La vicepresidenta ejecutiva Delcy Rodríguez afirmó hoy que Estados
Unidos planificó y dirigió el reciente golpe de Estado contra Venezuela,
con el apoyo de medios de comunicación y de las redes sociales.
En
encuentro desde la Casa Amarilla de la Cancillería con el cuerpo
diplomático y periodistas nacionales y extranjeros acreditados en
Caracas, la vicemandataria hizo un recuento del proceso electoral y de
la trama golpista tejida mediante lo que llamó “terrible fraude”.
Rodríguez
se refirió al “fraude vulgar y masivo” planificado desde la nación
norteña y que comenzó con el reconocimiento explícito del entonces
candidato Edmundo González y la opositora inhabilitada María Corina
Machado de desconocer los resultados electorales.
Ellos negaron
una semana antes, indicó, reconocer la información oficial que divulgara
el Consejo Nacional Electoral, único ente legal reconocido por la
Constitución para divulgar información en esa materia, y admitieron que
solo lo harían a partir de sus propias actas.
La ministra de
Economía, Finanzas y Comercio Exterior denunció que el fraude se venía
forjando desde el 18 de julio y luego el 27 del mismo mes se aparecen
con el registro de un dominio desde el Reino Unido, para publicar sus
resultados, “en total desacato y reconocimiento al Poder Electoral”.
Manifestó
que la citada página pretendió sustituir los mecanismos oficiales de
difusión del CNE y por eso el fiscal general Tarek Wiliam Saab abrió la
víspera un expediente procesal para investigar y judicializar a los
responsables.
En
su exposición Rodríguez comentó que durante el desarrollo de los
sufragios el 28 de julio pudieron apreciar desde el ciberespacio un
incremento significativo de ataques si precedentes contra Venezuela que
alcanzaron los 30 millones por minuto.
Preguntó qué tienen “las
cacareadas actas que generaron una histeria colectiva internacional” y
comentó las inconsistencias encontradas en esos documentos que mostró a
los presentes con firmas de personas fallecidas que votaron, de las
cuales llegaron miles de denuncias.
Además aludió a las actas que
encontraron sin datos del operador de máquinas, de testigos, firmas
planas, rotas, incompletas y elegibles, que gracias a la censura
mediática internacional son las tenidas en cuenta como válidas y que
aparecen en esa página web.
Estas actas fraudulentas no son el mecanismo oficial del CNE, al igual que el portal web, remarcó.
La
vicepresidenta ejecutiva apuntó que las más de dos mil personas
detenidas están confesando, revelan a quienes les pagaron y tienen en
sus teléfonos números de Estados Unidos desde donde recibían
instrucciones, además de Colombia y Perú.
Subrayó que más allá del
tema electoral, “estamos en presencia de un golpe de Estado contenido
por la sabiduría del pueblo y el Presidente”.
Nem nos deixam matar à fome Público - 9 Aug 2024 Por António Rodrigues
Jornalista. Escreve à sexta-feira
Nestes tempos em que se ataca a liberdade de expressão por delito de opinião e se reivindica a liberdade de expressão para os discursos mais odiosos, divisíveis e difamatórios, já não admira que um extremista como o ministro das Finanças de Israel, Bezalel Smotrich, possa defender sem ser demitido, que seria “justo e moral” obrigar dois milhões de palestinianos a morrer à fome. “Não é possível, na realidade global de hoje, gerir uma guerra” em que se possa usar a fome como arma de guerra, desabafou o ministro na segunda-feira: “Ninguém nos permite matar à fome dois milhões de pessoas, mesmo que isso seja justo e moral até eles devolverem os reféns.” A frase não está deslocada nem fora de contexto na boca de alguém que defende a ideia de que os palestinianos estão por “engano” naquela terra que é dos judeus há séculos, só porque o antigo primeiro-ministro Ben Gurion “não acabou o seu trabalho”. O deslocado é que um perigoso extremista religioso sirva no Governo de Israel. A União Europeia lembrou a Smotrich, citada pela Euronews, que “matar à fome deliberadamente é um crime de guerra” e Josep Borrell, o ainda representante da política externa dos 27, classificou as declarações como estando “para lá da ignomínia”, demonstrando que o ministro não respeita “os mais básicos princípios humanitários”.
Ontem, depois da tempestade provocada, Smotrich recorreu à fórmula habitual de dizer que os seus comentários tinham sido retirados de contexto e “mal interpretados”, embora voltasse a defender que a entrada de ajuda humanitária em Gaza devia ser condicionada à entrega dos reféns pelo Hamas. O ministro não entende o conceito de ajuda humanitária, nem que a mesma não entra em conta quando se trata de condenar um povo a morrer à fome por causa dos seus líderes.
