Nos
EUA, nova arrancada de Bernie Sanders revela: é possível vencer
preconceitos da mídia — desde que se apresente propostas concretas, em
vez de discurso doutrinário
Diminui
a cada dia, nos EUA, a distância que separava a candidata oligárquica
do Partido Democrata à Casa Branca, Hillary Clinton, do outsider à sua esquerda, o senador Bernie Sanders. O próprio New York Times reconhece: em um mês, Hillary viu sua vantagem de 20 pontos percentuais, entre os membros do partido aptos a votar nas eleições primárias, derreter para 7 pontos. Outras sondagens já
mostram uma virada na primárias de dois estados importantes. Em Iowa,
onde começa a disputa (em 1º/2) e New Hampshire (9/2), Sanders está à
frente com 5 pontos de vantagem. Sua liderança concentra-se entre os
candidatos mais jovens, onde tem o dobro de preferência. Quais as
razões? A esquerda brasileira teria algo a aprender com elas?A primeira
grande barreira que Sanders parece saber enfrentar é a do preconceito.
Para frear o ascensão do candidato, seus adversários apostam no desgaste
da palavra que o senador emprega para definir a si mesmo: “socialista”.
Contudo, Sanders não se presta ao papel de espantalho, analisa
Robert Reich, professor de Políticas Públicas da Universidade de
Berkeley e ex-ministro do Trabalho (no governo de Bill Clinto). Segundo
ele, as pessoas começaram a entender que o senador não é o socialista
retratado nas caricaturas da Fox News, mas alguém semelhante a Franklin
Roosevelt.“Há um século, Roosevelt quebrou a Standard Oil porque ela
representava um perigo à economia dos EUA. Hoje, os bancos de Wall
Street representam um perigo ainda maior”, diz Reich. Refere-se a uma
proposta de Sanders, que pretende restabelecer a lei rooseveltiana Glass-Steagall,
revogada em 1999 pelo lobby de Wall Street. A lei tem dois objetivos:
1) combater a cartelização bancária; e 2) impedir a especulação
desenfreada com ativos financeiros. Joseph Stiglitz, Nobel de Econômica,
e Nouriel Roubini, o economista que previu a crise de 2008, concordam
com a reforma em Wall Street proposta pelo senador. “O plano mais
modesto de Hillay Clinton é inadequado” conclui Reich.O colapso
financeiro de 2008, causado por Wall Street, parece não ter promovido
apenas instabilidade econômica. Também abriu as portas para o que o
sociólogo Immanuel Wallerstein chama
de “o colapso do centro”, em muitas “democracias” ocidentais. As
pesquisas norte-americanas revelam um cenário eleitoral semelhante ao
registrado nas urnas espanholas, portuguesas e gregas, onde parte da
esquerda conseguiu se reinventar e transformar a revolta dos 99% em
novas esperanças.Como na Europa, há dois grandes desafios. O primeiro é
formular propostas mais ousadas e atraentes que os pré-candidatos da
nova direita. Nos EUA, são hoje mais carismáticos e nacionalistas, gente
como o bilionário Donald Trump e o religioso Ted Cruz. O segundo é
superar velha esquerda, insossa porém poderosa, representada por Hillary
Clinton.Aparentemente, Sanders progride. Não decola somente nas
pesquisas eleitorais, mas também nos sinais de um engajamento social
massivo. O senador atingiu, há dias, nova marca histórica
de doações individuais: 2 milhões de apoiadores. Bateu o recorde ao
dobrar o inédito desempenho de Obama em 2008. Nos últimos três meses, angariou
US$ 33 milhões para sua campanha, apenas US$ 4 milhões a menos que
Hillary — que aceitou doações de Wall Street e de lobistas das grandes
redes de prisões privadas. Na soma total Sanders continua em
desvantagem: obteve U$ 73 milhões, enquanto Clinton angariou US$ 112
milhões.Do lado do Partido Republicano, a maior dificuldade dos
pré-candidatos tem sido propor saídas para estancar o aumento da
pobreza, segundo aponta Eduardo Porter no New York Times. Entre os países da OCDE, os EUA figuram entre as piores colocações quando o assunto é desigualdade de renda e pobreza.
Estão atrás até mesmo dos estigmatizados “PIGS” da Europa (Portugal,
Itália, Grécia e Espanha), e à frente apenas do México. Porter mostra
como o plano de mais austeridade do histriônico bilionário Donald Trump e
Ted Cruz, ligado ao movimento ultradireitista Tea Party e ex-assessor
de George W. Bush, só aprofundariam ainda mais a crise no país. E, para
azar dos dois, aliados do 1% da elite financeira, 63% dos
norte-americanos acham a questão da desigualdade muito importante, mostra pesquisa recente do Gallup. Por isso, mesmo tendo uma cobertura midiática 23 vezes menor que Trump, o socialista Bernie Sanders tem um potencial de vitória crescente, com uma vantagem
de 13% nas eleições gerais sobre a principal liderança republicana; e
uma rejeição nacional menor que Clinton (59% dos americanos a consideram “desonesta e nada confiável”). Isso explica porque Sanders foi capaz de reunir multidões – mais de 100 mil pessoas, na soma de seus últimos comícios — além de uma onda de seguidores nas redes sociais. Tornou-se, de longe, a maior atração na campanha eleitoral.
Enquanto os ventos sopram à direita nos países afetados recentemente
pela crise, como na América Latina, parecem empurrar à esquerda nos
países que hoje lutam contra a recessão imposta após a crise.
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