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quinta-feira, 21 de maio de 2020

Marxismo de Groucho

20.05.2020 às 11h17

Multiplicam-se os apelos para mais Estado na economia. Sigo as palavras do economista José Castro Caldas: “o único valor que isto tem é o de demonstrar que, como dizia Groucho Marx, se um princípio não convém em determinada circunstância muda-se de princípio”. O que se está a preparar é mais uma transferência de recursos públicos para o privado

Subitamente, multiplicam-se os apelos para mais Estado na economia. Empresas falidas devem ser salvas – mesmo que, originalidade nacional, possam despedir precários antes do lay-off e distribuir dividendos depois dele. A CIP propõe que o Estado entre agora nas empresas, para se ir embora, claro está, quando o lucro voltar. O insuspeito "Financial Times" decreta a sua conversão: “Os governos terão de aceitar um papel mais ativo na economia. Devem tornar o mercado de trabalho mais seguro. A redistribuição entrará novamente na agenda."
Sigo as palavras do economista José Castro Caldas: “o único valor que isto tem é o de demonstrar que, como dizia Groucho Marx, se um princípio não convém em determinada circunstância muda-se de princípio.” O que se está a preparar não é um novo papel para o Estado na economia, é mais uma transferência de recursos públicos para o privado. Porque as crises beneficiam sempre quem já tem poder. Como confirma um esclarecedor artigo da Bloomberg, onde se explica como, nos EUA, a migração para o teletrabalho significou um aumento de três horas diárias de trabalho e um reforço dos mecanismos de controlo.
O futuro está a ser escrito agora. Toda a política de emergência do Governo baseia-se em moratória e dívidas, não em subvenções diretas. O que quer dizer que se ligou a bomba relógio do endividamento de empresas e pessoas, muitas vezes em cascata. O Governo chutou a crise para a frente. Quando o ministro Pedro Siza diz que "despesas do Estado hoje são impostos amanhã" limita-se a anunciar, repetindo uma ideia tão fácil de perceber como falsa, a vinda do cobrador de fraque. Ao optar pelo endividamento de pessoas e empresas no socorro presente o Governo escolhe a austeridade na crise futura.
É natural e até compreensível que o faça. Depende totalmente da escolha que a Alemanha e a França imponham à Europa. O que aí vem é uma incógnita. Veremos se será quase tudo em empréstimo, se virá condicionado às “reformas estruturais” que têm contribuído para atrasar o país um pouco mais ou se acontecerá o tal “momento histórico”. E, já agora, se terá a envergadura necessária. Do que se conhece até agora e apesar dos entusiasmos dos que se querem entusiasmar, está bem longe disso. E se isto já parece ser difícil, é improvável que venha melhor depois de uma negociação.
Se nada fizermos, o que aí vem não será um sobressalto político que reequaciona o papel do Estado. Será a descapitalização dos Estados com mais transferências dos contribuintes para as empresas. Será maior exploração do trabalho com acesso a novas formas de controlo, ao estilo da Amazon, e mais transferências de trabalho para o capital. Será novo endividamento de famílias, empresas e Estados, com mais transferências para o sistema financeiro. Mais do mesmo, só que mais intenso.

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