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sábado, 1 de maio de 2021

Uma importante contribuição

 

 ÁLVARO GARCIA LINERA é o vice-presidente da Bolívia

(A.G.L.) «Nesse caso, qual o significado de socialismo? Significa que nacionalizamos bancos, empresas e indústria? Mas o socialismo nunca foi sobre isso. Quando se olha para 1917 ou, ainda antes, para a Comuna de Paris de 1871, encontramos a mesma ideia marxista: socialismo não é nacionalização. O socialismo não é a democratização do acesso aos bens, mas a democratização do controle, propriedade, uso e gestão deles.

Portanto, a questão é: como adentrar essa comunidade de bens? Por meio de um decreto executivo? Obviamente que não, porque um decreto é algo imposto por burocracia ou por alguma elite, mesmo que essa elite seja popular, revolucionária, etc. Mas uma coisa que aprendemos com as revoluções sociais do século XX é o seguinte: você não pode dizer: “Eu represento a classe trabalhadora”. Não posso me atribuir a representação da classe trabalhadora, ou das mulheres, ou dos indígenas. O movimento das mulheres será levado adiante pelas mulheres, o movimento indígena pelos indígenas e o movimento operário pelos trabalhadores.

O século XX mostrou que você não pode suplantar a sociedade com o Estado. Então, para onde isso nos leva? Um governo só pode ser conduzido numa direção radical quando a própria sociedade ordena que é disso que ela precisa.

E essa virada vai acontecer? Esperamos que sim, porque é o sonho do socialismo democrático. O socialismo democrático não é um conjunto particular de políticas; é a possibilidade de um crescendo de transformações sociais se unindo para alcançar a vitória. É a ideia de um transbordamento da democracia: da esfera eleitoral ao Estado, do Estado à economia, e então para as fábricas, bancos, dinheiro, propriedade… e assim por diante.

MM/FO

Não é perigoso exagerar esses riscos de uma abordagem política centrada no Estado? Você parece sugerir que certas formas sociais — dinheiro, mercado, valor — não podem ser mudadas simplesmente por decreto governamental ou nacionalização espontânea, e que deve haver um processo mais longo de transformação.

Mas mesmo se a nacionalização trouxer seus próprios problemas, essas medidas não seriam necessárias para conter o tipo de pressão empresarial que pode ser usada contra o Estado? Como Fred Block e outros colocam, será que não ficamos vulneráveis a uma “greve de capital” enquanto não agirmos decisivamente sobre os monopólios capitalistas? Vimos esse problema surgir com Allende no Chile e, mais recentemente, na Venezuela, mas também com governos muito mais moderados, onde os programas de reforma acabam se chocando com o imperativo do lucro. No limite, será que a estabilidade dos processos transformativos não depende da desestabilização da burguesia como classe econômica dominante?

AL

A abordagem de Block é interessante porque, ao contrário de outras interpretações marxistas, ele considera uma realidade prática, real e concreta: quando um governo progressista chega ao poder, os capitalistas como classe — mesmo sem se falar entre si — naturalmente, tendem a esconder seu dinheiro.

Mas, aí já estamos supondo que governos de esquerda ou progressistas chegam ao poder em momentos de estabilidade capitalista, quando, na verdade, é o oposto. Eles surgem em momentos de crise — isto é, quando os capitalistas não estão gastando ou contratando, quando o governo e a economia não estão funcionando.

Quando um governo de esquerda chegou ao poder havendo pleno emprego? Os governos progressistas surgem precisamente quando o capital foge do país, quando não há investimento e a especulação é galopante, quando há desemprego em massa e uma mobilização social generalizada. O governo de esquerda responde à demanda do povo para lidar com a situação. É a fonte de sua legitimidade.

Se eles não atenderem a essas demandas, não será porque foram limitados pelas classes dominantes; é porque esse governo não estava disposto a ir longe demais ou tinha medo das consequências. Em outras palavras, as restrições estão dentro do próprio governo, em sua visão de mundo e autoconfiança.

Na Bolívia, assumimos o poder em meio a uma crise econômica. Se não tivéssemos nacionalizado setores-chave, a crise teria se prolongado por mais dez anos. Da onde íamos tirar dinheiro? Das telecomunicações, energia elétrica e hidrocarbonetos. Com essas energias sob o controle do Estado, você consegue estabelecer políticas públicas.

Rapidamente, os salários tornam-se um obstáculo. Mas, ao longo de catorze anos, nunca nos reunimos com os patrões a fim de negociar salários — fizemos isso com a COB (Central dos Trabalhadores Bolivianos). Claro, você também tem que calcular como estão as vendas em um determinado setor, como estão os lucros, como os impostos estão sendo cobrados, como a economia está crescendo. Você pode apertar a classe empresarial de um lado, mas tem que devolver esse dinheiro do outro, com subsídios para as contas de luz, transporte, gás e assim por diante. Assim, quando a classe empresarial começar a protestar, você poderá lhes dizer: “Estou te dando gás e água a preços subsidiados. Você diz que não vai aumentar os salários? Então, por que não cortamos seus subsídios e equilibramos as coisas?”(...)»

 

Como os socialistas podem continuar vencendo no século XXI

29/04/2021

Uma entrevista com
Álvaro García Linera

in Jacobin Brasil

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