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sábado, 18 de julho de 2020

Uma análise muito interessante, a meu ver, uma espécie de homenagem involuntária ao socialismo marxista-leninista, isto é, às teses sobre as crises imanentes ao sistema capitalista e , afinal, à larga possibilidade de outras alternativas, porque quem as decide são as classes, as coeltividades humanas, os poderes.


ilustração lovatto
É profundamente desconcertante descobrirmo-nos a viver numa economia programável. De repente, aquilo que todos os economistas e políticos nos tinham assegurado não poder ser feito — construir uma economia com objetivos sociais altamente especializados — materializou-se perante os nossos olhos. O pleno significado da experiência só agora começa a ser entendido

texto Bruno Maçães
ex-secretário de Estado dos Assuntos Europeus; senior fellow no Hudson Institute
Pelos filmes sobre desastres, sabemos que durante uma catástrofe o tempo deve acelerar, não ficar parado. Se há meses nos tivessem pedido para traçar um cenário, a maioria de nós teria imaginado momentos de caos e desordem, semelhantes ao profundo caos social em Florença durante a praga descrita no século XIV por Boccaccio no seu “Decameron”, “todo o respeito pelas leis de Deus e do homem (...) quebrado”.
Em vez disso, durante semanas após chegar a pandemia do coronavírus, o silêncio e a compostura pareceram reinar. As economias foram paradas de um momento para o outro — deliberada e metodicamente — e isto também confundiu as expectativas. Pela primeira vez, uma crise económica resultou não de uma súbita perda de controlo sobre processos económicos mas de uma decisão coletiva de desligar grandes segmentos da economia. Num gráfico parecia menos adequado desenhar a linha de uma queda a pique do que a de uma linha congelada no tempo.
As pandemias são um fenómeno recorrente da história humana. A “grande pausa” é nova. Ao avaliarmos o significado histórico da pandemia, a forma como optarmos por responder poderá ser mais reveladora do que o evento natural em si mesmo. Paradoxalmente, as sociedades modernas regidas pelo movimento contínuo responderam à crise parando grande parte da atividade social e económica. Enquanto escolha de política pública, poderá ter sido inevitável. Como experiência, não tem precedentes.
Na gripe espanhola de há um século, as pessoas adaptaram o seu comportamento individual, mas a vida social continuou mais ou menos como antes. Foram encerrados “lugares públicos de diversão”, mas a vida e o trabalho foram de modo geral pouco afetados. Muitos trabalhadores sofreram, morrendo em fábricas e minas; porém, nos Estados Unidos o produto interno bruto real até cresceu em 1919, embora uns modestos 1%. O comércio de retalho mal foi afetado e as empresas não declararam bancarrota a níveis fora do habitual.
Com o coronavírus a resposta foi muito diferente. Abruptamente e com pouco aviso, a economia foi posta em pausa. Em parte, por agora termos as ferramentas para o fazer: a internet e outras tecnologias de informação e logística para manter em funcionamento serviços essenciais, e bancos centrais e governos ativistas para gerir o choque económico resultante. A ilusão de que o tempo económico não pode ser parado — de que a economia é uma entidade orgânica que escapa ao controlo social — foi tacitamente destruída.
LUZ O fotógrafo José Fernandes faz incidir a luz sobre a figura humana josé fernandes
Um funcionário da área da Saúde no Reino Unido explicou recentemente que ao início nenhumas medidas restritivas foram estabelecidas por ninguém saber se era possível — muito menos fácil, como ele disse — impor um confinamento numa sociedade moderna. Sem a pandemia, poderíamos jamais ter descoberto isso. Tal como o herói de um Bildungsroman, tivemos de esperar por uma crise inesperada para descobrirmos a verdadeira extensão dos nossos poderes. A crise deixará cicatrizes, mas também acordará forças novas e insuspeitadas. A explosão de protestos públicos sobre injustiça racial em semanas recentes é apenas um exemplo — uma antecipação de outros movimentos que aí vêm.
Alguém disse uma vez que é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo. É uma formulação plausível, mesmo no seu efeito cómico. E, contudo, a atual crise provou o contrário. O capitalismo foi notavelmente fácil de parar — ou pelo de interromper. Apenas se necessitou de uma genuína crise ambiental, uma crise onde as condições externas para uma economia capitalista foram subitamente removidas.
