Marxismo de Groucho
20.05.2020 às 11h17
Multiplicam-se os apelos para mais Estado na economia. Sigo as palavras do economista José Castro Caldas: “o único valor que isto tem é o de demonstrar que, como dizia Groucho Marx, se um princípio não convém em determinada circunstância muda-se de princípio”. O que se está a preparar é mais uma transferência de recursos públicos para o privado
Subitamente,
multiplicam-se os apelos para mais Estado na economia. Empresas falidas
devem ser salvas – mesmo que, originalidade nacional, possam despedir
precários antes do lay-off e distribuir dividendos depois dele. A CIP
propõe que o Estado entre agora nas empresas, para se ir embora, claro
está, quando o lucro voltar. O insuspeito "Financial Times" decreta a
sua conversão: “Os governos terão de aceitar um papel mais ativo na
economia. Devem tornar o mercado de trabalho mais seguro. A
redistribuição entrará novamente na agenda."
Sigo as palavras do economista José Castro Caldas:
“o único valor que isto tem é o de demonstrar que, como dizia Groucho
Marx, se um princípio não convém em determinada circunstância muda-se de
princípio.” O que se está a preparar não é um novo papel para o Estado
na economia, é mais uma transferência de recursos públicos para o
privado. Porque as crises beneficiam sempre quem já tem poder. Como
confirma um esclarecedor artigo da Bloomberg,
onde se explica como, nos EUA, a migração para o teletrabalho
significou um aumento de três horas diárias de trabalho e um reforço dos
mecanismos de controlo.
O
futuro está a ser escrito agora. Toda a política de emergência do
Governo baseia-se em moratória e dívidas, não em subvenções diretas. O
que quer dizer que se ligou a bomba relógio do endividamento de empresas
e pessoas, muitas vezes em cascata. O Governo chutou a crise para a
frente. Quando o ministro Pedro Siza diz que "despesas do Estado hoje
são impostos amanhã" limita-se a anunciar, repetindo uma ideia tão fácil
de perceber como falsa, a vinda do cobrador de fraque. Ao optar pelo
endividamento de pessoas e empresas no socorro presente o Governo
escolhe a austeridade na crise futura.
É
natural e até compreensível que o faça. Depende totalmente da escolha
que a Alemanha e a França imponham à Europa. O que aí vem é uma
incógnita. Veremos se será quase tudo em empréstimo, se virá
condicionado às “reformas estruturais” que têm contribuído para atrasar o
país um pouco mais ou se acontecerá o tal “momento histórico”. E, já
agora, se terá a envergadura
necessária. Do que se conhece até agora e apesar dos entusiasmos dos
que se querem entusiasmar, está bem longe disso. E se isto já parece ser
difícil, é improvável que venha melhor depois de uma negociação.
Se
nada fizermos, o que aí vem não será um sobressalto político que
reequaciona o papel do Estado. Será a descapitalização dos Estados com
mais transferências dos contribuintes para as empresas. Será maior
exploração do trabalho com acesso a novas formas de controlo, ao estilo
da Amazon, e mais transferências de trabalho para o capital. Será novo
endividamento de famílias, empresas e Estados, com mais transferências
para o sistema financeiro. Mais do mesmo, só que mais intenso.
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