Já não há indignação A determinado momento na sua História, Israel perdeu-se. Tomado pelas ideologias mais extremistas, afectado por uma religiosidade messiânica que vê os judeus como povo escolhido e os palestinianos como inimigo a abater ou a expulsar da Terra Santa, assumiu que os fins justificam os meios e que tudo lhes está permitido com o beneplácito dos seus aliados ocidentais (sempre a medir palavras para não acabarem a ser acusados de anti-semitismo). O relatório publicado esta semana pela ONG israelita B’Tselem sobre a forma como são tratados os palestinianos nas prisões israelitas é um exemplo de como a situação amoral se instituiu em Israel, se normalizou e é digna de indiferença ou mesmo aplaudida. O título é elucidativo, Bem-Vindo ao Inferno,e o subtítulo sintetiza: “O sistema prisional israelita como rede de campos de tortura.” Como escreve Gideon Levy, o relatório da B’Tselem “não é apenas sobre o que está a acontecer nas prisões de Israel; é um relatório sobre Israel”. Por isso, “qualquer pessoa que queira saber o que é Israel deve ler este relatório antes de qualquer outro documento sobre a democracia israelita”. Israel vem usando ao longo dos anos o seu sistema prisional como “ferramenta para oprimir e controlar a população palestiniana”, porém, diz a B’Tselem, o que este relatório põe a nu é que “mais de uma dúzia de instalações prisionais
israelitas, tanto militares como civis, foram convertidas numa rede de campos dedicados ao abuso de reclusos”. São “campos de tortura de facto”, onde “cada recluso é intencionalmente condenado a sofrer dor e sofrimento incessantes”. No entanto, sinal de como a sociedade israelita está completamente anestesiada ao sofrimento palestiniano, e uma parte substancial até festeja a prática da violação sistemática dos seus direitos, a imprensa de Israel praticamente ignorou um relatório que, como salienta Levy, noutros tempos teria causado “indignação e choque em Israel” Diplomacia de retaliação Na visão redutora das relações internacionais do actual Governo liderado por Benjamin Netanyahu, só há espaço para amigos e inimigos. “Há um preço a pagar por comportamento anti-israelita”, afirmou ontem o ministro dos Negócios Estrangeiros israelita, Israel Katz, para justificar o facto de Israel ter retirado o estatuto diplomata a oito noruegueses que serviam nos territórios ocupados. Para Israel, o facto de a Noruega ter reconhecido o Estado da Palestina e apoiar a acção contra Israel por crimes de guerra cometidos em Gaza no Tribunal Penal Internacional traz consequências. A Noruega chamou-lhe uma “acção extremista” que irá “afectar” a sua capacidade de “ajudar a população palestiniana”, o que não será algo que tire o sono a Katz, Netanyahu e aos outros membros do executivo israelita. O chefe da diplomacia norueguesa, Espen Barth Eide, também avisou, em comunicado, que haverá “consequências” para a decisão tomada por Israel, prevendo-se uma reacção da mesma dimensão a tomar pelo Governo norueguês. “Estamos a considerar as medidas que a Noruega tomará para responder à situação que o Governo de Benjamin Netanyahu agora criou”, diz o comunicado, citado pelo Jerusalem Post.
Eide aproveitou para lembrar ao seu homólogo que “a Noruega será sempre amiga de Israel e do povo israelita”, ao mesmo tempo que “tem sido clara nas suas críticas à ocupação, à forma como a guerra em Gaza tem sido conduzida e ao sofrimento que tem causado à população civil palestiniana”. Numa entrevista em Maio ao The Times of Israel, o ministro garantia que a solução dos dois Estados era “realmente uma medida anti-Hamas”, porque o movimento palestiniano a rejeita e por ser o mais correcto a fazer para conseguir a paz para Israel. O Hamas serve para justificar tudo Os crimes de guerra que Israel tem cometido na Faixa de Gaza para se vingar dos ataques do Hamas de 7 de Outubro são sempre justificados com a necessidade de destruir as infra-estruturas do grupo palestiniano, matar os seus comandantes, destruir as suas fileiras e erradicar os radicais palestinianos da face da terra. Com a premissa de acabar com o Hamas, Israel não vê nenhum mal em bombardear áreas residenciais densamente povoadas, hospitais, escolas, atacar ambulâncias, civis desarmados, jornalistas — homens, mulheres e crianças, mortos, feridos, sem abrigo nem comida. Israel justificou a morte do último dos 113 jornalistas assassinados, o repórter da Al-Jazeera Ismail al-Ghoul, morto a 31 de Julho junto com o seu operador de câmara, Ramil al Rifi, quando o carro onde seguiam foi bombardeado deliberadamente pela aviação israelita, com o facto de pertencer ao Hamas. A Al-Jazeera Media Network nega rotundamente a acusação e pede uma investigação internacional independente “aos crimes brutais e atrozes cometidos pelas forças de ocupação israelitas contra os seus jornalistas e funcionários desde o princípio da guerra em Gaza”.
