A crise de todos os reformismos
Existem na atualidade, grosso modo, duas formas de reformismo nos projetos e doutrinas políticas.
Primeiro reformismo- É verídico que o grande capital financeiro capturou o capital industrial e comercial que não seja detentor de bancos e seguradoras; é verídico que a economia “real” (produtiva) fica refém e tendencialmente desvalorizada face ao fantástico enriquecimento mais fácil através do endividamento dos outros, da especulação bolsista, da economia de” casino”, dos investimentos nos serviços (Saúde, Ensino, cultura-espectáculo-divertimento-turístico). É a face visível (não necessariamente a mais essencial) do capitalismo dito erradamente “neo-liberal”. O primeiro reformismo é aquele que aponta estes comportamentos e defende maior regulação do capitalismo e do mercado, investimentos avultados e estratégicos públicos, reformas no Euro e bancos centrais (federais e nacionais)suficientemente independentes para conter os grandes bancos privados tentaculares do tipo da banca alemã e do FMI, melhor democracia e mais justiça social na distribuição da riqueza. Este reformismo opõe-se ao “neoliberalismo”, aponta-lhe certeiramente culpas nas crises recentes e quer evitar o explodir de uma crise mais grave económico-financeira e social.
O segundo reformismo é pensar-se que um partido vocacionado desde a sua origem para destruir o capitalismo como modo de produção possa domesticá-lo socializando-o, sem lhe retirar a hegemonia política. Julga com boa ou má-fé que esse tipo de partidos ditos revolucionários deva integrar-se no jogo das instituições ditas democráticas exclusivamente (parlamentos, eleições, governos locais e regionais), considerando que o proletariado “clássico” (produtivo, das grandes indústrias-casernas) tenderia a desaparecer substituído pelas “classes médias” (entendendo-se os estratos compostos por assalariados dos serviços públicos e privados, técnicos, “produtores do imaterial”, etc.); concluindo, em suma, que o operariado produtivo diminuiu consideravelmente e os assalariados do setor dos serviços tem crescido com a deslocação do capital para este setor da economia “não produtiva”.
Nenhum destes reformismos é completamente novo: o primeiro esteve na origem da doutrina de Keynes e, de alguma forma, no lançamento da solução do New Deal, tendo sido derrotado precisamente pelo capital financeiro novamente e pelo “neo-liberalismo”. O segundo reformismo já se notava no último quartel do século XIX entre Ferdinand Lassalle e o chanceler alemão Bismarck.
Os últimos quarenta a cinquenta anos assistiram à derrota do primeiro reformismo e do segundo conforme as mesmas causas determinantes.
Contudo, assistiu igualmente à derrota dos projetos revolucionários experimentados.
A História parece repetir-se, mas não se repete da mesma forma. Os reformadores e os revolucionários já não se apresentam com as togas romanas.
Somente se repetem as lutas entre as diferentes e opostas classes e estratos sociais. É a luta, não a forma da luta necessariamente, nem os protagonistas, nem os cenários.
Pode parecer que se repete se a extrema-direita empurrar (ou encurralar) toda a Direita política nos seus projetos “revolucionários” em países suficientemente importantes e, assim, trazer uma tábua de salvação aos desejos de solucionar a crise da taxa de mais-valia e a própria economia “real” donde se extrai essa mais-valia; o grande capital financeiro salvando-se através do empoderamento absoluto do estado (totalitarismo, como dizia Mussolini). É possível mas pouco provável a menos que rebente uma crise mundial descontrolada, na qual as rivalidades rebentem como um vulcão imparável. Lembremos que o capital precisa dos conflitos e das guerras, para se autodestruir em parte e renascer.
Pode parecer que se repete se vencer a doutrina da economia “pública” de Keynes ( reformas e reforços dos Estados) com a desejada regulação dos mercados (nesta altura sobretudo financeiros), das dívidas vampirescas, etc. E, assim, a social-democracia retomar o seu curso histórico (o curso para o qual se originou), travando simultaneamente os excessos do grande capital (financeiro e vampiresco nesta altura) e as revoltas dos esmagados pelo rolo compressor da brutal desigualdade e injustiça social.
Ninguém hoje saberá dizer que um ou outro reformismo sairá vencedor a médio prazo (a curto prazo seguramente que não).
Ninguém poderá garantir que a “solução” totalitária (chamemos assim por empréstimo do passado) será a mais provável.
O que se pode porventura garantir é que a história não se repete da mesma forma.
Primeiro, porque o chamado “neoliberalismo” e o triunfo do capital financeiro resultou de tendências essenciais (ontológicas) do movimento do capitalismo (Marx já previra esse desenvolvimento inevitável do dinheiro na sua obra O capital se o capital não encontrasse opositores).
Segundo, porque às formidáveis alterações climáticas provocadas pela economia somam-se os coices senis do império norte-americano.
Qual será a melhor solução? Será a solução chinesa a melhor? Não se tenderá a cair no erro de exportar um modelo como se fez na antiga e morta União Soviética revolucionária? Mas, se assim não for, que caminhos sobram?
02/10/2021
Sem comentários:
Enviar um comentário