Agamben sendo Agamben: o filósofo e a invenção da pandemia
"O diagnóstico de Agamben a respeito da covid-19 antecede a análise dos fenômenos, o que faz parecer que ele está mais comprometido com a sua própria filosofia do que com o mundo que ela quer explicar. O resultado é uma análise que chega às raias do rompimento com a verdade factual e que não tem sensibilidade para os impactos da pandemia nas camadas mais vulneráveis da população. "
Por Yara Frateschi.
Em suas reflexões sobre a crise do
coronavírus, Giorgio Agamben chega às raias do rompimento com a verdade
factual e nem mesmo as milhares de mortes ou o colapso dos sistemas de
saúde em diversos países do mundo o demovem da tese de que as medidas de
contenção, como o distanciamento social, sejam “irracionais” e
“imotivadas”. Em nenhum momento abordada como um problema de saúde
pública, a pandemia teria sido inventada para restringir liberdades e
manter o estado de exceção como paradigma normal de governo. Embora os
textos do filósofo italiano estejam causando espanto – até pelas
semelhanças entre aspectos do seu discurso com o de Jair Bolsonaro –,
devemos reconhecer que a sua posição sobre a crise do coronavírus é
coerente com a sua obra, especialmente com o esquema para explicar a
afinidade entre o biopoder e o estado de exceção na modernidade. O
esquema já estava pronto, Agamben o aplicou ao caso.
Se as suas reflexões não estão à altura
dos desafios que a crise atual nos impõe, isso se deve às limitações da
sua própria filosofia, construída a partir de um binarismo um tanto
simplório, de acordo com o qual a máquina governamental sempre domina,
controla e restringe liberdades, ao passo que a sociedade é
invariavelmente passiva, compacta e inerte. Como lidar com as tensões agudas que a pandemia provoca
a partir de uma filosofia sem tensões? Não fosse tão mais comprometido
com as próprias teses do que com o mundo que elas deveriam explicar,
esta seria uma grande oportunidade para o filósofo admitir “sei que não
sei” e reconciliar-se com a cidade, quiçá com a sua própria humanidade. (...)
in blogue da BoiTempo
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