Como sempre, Israel não apresentou nenhuma prova da relação de Al-Ghoul com o Hamas, e a Al-Jazeera lembra que a 18 de Março o jornalista foi detido pelas forças israelitas, quando estas invadiram o Hospital Al-Shifa de Gaza, acabando por ser libertado. Se era um membro tão importante da ala militar do Hamas para que o seu automóvel fosse directamente atacado pela aviação israelita, porque o libertaram? A verdade é que, nesta guerra brutal e sem misericórdia, os militares israelitas puseram de lado todas as regras da Convenção de Genebra e assumiram que toda a população da Faixa de Gaza apoia o Hamas e, como tal, não são civis, mas alvos legítimos de uma guerra sem quartel que deixou um rasto de mais de 40 mil mortos em dez meses.
terça-feira, 6 de agosto de 2024
JACOBIN
Como os soviéticos quase inventaram a Internet e porque não deu certo
POR Benjamin Petersis
Tradução Everton Lourenço
Os cientistas soviéticos tentaram por décadas criar uma rede
conectando toda sua nação. A mesma coisa que os colocou num impasse está
agora fraturando a internet global.
« Enquanto os projetos de redes de computadores e seus promotores vão
continuar exaltando publicamente futuros cada vez mais brilhantes para
as redes, as forças institucionais privadas, a menos que sejam colocadas em cheque, continuarão capitalizando redes de vigilância
empenhadas em se fecharem privadamente às nossas vidas. (Talvez seja
disso que se trata na realidade a privacidade: a vastidão de poder de instituições omnívoras de informação de vasculhar privadamente as nossas vidas, e não apenas os direitos individuais de proteção contra esse ataque privado).
O estudo de caso soviético nos recorda que o programa de espionagem
doméstica da Agência de Segurança Nacional dos EUA e a Nuvem da
Microsoft fazem parte de uma tradição mais longa do século XX de
secretariados gerais empenhados em privatizar a informação pessoal e
pública para seu benefício institucional.
Em outras palavras, ninguém deveria sentir muito conforto com o fato
da Internet global ter evoluído graças a capitalistas cooperativos e não
socialistas competitivos: a história da Internet soviética nos lembra
que nós, utilizadores da Internet, não temos qualquer garantia de que os
interesses privados que atualmente sustentam a Internet se comportarão
melhor do que as forças maiores cuja falta de vontade em cooperar não só
declarou o fim do socialismo eletrónico soviético como ameaça encerrar o capítulo atual da nossa era de redes.
Sobre os autores
Benjamin Petersis
é
professor assistente de Comunicações na Universidade de Tulsa e membro
do Projeto Sociedade da Informação na Escola de Direito de Yale.
Publicou em 2016 o livro How Not to Network a Nation: The Uneasy History of the Soviet Internet ("Como não interconectar uma nação: a história desconfortável da Internet soviética").
É exatamente assim que se parece um genocídio
UMA ENTREVISTA COM Amos Goldberg
Tradução Pedro Silva
O historiador israelense Amos Goldberg tem sido um crítico de
primeira hora da guerra de Israel em Gaza, que ele chama de genocídio.
Em uma entrevista exclusiva, ele contou à Jacobin por que o termo se aplica — e por que a comunidade internacional precisa acordar para essa realidade e reagir imediatamente.
(...)
« Nada de bom virá desta guerra, e não vejo alternativa para este beco
sem saída. Vivi minha vida inteira em Jerusalém como ativista e
académico, atuando e escrevendo na esperança de mudança. Em um livro coeditado com meu amigo e colega Professor Bashir, The Holocaust and the Nakba: A New Grammar of Trauma and History,
e em outros artigos que escrevemos, imaginamos uma solução binacional
igualitária. Ela enfatiza direitos iguais para todos, tanto coletivos
quanto individuais. Esta visão agora parece mais remota do que ficção
científica.
