O secretário-geral do PCP quer desligar o fim da sua liderança de qualquer resultado eleitoral que o partido venha a obter
Rosa Pedroso Lima
A
questão não está colocada no interior do partido”, garante Jerónimo de
Sousa ao Expresso. Quando “ainda há tanto para fazer”, saber se o líder
comunista vai ou não cumprir mais um mandato como secretário-geral é
matéria ainda não agendada nos meandros da Soeiro Pereira Gomes. Mas foi
o próprio líder a marcar posição, a admitir cansaço e a reivindicar
fazer valer a sua “opinião” sobre o que vai ser o seu destino político.
Na verdade, há muito mais em jogo do que apenas saber se Jerónimo
permanece ou não mais um mandato à frente do PCP depois do congresso,
marcado para final de 2020. Desde logo, é preciso tirar consequências do
impacto eleitoral que os anos de ‘geringonça’ tiveram no partido. E,
face a um eventual desaire eleitoral, Jerónimo já garantiu uma saída
limpa. Isto é, pelo seu próprio pé.
O caminho para a
sucessão está aberto, e foi o próprio Jerónimo de Sousa a fazer questão
de lhe abrir as portas. Em entrevista à agência Lusa, falou esta semana
no cansaço, na idade que pesa e na necessidade de preparar uma saída.
Ele, que ao contrário de Álvaro Cunhal nunca indicou um número dois,
sabe que entre os comunistas é ao coletivo que cabe a tarefa de indicar
quem e quando assume funções dirigentes. Mas, ao cabo de 15 anos de
liderança e com os efeitos da ‘geringonça’ a serem testados nas próximas
eleições, abriu uma página nova no manual de comportamento do PCP.
“Posso ter uma opinião, e tenho”, disse ao partido e ao país. O
congresso de 2020 dirá se a conseguirá fazer valer.
Críticos exigem balanço
Não
restam dúvidas de que a ‘geringonça’ deixou marcas entre as hostes
comunistas, mas ninguém consegue adivinhar o real impacto que o acordo
com os socialistas terá entre o eleitorado do PCP. As últimas eleições
autárquicas foram um primeiro embate. Com a queda de 10 câmaras, entre
elas os bastiões de Almada, Barreiro e Beja, Jerónimo teve a inédita
tarefa de admitir a derrota. “É necessário não iludir que este resultado
constitui um fator negativo”, disse numa noite que significou um
autêntico duche de água fria para a direção do PCP.
Mas
as eleições são diferentes e só nas próximas legislativas o partido
terá oportunidade de fazer a prova do algodão dos custos de ter entrado
na inédita solução política que levou António Costa ao poder. E Jerónimo
de Sousa, que desde a primeira hora se atravessou por esta solução
política, está também agora na linha da frente para enfrentar as
consequências e assumir as responsabilidades.
Jerónimo de Sousa confessou cansaço e abriu a porta à saída da liderança do PCP em 2020. E já há quatro nomes na calha
E
há sectores preparados para cobrar a fatura. O primeiro a levantar a
voz e a pedir que se faça um balanço do deve e haver da proximidade com o
PS foi Miguel Tiago, o deputado que, em julho, bateu com a porta no
Parlamento. “Espero que todos sejamos críticos. Todos devemos refletir
e, um dia mais tarde, fazer o balanço e reconhecer os aspetos positivos e
os negativos” dos anos de ‘geringonça’, disse na altura ao Expresso. A
delicadeza do acordo com os socialistas colocou os comunistas “numa
situação que é crítica”, que comporta “muitos riscos” e que levantou
“muitas dúvidas”, explicou o dirigente comunista.
Não
é o único. No sector sindical, os representantes dos professores, dos
enfermeiros e dos trabalhadores da administração pública — alguns deles
membros do Comité Central do PCP — têm razões de queixa do acordo
político que, na verdade, deixou de fora muitos dos pontos mais
importantes dos seus cadernos reivindicativos. “O partido vai ter de
refletir sobre esta aventura política em que aceitou entrar”, disse um
alto dirigente sindical ao Expresso. E se, no arranque da ‘geringonça’,
foi possível apresentar ‘serviço’ e calar algumas das vozes mais
críticas, os crescentes sinais de intransigência dados pelo Governo no
final da legislatura estão a servir para agravar as tensões internas.
Arménio de saída
No
mundo sindical, onde o PCP sempre encontrou a sua força principal de
intervenção, os tempos também não correm de feição. Os sectores com
maior implantação (e força) estão desgastados, depois de quase dois anos
de protestos de alta intensidade, sem resultados à vista. O caso dos
professores é o mais significativo, com a séria ameaça de a legislatura
fechar com menos de um terço do tempo de serviço reivindicado pelos
sindicatos a contar para os bolsos dos docentes. Mas também no resto da
Função Pública já foi abandonado o sonho de ver os aumentos salariais
sempre prometidos alguma vez consagrados nos Orçamentos que o PCP ajudou
a aprovar.
Mas a direção da CGTP, que poderia
servir de elemento apaziguador da tensão interna, está de saída marcada.
Arménio Carlos, que foi um dos apoios sólidos da direção comunista na
construção da ‘geringonça’, atinge o limite de idade e está impedido de
exercer novo mandato. O congresso da central sindical está marcado para
fevereiro de 2020, e com o secretário-geral da Intersindical saem ainda,
pela mesma limitação etária, dois altos quadros: Graciete Cruz e João
Torres, que integram o Secretariado da CGTP e são, tal como Arménio,
membros do Comité Central do PCP.
As mudanças —
primeiro na direção da CGTP e depois na direção comunista — vão ser
decididas no rescaldo das legislativas. Um mau resultado do PCP ditará,
sem dúvida, o futuro de quem ajudou a criar a ‘geringonça’ com o PS. Até
lá, Jerónimo garante para memória futura o que parece um ensaio de
despedida: “Dei o melhor que sabia e podia. Não sendo perfeito, não
sendo o suprassumo da batata, mas acreditando nesta causa, neste
projeto, dando o meu melhor.”
Sem comentários:
Enviar um comentário