O novo coronavírus conseguiu em dias aquilo pelo que tanto progressistas como nacionalistas lutavam há muito. Poderosos interesses económicos foram marginalizados, indústrias inteiras tiveram de encerrar temporariamente, o consumo de petróleo caiu a pique, fecharam-se fronteiras nacionais e impuseram-se proibições de exportações. Foi uma experiência de humildade, com reverberações políticas diminuídas em comparação com a gigantesca onda natural da pandemia. Mas também foi um momento de conversão, onde se pôde finalmente ver o sistema económico e social como ele é. A “grande pausa” revelou uma verdade oculta, e uma vez relevada ela não pode ser esquecida.
Um estudo recente estima que 42% dos despedimentos induzidos pela pandemia resultarão em perdas de emprego permanentes. Sectores inteiros estão destinados a fechar. Outros novos serão criados
Entre as crenças que em tempos foram inquestionáveis e poderão agora adquirir um novo significado conta-se a ideia da economia como um organismo vivo. Não é uma ideia insignificante. A economia moderna baseia-se na noção de uma esfera económica autónoma — mercados capazes de criar inovação através do seu poder próprio e resistentes a manipulação externa. Sem este conceito, as economias ocidentais não teriam conseguido produzir nem o dinamismo económico de que desfrutaram no último século nem o nível de consenso político que o permitiu.
Segundo a perspetiva que herdámos, a economia é demasiado complexa para ser alvo de engenharia. Cresce, não é feita. O conhecimento não é totalmente acessível. Esconde-se em milhões ou biliões de unidades que interagem, demasiado misteriosas para serem enunciadas. Assim como os sistemas vivos mantêm um estado de equilíbrio dinâmico estável, ou homeostase, o mercado também se consegue regular através de feedback negativo e mecanismos igualmente automatizados. Uma maneira diferente de ver a economia marcaria um novo começo na história do capitalismo moderno.
Os polos do debate económico ocidental no século XX partilharam a mesma metáfora subjacente, embora com ênfases ligeiramente diferentes. Quando o ícone conservador Friedrich Hayek comparou a economia moderna a um organismo vivo, queria gerar uma espécie de respeito, ou maravilhamento, com a ordem do mercado, situando o conhecimento económico para lá do controlo humano. Conforme explicou uma vez, assumir que o sistema económico existente deve ser deliberadamente controlado é o vestígio derradeiro de uma mente primitiva que vê uma intenção em tudo. Em vez disso, devemos pensar na economia como “um organismo no qual cada parte desempenha uma função necessária para a continuação do todo, sem que nenhuma mente humana o tenha concebido”.
FIGURA A representação humana é o fio condutor do olhar do fotojornalista josé fernandes
O ídolo da economia de esquerda contemporânea, John Maynard Keynes, não discordava. Também ele via a moderna economia industrial como um organismo vivo e foi fortemente influenciado pelo pensamento darwinista nos seus escritos iniciais. O seu desacordo com a economia clássica tinha que ver com a questão de saber se se podia confiar na economia para se manter a si própria em boa forma — em equilíbrio — ou se poderia ser necessária alguma intervenção ocasional das autoridades públicas. A questão não era se a economia devia ser encarada como um organismo vivo, mas se esse organismo poderia às vezes precisar de um médico.
Keynes acreditava que as flutuações na procura agregada tinham de ser geridas, pois determinavam o estado geral da economia, incluindo a produção agregada, e portanto o emprego. De facto, Keynes enfatizou a natureza de uma economia moderna como um carrossel. O protelamento de gastos ou investimentos representa uma perda imediata de receita e rendimento para a empresa que produz o bem ou o equipamento. Parem um elemento da economia e tudo desata a ruir.