A solução de dois Estados também é apenas uma cortina de fumaça usada
pela comunidade internacional, pois não há um caminho realista para
alcançar uma resolução viável de dois Estados que garanta aos palestinos
seus direitos. A expansão dos assentamentos não deixou espaço para
isso, e a ideia de dois Estados iguais nem sequer é considerada.
Mesmo as propostas mais progressistas da esquerda israelita e da
comunidade internacional ficam aquém do nível mínimo de dignidade,
soberania e independência que os palestinos podem aceitar. Dentro da
sociedade israelita, o racismo, a violência, o militarismo e um foco
narcisista apenas no sofrimento israelita são tão prevalecentes que quase
não há apoio público para qualquer solução além de mais força e
matança.
O status quo é insustentável e continuará a levar a mais violência.
Israel, que nunca foi uma democracia plena para começar, está perdendo
até mesmo suas características democráticas parciais. Hoje, há mais ou
menos 7,5 milhões de judeus e 7,5 milhões de palestinos entre o Rio
Jordão e o Mar Mediterrâneo sob controle israelita. Os primeiros
desfrutam de direitos totais, enquanto os últimos não desfrutam de
direitos ou têm direitos parciais.
A sociedade judaica israelita está se tornando mais militante,
expansionista e autoritária. A Alemanha, os EUA e a maioria dos países
ocidentais contribuíram significativamente para o atual beco sem saída.
Estou muito pessimista e deprimido sobre o futuro. Digo isso com grande
tristeza porque Israel é minha sociedade e meu lar.
No entanto, a história nos mostrou que o futuro pode ser
imprevisível, e talvez as coisas mudem para melhor, mas isso requer
imensa pressão internacional. Essa noção abstrata é minha única
esperança.
Sobre os autores
Elias Feroz
é escritor freelancer. Entre outras coisas, seus focos incluem
racismo, anti-semitismo e islamofobia, bem como a política e a cultura
da lembrança.
Amos Goldberg
é professor associado do Departamento de História Judaica e Judaísmo Contemporâneo da Universidade Hebraica de Jerusalém.
Este novo “partido” é uma formação completamente pequeno-burguesa, liderada por streamers
(pequenos empresários), trapaceiros políticos e ex-funcionários do
Estado e incorporando algumas das tendências mais perturbadoras e
prejudiciais que obstruem a reconstituição do partido comunista nos EUA —
carreirismo, individualismo, dependência excessiva de formas online de
recrutamento e organização [...]
Em
21 de julho de 2024, várias personalidades “comunistas” da internet
reuniram-se em Chicago para formar o “American Communist Party ”. Entre
os membros fundadores estão Eddie “Liger” Smith, Carlos Garrido, Noah
Khrachvik e Kyle Pettis (ex-membro do Maoist Collective – Red Guards e American Party of Labor ) do Midwestern Marx ; Adam “Haz Al-Din” Tahir, Henry Ahmad e Grayson Preutz do Infrared Collective; Jackson Hinkle (proeminente comunista do MAGA [Make America Great Again, movimento sob a palavra de ordem de D. Trump], do The Dive With Jackson Hinkle ; Christopher Helali do Party of Communists USA ; e Rev Laskaris do RTSG . Juntos, esses dez indivíduos constituem o Comité Plenário do ACP.
A declaração de fundação também
inclui assinaturas de vinte e nove coletivos do Communist Party USA,
bem como três coletivos do PCUSA. No entanto, muitos negaram desde então
a filiação no ACP [American Comunist Party] na comunicação social. O
ACP justificou a inclusão dessas assinaturas com base numa petição que
assinaram contra a Resolução nº 5 da 32ª Convenção Nacional do CPUSA , que formalizou o alinhamento de longa data do CPUSA com o Partido Democrata.
Em
poucos dias, os líderes do ACP apareceram na Russia Today [canal
televisivo da Rússia nos EUA] e no The Jimmy Dore Show para promover a
sua nova formação, tendo rapidamente acumulado dezenas de milhares de
seguidores no X (antigo Twitter). O seu aumento repentino em
popularidade é o culminar da iniciativa “ PCUSA 2036 ”,
lançada pelo “Haz Al-Din” em 2021, onde os apoiantes do Infrared foram
encorajados a infiltrar-se no CPUSA, separá-lo do Partido Democrata e
“restaurar a sua antiga glória”. Com certeza, a declaração do ACP
destaca questões significativas dentro do PCUSA — a saber, a falha de
não abordar as lutas da classe trabalhadora nos Estados Unidos, a falta
de centralismo democrático, a dissolução do seu braço editorial e jornal
ideológico, a transferência de arquivos do partido para a Universidade
de Nova York, o seu alinhamento com o Partido Democrata. No entanto, a
validade dessas observações não nega o fato de o ACP constituir mais um
desvio completo do marxismo-leninismo.
