos e papel social que desempenhamos na formação económico-social concreta, esta em que vivemos. Portanto, pela liberdade maior ou menor que gozamos, pelo poder de que dispomos, pelo consentimento que damos ou não aos que nos dominam, etc. Assim, as artes (conteúdos e formas, escala de valores) não são imunes aos valores mercantis privados (marketing, concorrência feroz, crises, regime de assalariado, etc.) e, portanto, às ideologias, quer a dominante, quer as subversivas.
Nesta perspectiva convinha para bem da paz e dos direitos humanos tão proclamados, relevar especialmente o direito comum não só de assistir a espectáculos (sejam os musicais, seja o futebol), mas de possibilitar a criação artística e cultural. Ora, só é realmente livre o cidadão-artista (individual ou coletivo) que detenha condições materiais para produzir, evitando a gadanha do mercador ou, o mais das vezes, a exclusão se não servir o lucro. O poder individual de criar depende muito dos poderes públicos, fornecendo-lhe estes as condições necessárias e suficientes sem tutelas.  Será utópico possibilitar a qualquer indivíduo ou grupo instalar-se em espaços próprios e condignos cedidos gratuitamente durante determinado período de tempo, bastando para isso apresentar candidatura razoável?
NOZES PIRES
Fevereiro 2019

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