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sábado, 18 de julho de 2020

Se a Economia é política de outra forma, a política pode determinar a economia. O "problema" português não é exclusivamente económico, é predominantemente político.


Se Costa Silva mandasse

17.07.2020 às 11h32

Só um olhar infantil sobre a governação acredita que alguém se senta a uma secretária e define um programa económico para uma década. É a António Costa sem “Silva” e ao ministro da Economia que caberia esta tarefa de síntese. Não se compra feito

Em Portugal, o debate sobre política económica ou é ideológico ou apolítico. Ou é sobre o papel do Estado na economia – o que deve ser público e privado –, ou é sobre a gestão do que existe, recusando qualquer ideia de planeamento. O plano de Costa Silva tem a virtude de romper com este bloqueio e pôr em cima da mesa várias opções que tratam do principal problema da economia portuguesa nas últimas décadas. Não são os impostos ou as PPP, não são as leis laborais ou a corrupção, por mais importância que estes temas tenham. É a desindustrialização do país, que nos remeteu para uma posição de total subalternidade produtiva.
Por mais genérico que seja, se o documento conseguisse centrar o nosso debate económico numa política industrial para o país já seria uma vitória. Um país totalmente concentrado nos serviços, ainda por cima pobre e pouco qualificado, é um país de empregados de mesa. E isto inclui a fantasia de ter um país desindustrializado na linha da frente da tecnologia.
A segunda generalidade útil de Costa Silva é dizer que precisamos de empresas industriais de média e grande dimensão. De motores. Perceber isto é matar de uma vez por todas a parolada das startups que venderam a António Costa. Startups sem uma coluna vertebral de grandes empresas só garantem futuro a quem as cria e vende.
Terceira generalidade, mais inesperada: se ficarmos exclusivamente enclausurados no quadro europeu, estamos condenados a ser uma periferia. É um pouco mais do que a modernização da disputa entre a vocação atlântica ou europeia. Percebe que a nossa localização só deixará de ser periférica se o oceano for centro das nossas opções económicas.
Por fim, a quarta novidade genérica: assumir que vamos assistir a uma moderação do processo de hiperglobalização, graças à consciência de que a dependência produtiva da Europa face à China é suicida. Ainda assim, o documento é concetualmente velho, porque ignora a economia de proximidade, com cadeias de produção curtas, e continua a ver o país como uma mera plataforma.
Costa Silva chega a tudo isto pela geoestratégia, sem uma reflexão política. Mas estas 120 páginas são úteis. Lamentavelmente, são um longo texto de opinião, não um documento de Estado. Porque só um olhar infantil sobre a complexidade da governação pode acreditar que alguém se senta a uma secretária e, em dois meses, define um programa económico para uma década. Os partidos andaram meses a negociar um programa de investimentos, dezenas de gabinetes de estudos e de centros de investigação acumulam saber e afinal está tudo na ponta da caneta de um sábio? Interesses que se confrontam, bloqueios do Estado, dificuldades de financiamento, negociações com a Europa... tudo mistérios que Costa Silva não controla.
A arte de quem governa não é saber, é ouvir quem sabe e fazer sínteses e escolhas possíveis. É a António Costa sem “Silva” e ao seu ministro da Economia que caberia esta tarefa de síntese. Não se compra feito. Os especialistas servem para o que é específico. Preocupante é esta necessidade de encontrar um homem providencial que carregue nos ombros ou na cabeça a salvação da pátria. Foi só número para dar manchetes. E assim morrerá.

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