Este novo “partido” é uma formação completamente pequeno-burguesa, liderada por streamers
(pequenos empresários), trapaceiros políticos e ex-funcionários do
Estado e incorporando algumas das tendências mais perturbadoras e
prejudiciais que obstruem a reconstituição do partido comunista nos EUA —
carreirismo, individualismo, dependência excessiva de formas online de
recrutamento e organização, bajulação das camadas mais atrasadas da
sociedade, promoção e tolerância a posições reacionárias e alienantes
(por exemplo, “socialismo patriótico” e “comunismo MAGA”) e apoio a
líderes anticomunistas declarados como Nicholas Maduro e Vladimir Putin.
Essas tendências não devem ser nenhuma surpresa, já que os líderes do
ACP no “Comité Plenário” têm todos um histórico pequeno-burguês como
“influenciadores” e “criadores de conteúdos” de media social. Além
disso, Hinkle e o Infrared Collective são ambos conhecidos
especificamente pela sua adesão a ideólogos fascistas e da
“Terceira/Quarta Posição”, como Aleksandr Dugin, James Porrazzo
(American Front, New Resistance) e Raphael Machado (New Resistance
Brazil).
O ACP junta-se a grupos como a profundamente
anticomunista e oportunista Plataforma Anti-Imperialista Mundial, outro
grupo fundamentalmente reformista que defende a teoria da
multipolaridade. Em vez de lutar pela revolução, o seu verdadeiro
objetivo é, portanto, subjugar os trabalhadores e o povo deste país a
setores da burguesia nos EUA que supostamente estão interessados no
renascimento da produção nacional e da burguesia de outros países. Para
esse fim, esses vigaristas cooptam a retórica de Donald Trump, de
"trazer os empregos de volta para a América", e o disfarce ideológico do
bloco imperialista euro-asiático para a "defesa dos valores
tradicionais". A sua máscara de "socialismo patriótico" é projetada para
apelar à base do Partido Republicano nos EUA como um suposto baluarte
da classe trabalhadora, regressando aos dias de Browder e da Frente
Popular e baseando-se em símbolos e tradições modernas e históricas dos
EUA com palavras de ordem como "O comunismo é o americanismo do século
XX (XXI)". O Midwestern Marx Institute, agora em sintonia com as vozes
do comunismo MAGA, desempenhou um papel significativo no desenvolvimento
desta estrutura político- ideológica ao utilizar as obras de Georgi
Dimitrov [ 1 , 2 , 3 ], tentando dar ao “conteúdo socialista uma forma nacional” — “ Socialismo com características americanas ”.
Esta abordagem repete erros passados enquanto sistematicamente
obscurece os motivos da burguesia e distorce a realidade, apresentando o
conservadorismo e a viragem reacionária do capital como progresso. No
entanto, também se mostrou eficaz em influenciar os jovens, que muitas
vezes carecem de conhecimento histórico e experiência de classe.
A referência ao Socialismo com características chinesas não é coincidência. Numa entrevista recente com Jimmy Dore, discutindo
a fundação do ACP, Hinkle confirmou que “…a maneira como um país
comunista opera, pelo menos quando se trata do aspecto económico, é
muito semelhante ao que estamos a ver a China a fazer hoje.” Tal
caracterização contradiz a compreensão marxista do caráter fundamental
do capitalismo (apropriação privada da produção social) versus o do
socialismo (produção social para as necessidades da sociedade). Hinkle
afirma ainda que “a Rússia…está basicamente a reconstruir este mundo
multipolar…mesmo que Putin não se considere comunista, [Putin] está
fundamentalmente a assumir a roupagem e a agitar a bandeira [bandeira
comunista] neste momento”. Ambas as declarações demonstram a rejeição do
ACP do comunismo científico, da luta inflexível pela emancipação da
classe trabalhadora da burguesia de cada país, em favor do alinhamento
do povo com a aliança imperialista BRICS.