Mas se tanto Hayek como Keynes viam a economia como um organismo vivo ou uma inteligência natural, estamos à beira de a ver como algo semelhante a um programa de computador, uma inteligência artificial. Após aquilo a que assistimos durante a pandemia, faz sentido comparar a economia a um código de computador. A “grande pausa” imposta pelas autoridades foi como se um programador informático removesse uma mão-cheia de processos e subprocessos do seu código e deixasse correr o resto largamente sem alterações. Com as ordens de confinamento em março, pelo menos um quarto da economia americana — tudo o que já não podia funcionar em segurança no novo ambiente, desde restaurantes e ginásios a cinemas — foi retirado de linha, enquanto o resto continuou a operar com disrupção limitada.
Uma das surpresas foi que isto podia resultar. No início da pandemia, na Europa e na América do Norte, o medo generalizado de que a vida social e económica fosse irreparavelmente afetada levou muitos consumidores a armazenarem bens essenciais. Nas redes sociais circularam fotos e vídeos que mostravam longas filas à entrada de supermercados e prateleiras vazias lá dentro. Como economistas amadores, todos sabíamos uma coisa: com um choque externo suficientemente profundo, a economia podia bem colapsar como um castelo de cartas.
Não posso deixar de pensar no caso português. Se há uma ideia com a qual não convivemos bem é a ideia de que a economia é reformável. Poderá esta triste situação ser alterada?
Na verdade, as cadeias de fornecimento adaptaram-se e reajustaram-se a uma velocidade extraordinária. A Walmart começou a enviar produtos a partir de 2500 lojas, para responder a uma explosão de encomendas online gerada pela pandemia. No primeiro trimestre, as vendas de comércio eletrónico registaram um aumento de 74% relativamente ao ano anterior. Envios diretos a partir de lojas têm sido parte da estratégia da Walmart, mas a empresa rapidamente contratou mais de 235 mil novos trabalhadores para se adaptar às mudanças da procura na era do coronavírus. “Um dos aspetos de inovação que poderão passar despercebidos é que a nossa equipa descobriu como contratar pessoas num período de tempo muito mais curto”, disse o CEO Doug McMillon numa recente comunicação do relatório e contas. “O que nos teria levado dias e semanas, levou-nos horas e dias.”
Em Itália, quando o Governo anunciou o encerramento prolongado de atividades não-essenciais, umas cem mil companhias candidataram-se a uma isenção legal, com base no facto de que faziam parte de uma cadeia de fornecimento de empresas que eram elas próprias essenciais. Assim, por exemplo, uma empresa que fabrique sistemas de produção de energia poderá ser autorizada a continuar aberta por os seus clientes estarem em cadeias de fornecimento essenciais. A empresa enviaria um e-mail certificado às autoridades, e a informação fornecida seria verificada junto de registos disponíveis e de informação fornecida por outras empresas. O fabricante de pneus Pirelli reportou em março que a sua produção em Itália não foi de todo afetada, pois as viagens por carro eram permitidas dentro de zonas de confinamento. A empresa disse que recebia informação em tempo real para gerir a logística. Este nível de análise dinâmica da cadeia de fornecimento — simulações continuamente feitas e atualizadas — teria sido impossível antes dos recentes desenvolvimentos nas tecnologias de informação e comunicação, os mesmos desenvolvimentos que facilitaram o crescimento de cadeias de valor complexas.
A procura de robôs disparou, em especial na cadeia de fornecimento alimentar. Se os trabalhadores são mantidos em casa ou não podem atravessar fronteiras por causa da pandemia, máquinas que colhem e entregam comida são uma solução óbvia. Noutros casos, houve um aumento na procura de robôs de desinfeção, equipados com ferramentas como luz ultravioleta para matar o vírus. Há muitos exemplos semelhantes onde a tecnologia mais recente tem ajudado a limitar perturbações nas cadeias de fornecimento.
Nada disto tem que ver com a interação espontânea de unidades económicas individuais de que os economistas gostam de falar. Na verdade, aproxima-se bastante daquilo a que Hayek chamava uma organização, algo afim de uma mente coletiva. Nalguns casos, o Governo assumiu a tarefa de reorganizar a atividade económica; noutros, grandes plataformas dominantes desempenharam essa função. A internet juntou os diferentes atores e ajudou-os a alinhar as suas perspetivas e os seus métodos. Qualquer resistência de interesses opostos foi efetivamente co-optada ou ultrapassada.
