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quinta-feira, 14 de outubro de 2021

Prolegómenos-ÉTICA-13

 

« (...) Ao menos dentro do marxismo tradicional e do socialismo mainstream e dos movimentos de trabalhadores, há uma tendência histórica de pensar a luta de classes num sentido estreito, ou seja, como lutas no momento da produção pela taxa e distribuição de mais-valia extraída dos trabalhadores assalariados nas fábricas. E aí, claro, é esperado que essas lutas se expandam para além das portas da fábrica, desenvolvam uma dimensão política, e adotem outras causas. Mas eu ainda acho que, de maneira geral, essa imagem da luta de classes, como essencialmente preocupada com o trabalho assalariado em contextos industriais, continua sendo uma imagem muito poderosa. 

Essa imagem da luta de classes levou muita gente a argumentar contra o que Chantal Mouffe e Ernesto Laclau chamaram “essencialismo de classe”. Nesses debates, defendia-se que a luta de classes não é o único tipo de luta nas sociedades capitalistas, e que ela não tem o monopólio sobre o que constitui uma visão justa da sociedade. Os que denunciaram o essencialismo de classe dizem que socialistas e marxistas não têm o monopólio da nomeação de todas as formas de opressão e injustiça. E, de fato, sociedades capitalistas foram historicamente espaços nos quais tremendas lutas por causa de trabalho não-livre e dependente e várias outras formas de opressão ou dominação que não se enquadram nos parâmetros convencionais de lutas de classe. Em outras palavras, uma posição diz: “A luta de classes tem um significado muito específico e, portanto, precisamos validar lutas que não são de classes, que possuem um outro sentido.”

Porém, em outra perspectiva, alguém poderia dizer que o problema está na estreita definição de luta de classes. Se considerarmos novamente a primeira parte da nossa conversa, é a concepção expandida de capitalismo que discutimos que nos permite ver os conflitos de classe sob uma luz diferente. Da mesma forma que o capitalismo não é apenas uma economia, classe não é apenas a luta na esfera da produção. Se você entende o capitalismo como algo que engloba todas essas condições de fundo, que são necessárias para os lugares extremamente especializados onde o valor excedente é acumulado, extraído dos salários do trabalho explorado, você também consegue compreender que a reprodução social é um componente igualmente essencial do sistema, bem como a forma que suas partes se encaixam. Se o mesmo é válido sobre a natureza, os bens públicos, as capacidades regulatórias e as formas legais que nós pensamos como políticas, então pode ser perfeitamente verdade que as lutas que envolvem essas coisas também são anticapitalistas ou pelo menos lutas a respeito dos componentes essenciais do sistema capitalista. Colocadas sob o ângulo correto — o que não acontece — elas também podem ser entendidas como lutas de classes.

Lutas pela reprodução social são historicamente, de fato, parte da luta de classes. É o que está por trás de poderosas demandas do movimento trabalhista por um salário familiar. Essa demanda foi tanto uma luta, literalmente falando, pelas condições de emprego, quanto uma luta pelas condições de reprodução social e da vida doméstica. No fim das contas, não foi uma das melhores soluções para as mulheres ou para aquelas parcelas da classe trabalhadora que nunca foram consideradas elegíveis para um salário familiar. Mas, como você pode ver, dependendo de como falamos sobre conflito de classe, as coisas podem se tornar complicadas rapidamente.

De certa forma, a melhor solução é redefinir classe e luta de classes de um modo abrangente. Porém, ao mesmo tempo, precisamos ser cuidadosos ao distinguir o que significa dizer que existe um senso diferente de luta de classes. Expresso isso com uma preocupação particular em mente: encontrar melhores formas de promover os tipos de alianças amplas que precisamos para tomarmos os gigantescos poderes que precisam ser confrontados e desmontados.(...)» Nancy Fraser, filósofa, entrevista, in Jacobin,11/10/2021

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