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domingo, 8 de setembro de 2024

 Sahra Wagenknecht?

Viriato Soromenho-Marques
Professor universitário

As recentes eleições nos estados alemães da Saxónia e da
Turíngia têm três leituras imediatas: a queda catastrófica dos
partidos que integram o Governo Federal (SPD, Verdes e
Liberais); o crescimento da extrema-direita (AfD); o sucesso
da nova esquerda alemã obtido pelo terceiro partido mais
votado, que assumiu o nome da sua líder: Aliança Sahra
Wagenknecht - Razão e Justiça (BSW). A perda de
credibilidade do Governo é tanta que a soma dos votos dos
partidos que o suportam é praticamente igual à do BSW na
Saxónia (cerca de 12%), e bastante inferior na Turíngia (9,3%
contra 15,8%). França e Alemanha tornaram-se sociedades
clivadas com Governos de legitimidade residual.
Sahra Wagenknecht (doravante, SW) é hoje a mais
carismática figura política alemã. Filha de um estudante
iraniano e de uma mãe alemã, nasceu em 1969 na ex-RDA, em
Jena (Turíngia). Com 3 anos de idade, o pai partiu para o
Irão, desaparecendo da vida de SW. Cresceu sob o estigma da
sua diferença étnica, habituando-se a resistir em condições
adversas. Em 1989 entrou na política em concorrente.
Enquanto a maioria celebrava a reunificação alemã, ela viu
uma nação a ser comprada e engolida pela RFA, antecipando
o risco de a prosperidade ser acompanhada pelo
desenraizamento e por maior desigualdade. Doutorada em
Economia, assumiu sempre a importância do marxismo na
sua leitura do mundo contemporâneo. Integrou o PDS
(Partido do Socialismo Democrático), de Gregor Gysi, em
1991.

Foi deputada no Parlamento Europeu (2004-2009). Participou
na criação do partido Die Linke (A Esquerda), resultante da
unificação em 2007 do PDS com o partido WASG, formado
por Oskar Lafontaine, quando este rompeu com o SPD.
Entrou no Parlamento Federal (Bundestag) em 2009, pelo Die
Linke, abandonando este partido para fundar, em janeiro
último, a BSW. É uma escritora incisiva e uma oradora
notável, captando audiências pela elegância e clareza dos seus
argumentos.

A colíder
do partido de extrema-esquerda BSW - Alianca Sahra Wagenknecht Alliance à
saída de uma conferência de imprensa após as eleições regionais da Alemanha.
FOTO: John MacDougall / AFP
A imprensa internacional dominante tem tentado esconder a
sua originalidade e inteligência sob rótulos pejorativos,
encostando-a à extrema-direita nacionalista do AfD, ou
designando-a como “populista de esquerda”. Uma análise fria
revela, pelo contrário, uma personalidade política corajosa e
lúcida, combatendo a mediocridade e a submissão total do
Governo alemão ao comando dos EUA, tanto no plano militar,
como na esfera económica.
Na verdade, tanto o SPD como os Verdes renunciaram às suas
bandeiras originais. O SPD, em coligação com os Verdes (nos

Governos entre 1998 e 2005), transformou-se no campeão do
neoliberalismo, destruiu parcialmente a Segurança Social
através de uma privatização ruinosa, baixou abruptamente a
participação da massa salarial no PIB, multiplicou os
empregos precários (os minijobs ocupam hoje 20% da mão-
de-obra germânica). Pela primeira vez, em 2012, o Índice de
Gini alemão, que mede a desigualdade, ultrapassou o francês.

Com a guerra na Ucrânia, o Governo de Olaf Scholz aceitou
ser um incondicional escudeiro do Pentágono, apoiado nos
ministros Verdes que trocaram a Ecologia pelo belicismo. SW
tem exortado, infatigavelmente, ao imperioso calar das armas
para evitar envolver a NATO e a Rússia num abraço mortal
sem retorno. Berlim aceitou as sanções contra a Rússia,
sabendo que se voltariam contra os milhões de alemães mais
carenciados.
A Economia de Berlim, que tinha na China, na Rússia e nos
parceiros da UE os mercados principais para as suas
exportações, está hoje em crise profunda. As medidas
protecionistas do Governo de Biden para isso contribuíram.
Washington exorta a UE a cortar laços comerciais com
Pequim, enquanto trata os seus aliados europeus na NATO
como inimigos no plano económico. A legislação de combate à
inflação nos EUA (Inflation and Reduction Act) levou, até
março de 2023, 5600 empresas germânicas a investir 605 mil
milhões de euros nos EUA, tendo algumas delas mudado a sua
sede.
SW propõe uma política de defesa dos salários e direitos
laborais, com aumento de impostos para os mais ricos. A sua
recusa de uma imigração descontrolada liga-se à defesa do
Estado social e à necessidade de o acolhimento dos imigrantes
ser acompanhado com políticas de língua e cultura, capazes
de assegurar uma verdadeira integração nas comunidades
locais.

A posição da BSW não se confunde com o racismo da AfD,
nem com o oportunismo do Governo Merkel, que em 2015
escancarou as portas - sem denunciar o facto de esses
migrantes resultarem das desastrosas intervenções ocidentais
no Afeganistão, Iraque, Líbia e Síria - para depois as encerrar
através de um acordo bilionário de construção de campos de
internamento na Turquia.

SW foi convidada em 2014, pelo artista e professor Karl-
Eckhard Carius e por mim, para um livro - editado em
Portugal e Alemanha - destinado a celebrar os 40 anos do 25
de Abril. (Muros de Liberdade/Mauern der Freiheit), SW
revelou como a sua visão do mundo é inclusiva.
O seu amor à Alemanha não a impediu de criticar o papel do
Governo Merkel e o seu pacto diabólico com a “ditadura dos
mercados financeiros”. No final do seu capítulo, SW
enunciava um desafio que continua válido para os povos
europeus: “A minha esperança para a Europa é a de que a
melancolia portuguesa possa ceder lugar à indignação.”

A UE foi raptada por uma elite sombria que lhe roubou a
alma, arrastando-a na queda dos EUA e na cumplicidade com
o Governo genocida de Israel. Chegou a hora dos cidadãos e
das nações, se quisermos salvar a paz e libertar a Europa.

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