Ainda não é claro quão mais produto se perderá se houver choques adicionais na procura em resultado de um aumento do desemprego e da perda de riqueza doméstica e de gastos por parte de empresas; os programas de estímulos governamentais não conseguem preencher a lacuna. Mas devemos recordar que o confinamento mudou os padrões de consumo, desviando dinheiro para aqueles sectores ainda a operar quase em plena capacidade. Cerca de 35% dos gastos em alimentação — mais de 2,5 biliões de dólares anualmente — encontram-se à disposição, com os consumidores passando a jantar em casa e experimentando novos canais para comprar. No primeiro trimestre, as vendas brutas online da loja da Amazon cresceram 24% em relação ao ano passado. Em março essa taxa de crescimento rondou os 40%. Antes da pandemia, as compras de mercearia online representavam menos de 5% do mercado de mercearias americano. Espera-se que essa fatia atinja os 10% em 2020.
Tem havido muita especulação sobre se estas mudanças se tornarão permanentes. Quase de certeza que não. Haverá uma considerável reversão para a média, assim que o pior da pandemia terminar. Nem esta é a questão mais interessante. O que nos devia espantar não é o aparecimento de uma ou outra tendência histórica irresistível — trabalho à distância, o fim da globalização, uma ordem mundial chinesa — mas o súbito despertar de um novo poder coletivo para orientar a sociedade em outras direções.
É profundamente desconcertante descobrirmo-nos a viver numa economia programável. De repente, aquilo que todos os economistas e políticos nos tinham assegurado não poder ser feito — construir uma economia com objetivos sociais altamente especializados — materializou-se perante os nossos olhos. O pleno significado da experiência só agora começa a ser entendido.
Não posso deixar de pensar no caso português. Se há uma ideia com a qual não convivemos bem é a ideia de que a economia é reformável. À direita, os poucos liberais e conservadores que vão sobrevivendo leram demasiado Hayek para acreditarem na ideia. E à esquerda, os partidos estão tão comprometidos com diferentes grupos de interesses que a última coisa em que pensam é em agitar as águas. Poderá esta triste situação ser alterada? Não é impossível porque o novo tipo de reformas que a nova idade política anuncia é bastante diferente: com processos mais controlados e com objetivos mais sociais, o tipo de movimento coletivo que descrevo neste texto pode ser mais ao nosso gosto. Afinal, os portugueses souberam conduzir o confinamento com notável eficácia.
MOVIMENTO Da janela do carro, Tiago Miranda foi captando uma cidade vazia e estática tiago miranda
Há uns anos, Marc Andreessen alegou que o software estava a comer o mundo. Descreveu uma dramática e alargada mudança tecnológica e económica na qual empresas de software passavam a dominar grandes faixas da economia. O software estava inclusive a engolir muita da cadeia de valor de indústrias que são largamente vistas como existindo primariamente no mundo físico.
Esse processo poderá agora estar tão avançado que a melhor forma de pensar sobre a economia é como sendo o mais longo programa de computador do mundo, composto por linhas de código continuamente em evolução e manipuláveis. Isto não deve ser entendido como uma licença para nos limitarmos a seguir os nossos desejos. Estas linhas de código estão interligadas, e até o bug mais pequeno, se não for detetado, pode levar a um crash do sistema. O que a metáfora promete é a capacidade de parar, pensar e alterar as nossas circunstâncias. Em última análise, estamos fora do sistema económico e ele pode ser mudado de formas novas e surpreendentes. Ao contrário de um organismo vivo, um programa de computador não é algo formado, mas pode existir em versões diferentes, potencialmente infinitas.
No auge dos confinamentos, entre um quarto e um terço das nossas economias foram colocadas em pausa. Não há dúvida de que muitas coisas terão de mudar no futuro. Um estudo recente estima que 42% dos despedimentos induzidos pela pandemia resultarão em perdas de emprego permanentes. Sectores inteiros estão destinados a fechar. Outros novos serão criados. Para muita gente na esquerda radical e na direita radical esta é a doutrina que têm andado a pregar. Se economias inteiras podem ser reprogramadas para eliminar o risco de uma infeção viral, então deve ser possível fazer o mesmo em nome de outros objetivos sociais igualmente desejáveis. Quando o vírus chegou, as mesmas autoridades que sempre tinham dito que nada podia ser feito em relação aos sem-abrigo rapidamente descobriram meios para alojar os indigentes. Em suma: parem o relógio histórico e reorientem a atividade económica em novas direções, preservando o núcleo da ordem social e económica.
