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sábado, 30 de janeiro de 2021

Um livro polémico

 «O Século Português", Fernando Rosas, Francisco Louçã, João Teixeira Lopes, Andrea Peniche, Luís Trindade, Miguel Cardina, Tinta da China, Lisboa, 2020.

  Um conjunto de textos que pretendem analisar e expor sinteticamente aspectos fundamentais da formação-social capitalista portuguesa. Importa ler. Reflectir, admitir e criticar. É atraente porque trata da nossa história ainda contemporânea, porque é de leitura fácil, porque muito do que lá se diz é objectivo e não temos com que contrariar. Os seus autores, de resto, conquistaram indiscutível autoridade científica nas áreas em que se movem.

Pois bem.

Quanto a isso nada a contestar, bem pelo contrário.

O busílis é quando chegamos à dezena de páginas do texto do historiador F. Rosas onde opina sobre a Revolução Portuguesa de 1974/1975 e o seu termo com o chamado "golpe novembrista". Aí perde a credencial científica (embora a ciência historiográfica não seja igual à da Física...) e entra na opinião. Assim, opina sobre o papel do PCP de um modo completamente pejorativo responsabilizando-o pelos motivos que causaram a divisão do MFA e provocaram o golpe do "Grupo dos Nove"; afirma mesmo, sem provas documentais (não as assinala em rodapé), que o PCP quis travar a Revolução e somente no cume desta é que interveio. Ou seja : o historiador emérito do Estado Novo perde as estribeiras e defende o papel que ele próprio desempenhou na Revolução  como um dos chefes de um partido que fez do PCP o "inimigo principal". Esse papel, sim, está amplamente e há muito tempo demonstrado. Ora, desempenhado esse papel fica-se (fico eu e outros mais estou convencido) com esta interrogação capital: quem realmente deu mais motivos ás divisões do MFA e ao seu controlo pelo "Grupo dos Nove"? Quem mais assustou as camadas sociais intermédias? Não teriam sido os "esquerdistas" maoístas? Não teria sido o MRPP, um partido provocatório objectivamente, que mais serviço prestou à contrarevolução das "camadas sociais intermédias"? Tem ele, historiador, provas de que o PCP (Álvaro Cunhal como o autor insiste em pessoalizar) pretendeu instaurar um regime "totalizante" (??) - "de cima para baixo", "à margem de qualquer verdadeiro escrutínio democrático"? Se foi "travão" dos gloriosos propósitos da espontaneidade popular (guiada, evidentemente, pelos maoístas) a qual quereria (?) um regime político "revolucionário" indeterminado (a tal "República Popular"? Até na própria China da época os maoístas ortodoxos já não sabiam como orientar-se), que "comunismo" quereria então o PCP? Provavelmente quis apoiar uma genuína Revolução Democrática e Nacional que conquistasse o máximo possível (tão irreversível quanto possível) nos caminhos rumo ao socialismo. Conquistas muitas que acabaram por ficar plasmadas na Constituição, como reconhece o historiador. Um largo sector empresarial público, em especial, contra a vontade de muitos maoístas "antiburocráticos"...Qual foi o papel histórico dos "esquerdistas"? Foi juntarem-se ao movimento de classe contra o que se dizia ser "uma nova ditadura" pretendida pelo PCP. As suas acções aventureiras (como determinadas greves extemporâneas), as suas agressões verbais, a desordem das suas divisões em múltiplos partidos e facções, os objetivos completamente utópicos de muitos dos seus incautos seguidores que sonhavam com o paraíso para um país real e profundo que não conheciam de todo, contribuíram para o 25 de Novembro. O inimigo principal (expressão usada pelo autor F.R.) -o PCP e o seu projeto de Revolução Democrática e Nacional- foi-o para os esquerdistas e para o PS de Mário Soares aliado às forças sociais e políticas mais reaccionárias do país de então. Para os esquerdistas, todos eles, o inimigo principal não foram as hostes fascistas, o terrorismo fascista, a intervenção da CIA a pedido de Soares. O resto é treta.

Em conclusão: assim muito dificilmente a historiografia suporta algum estatuto científico... 

É claro que opinei tomando como objetivo aquilo que julgo ainda ser objetivo. Não sobre o carácter e a intenção de muitos dos intervenientes, tanto do lado do PS e do lado do "esquerdismo" (de resto, muito conflituoso entre si próprio), como do lado dos militantes, dirigentes e simpatizantes do PCP. Ninguém fica isento de culpas, erros, abusos e excessos. Porém, é necessário distinguir-se o essencial do acidental. E, acima de tudo, não difamar-se, como se fez e continua a fazer-se, Álvaro Cunhal acusando-o de querer instaurar uma ditadura quando, na verdade, ele foi um dirigente pragmático, leninista, que preservou o partido de aventuras suicidas. Por isso, ele foi respeitado, o PCP foi respeitado, pelos operacionais do 25 de Novembro.

Eu mesmo nos anos sessenta, anos da minha adolescência e juventude, naveguei nos céus translúcidos das utopias. O entusiasmo optimista com que se escreviam os livros que nos chegavam com mil cuidados da França e da América Latina galvanizava-me. Muito mais, mas mesmo muito mais, que o caldo requentado, cheirando a estagnação e monolitismo, que sentia na propaganda da URSS e dos regimes que ela dominava. Quando, afinal, viria a sentir muita mais tristeza e até estupefacção quando esse mundo gigantesco ruíu. 

É necessário acrescentar desenvolvida e empiricamente este dado fundamental para se entender o colapso do chamado PREC e o golpe militar do 25 de Novembro: o boicote internacional económico e político ao Portugal da aliança Povo-MFA, ao Portugal do controlo operário e das vastas nacionalizações. Boicotada a economia real (o comércio, os investimentos, etc.), proibidos os empréstimos e encerrado os circuitos do capital, a Revolução, isolada e sufocada internacionalmente, estava perdida e o "Grupo dos Nove" interveio, não para a salvar obviamente, mas para a travar (para Mário Soares e a Direita, para a esmagar). Esse bloqueio teve como chefe-de-fila Mário Soares o seu grupo de fiéis e como pretexto (para a opinião publica e pequeno burguesa) a "desordem" conduzida pelos "maoístas".

Na URSS, em 1976, país onde eu realizava um mestrado, altos especialistas de política internacional avisaram: "Ireis ter a social-democracia por muitos anos! O que conquistastes, se o conseguirdes conservar boa parte, já será um grande feito para o vosso povo heróico!" (Referiam-se sobretudo à Reforma Agrária).

Não tivemos a social-democracia, mas o cavaquismo. Não tivemos a "normalização democrática", mas a contrarevolução. Sem uma ditadura fascista. Bastou uma democracia modelada pela grande burguesia. 

E porque é que a maior parte dos atentados bombistas terroristas da extrema direita fascista ocorreram depois do 25 de Novembro?

E porque a grandíssima parte desses atentados (excepto contra indivíduos da própria rede fascista) foi contra as sedes do PCP e não contra os grupos ou partidos maoístas? Quem era o "inimigo principal" (para não dizer único) e o que tinha ele feito que tanto ódio assassino provocou nos fascistas (abençoados e estimulados pela Santa Igreja, como sempre na nossa História)?

Porque o PS de Mário Soares forjou um partido "esquerdista" (AOC) para provocar a confusão?

Qual era realmente o programa escrito do MRPP?

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