Se Costa Silva mandasse
17.07.2020 às 11h32
Só um olhar infantil sobre a governação acredita que alguém se senta a uma secretária e define um programa económico para uma década. É a António Costa sem “Silva” e ao ministro da Economia que caberia esta tarefa de síntese. Não se compra feito
Em Portugal, o debate
sobre política económica ou é ideológico ou apolítico. Ou é sobre o
papel do Estado na economia – o que deve ser público e privado –, ou é
sobre a gestão do que existe, recusando
qualquer ideia de planeamento. O plano de Costa Silva tem a virtude de
romper com este bloqueio e pôr em cima da mesa várias opções que tratam
do principal problema da economia portuguesa nas últimas décadas. Não
são os impostos ou as PPP, não são as leis laborais ou a corrupção, por
mais importância que estes temas tenham. É a desindustrialização do
país, que nos remeteu para uma posição de total subalternidade
produtiva.
Por
mais genérico que seja, se o documento conseguisse centrar o nosso
debate económico numa política industrial para o país já seria uma
vitória. Um país totalmente concentrado nos serviços, ainda por cima
pobre e pouco qualificado, é um país de empregados de mesa. E isto
inclui a fantasia de ter um país desindustrializado na linha da frente
da tecnologia.
A
segunda generalidade útil de Costa Silva é dizer que precisamos de
empresas industriais de média e grande dimensão. De motores. Perceber
isto é matar de uma vez por todas a parolada das startups que venderam a
António Costa. Startups sem uma coluna vertebral de grandes empresas só
garantem futuro a quem as cria e vende.
Terceira
generalidade, mais inesperada: se ficarmos exclusivamente enclausurados
no quadro europeu, estamos condenados a ser uma periferia. É um pouco
mais do que a modernização da disputa entre a vocação atlântica ou
europeia. Percebe que a nossa localização só deixará de ser periférica
se o oceano for centro das nossas opções económicas.
Por
fim, a quarta novidade genérica: assumir que vamos assistir a uma
moderação do processo de hiperglobalização, graças à consciência de que a
dependência produtiva da Europa face à China é suicida. Ainda assim, o documento
é concetualmente velho, porque ignora a economia de proximidade, com
cadeias de produção curtas, e continua a ver o país como uma mera
plataforma.
Costa Silva chega a tudo isto pela geoestratégia, sem uma reflexão política. Mas estas 120 páginas são úteis. Lamentavelmente, são um longo texto de opinião, não um documento de Estado. Porque só um olhar infantil sobre a complexidade da governação pode acreditar que alguém se senta a uma secretária e, em dois meses, define um programa económico para uma década. Os partidos andaram meses a negociar um programa de investimentos, dezenas de gabinetes de estudos e de centros de investigação acumulam saber e afinal está tudo na ponta da caneta de um sábio? Interesses que se confrontam, bloqueios do Estado, dificuldades de financiamento, negociações com a Europa... tudo mistérios que Costa Silva não controla.
A arte de quem governa não é saber, é ouvir quem sabe e fazer sínteses e escolhas possíveis. É a António Costa sem “Silva” e ao seu ministro da Economia que caberia esta tarefa de síntese. Não se compra feito. Os especialistas servem para o que é específico. Preocupante
é esta necessidade de encontrar um homem providencial que carregue nos
ombros ou na cabeça a salvação da pátria. Foi só número para dar manchetes. E assim morrerá.
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