Isto leva-nos aos recentes protestos pela igualdade racial que nos Estados Unidos rapidamente se tornaram um movimento social a uma escala dramática. Quando George Floyd foi morto pela polícia, algemado e deitado de cara para baixo na rua de uma cidade, a nação largou a sua luta contra o vírus e virou-se para os seus demónios interiores e para a luta pela igualdade racial. Foi um momento exaltado, com manifestantes e desordeiros a descer às ruas, usando máscara mas juntos, em grupos grandes, contra todos os avisos de saúde anteriores.
A rápida passagem do confinamento para o protesto esteve longe de ser uma coincidência. A “grande pausa” foi ela própria um movimento social, o maior de que temos memória, e com natureza global. Numa questão de dias ou semanas, o vírus conseguiu reorganizar a sociedade em torno de um único objetivo, enquanto um conjunto de ferramentas poderosas eram desenvolvidas e aperfeiçoadas. Os manifestantes aprenderam com esse esforço coletivo, consciente ou inconscientemente. Acima de tudo, aprenderam que é possível outro mundo. (Vinda durante uma pandemia, a lição devia provavelmente ser: outro fim do mundo é possível.) O vírus ensinou-nos que a vida social pode ser reprogramada. Deixou em aberto a questão sobre que mudanças devem ser feitas no programa social.
A “grande pausa” assentou na tese de que a engenharia social funciona, ou pelo menos pode funcionar. Uma vez aceite esta tese — e tem geralmente sido aceite na luta contra a covid-19 — todos os tipos de cálculos sociais se tornam difíceis de resistir. Assim, dezenas de especialistas de saúde pública e doença americanos assinaram uma carta a dizer que a supremacia branca é uma questão letal de saúde pública que precede e contribui para a covid-19. Um epidemiologista escreveu que os riscos para a saúde pública de não nos manifestarmos pelo fim do racismo sistémico “excedem largamente os danos do vírus”. Lembro-me de ver um manifestante com uma placa onde se lia esta simples mensagem: “Tratem o racismo como a covid-19” — assumindo que se pode tê-la, ouvir especialistas falar sobre ela e mudar tudo na nossa vida para a extinguir.
Como se hão de fazer estes cálculos sobre até onde levar a mudança social e económica? Nem sequer estamos habituados a fazer a pergunta, pois jamais acreditámos que tínhamos o tipo de poder com o qual o exercício se torna tudo menos ocioso. As modernas sociedades ocidentais gostam de pensar em si mesmas como fazendo parte de um movimento da história a acelerar — progresso, entendido em termos gerais. Com frequência, porém, a sensação nestas sociedades é que perdemos o controlo sobre todo o movimento ou agitação à nossa volta. A economia tem a sua própria lógica e deve ser deixada aos seus próprios processos. A sociedade tem uma direção predeterminada, que podemos aplaudir mas não configurar. Os valores triunfantes foram determinados, e a nossa tarefa é apenas concretizá-los. Estar no caminho do progresso fazia-nos sentir conduzidos por forças para lá do nosso controlo. Parar ou pausar era algo que ninguém se atrevia a imaginar, mesmo que constituísse o primeiro passo indispensável para uma sociedade decidir o seu próprio futuro. Que o relógio histórico pudesse parar — fosse de que forma fosse — parecia uma impossibilidade.
Essa impossibilidade chegou, sob a forma de uma catástrofe global. O tempo revelou-se uma ilusão? Talvez não nas formas simples que assume nas nossas vidas individuais, mas o tempo enquanto realidade histórica adquiriu de facto um sentido novo e radical. O futuro não é dado. O futuro é programável. A pandemia não será lembrada como uma pandemia mas como uma revolução.
Uma versão deste artigo foi publicada originalmente em “Foreign Policy” a 22 de junho de 2020
Tradução Luís M. Faria
Fonte: EXPRESSO, com a devida vénia

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