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sábado, 23 de janeiro de 2021

A naturalização das crises

 

«(...)Não é a primeira vez que se aponta a causa da crise econômica em elementos alheios aos processos econômicos básicos – baseando-se no pressuposto circulatório perfeito, qualquer evento ou coisa podem ser responsabilizados. A própria história das crises poderia ser reconstituída por essas falsas atribuições. A crise do subprime, em 2008, por exemplo, foi culpa dos pobres que contraíram hipotecas sem ter condições de pagar (ou, numa versão antissemita, provocada pelas gananciosas instituições que forneciam crédito imobiliário para qualquer um). A crise da nova economia, em 2000, foi causada pela falsificação de balanços por algumas empresas ponto-com. A crise de 1974 foi provocada pela Opep que cortou a produção de petróleo no ano anterior. Exemplos não faltam e os neoliberais encontram constantemente motivos para culpar o Estado, sempre com sua autoritária mania de ingerência externa no mercado. Nesta versão, por exemplo, a crise de 2008 foi o resultado dos incentivos criados pelo governo Clinton que forçou o crédito imobiliário para as populações mais pobres, tradicionalmente alijadas do financiamento. Milton Friedman já até estabeleceu, em uma interpretação que pretendia refutar todos os teóricos até então, que a crise de 1929 foi provocada pela criação e pelas políticas adotadas pelo Fed tentando regular o mercado.3 Por fim, no caso mais famoso pelo exagero, o economista Stanley Jevons argumentou, num artigo de 1875, que as instabilidades na oferta de mercadorias estavam relacionadas às variações das manchas solares, responsáveis, em última instância, pelas crises comerciais ao afetarem os preços das commodities.4

Com o coronavírus se repete a constante externalização de causas. Embora seja motivo para grande preocupação, o vírus está longe de ser a razão da crise.(...)» Extracto, artigo de Maurílio Lima Botelho, in Boitempo blogue

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