Na
mesma entrevista, Hinkle nunca menciona a necessidade da revolução
socialista, em vez disso, regurgita o velho e cansado plano de usar o
Estado para nacionalizar indústrias. O “socialismo” deve, portanto, ser
construído dentro da estrutura da sociedade capitalista, conforme
consagrado numa constituição burguesa que garante a propriedade privada e
uma declaração de direitos cujas liberdades se estendem apenas até ao
capital de alguém.
A bandeira da multipolaridade não pertence aos
comunistas. A palavra de ordem para o “mundo multipolar” é uma
continuação do imperialismo por meio de uma nova divisão de mercados,
força de trabalho e matérias-primas. Trocar um centro imperialista por
outro não é troca nenhuma. A multipolaridade é a palavra de ordem da
social-democracia, do “progressismo” e, em última análise, da reação
disfarçada de revolução. É a bandeira de qual aliança imperialista
liderará o sistema capitalista global e, por extensão, a guerra
interimperialista.
Alinhar-se com
as forças estatais da Rússia e da China é uma traição ao
internacionalismo proletário. Significa escolher o lado de um ou outro
polo imperialista na competição cada vez mais intensa pelo domínio
dentro do sistema imperialista. Hoje, essa competição assume a forma da
aliança EUA-OTAN-UE versus a aliança China-Rússia. Nesse sentido, o ACP
não é diferente dos partidos sociais-democratas da Segunda Internacional
que escolheram ficar do lado da “sua” burguesia. As consequências desse
alinhamento também serão as mesmas: a desorientação da classe
trabalhadora e a obstrução do caminho para a revolução socialista,
deixando o povo impreparado para a ameaça iminente de uma nova guerra
mundial.
Devemos ter ainda mais cuidado com qualquer organização que se autointitula como O Partido Comunista, especialmente quando comandada por personalidades online
e sem ligação às massas trabalhadoras. Uma afirmação tão grandiosa,
nascida de uma megalomania flagrante e apoio inflacionado, só pode levar
a mais confusão dentro de um movimento revolucionário já fraturado. O
título de Partido Comunista não é algo que alguém possa atribuir a si
mesmo. Para os marxistas-leninistas, o partido comunista é a organização
de quadros de combate da classe trabalhadora, liderada por um programa
revolucionário baseado no princípio do centralismo democrático. O ACP
não oferece tal programa, e a aparente falta de eleição do seu "Comité
Plenário" coloca em questão a sua reivindicação de defender o
centralismo democrático.
Desde a Contrarrevolução na URSS, uma
crise político-ideológica devastou o movimento comunista internacional.
Sem um centro dirigente para unir as forças revolucionárias do mundo, a
ideologia oportunista e revisionista passou a dominar o movimento,
particularmente nos EUA. Tudo isso levou ao surgimento de muitas
organizações que se autodenominam como as verdadeiras campeãs da classe
trabalhadora na luta pelo socialismo-comunismo, entre elas o PCUSA e o
ACP. Nenhuma das organizações pode esquivar-se da sua responsabilidade
conjunta pelo desenvolvimento do ACP, pois ambas se tornaram bastiões
das mesmas tendências ecléticas e oportunistas que apresentam a China e a
Rússia como "anti-imperialistas".
O PCUSA, é claro, nega
a sua responsabilidade pela criação do ACP, alegando que ele “nasceu
fora das suas fileiras”. Não dizem nada sobre os anos gastos a cultivar
as teorias da multipolaridade, o socialismo de mercado e outras
tendências oportunistas dentro das suas fileiras ou a sua renúncia à
teoria leninista do partido em favor
dos
padrões organizativos de um partido de massas social-democrata. Mas a
verdade é que o PCUSA tem sido um veículo falido do oportunismo e
apêndice do sistema político burguês há décadas, tendo-se vinculado há
muito tempo com o Partido Democrata em nome da “derrota do fascismo”. É
natural que esse ecletismo e oportunismo dessem origem à abominação que é
o “American Comunist Party”.
Assim, entre o CPUSA, o PCUSA e o
ACP — para não falar das inúmeras outras formações espalhadas pelo país —
nenhuma oferece uma opção revolucionária para os trabalhadores e forças
populares nos EUA. No entanto, ainda resta uma alternativa ao Estado
burguês: a Communist Workers' Platform [Plataforma dos Trabalhadores
Comunistas], uma organização dedicada a lutar nas ruas, nos bairros, nas
escolas e, crucialmente, nos locais de trabalho pela reconstituição do
Partido Comunista nos EUA. Não sonhamos simplesmente com um mundo
melhor. Trabalhamos para construí-lo, para construir e organizar as
forças da classe trabalhadora preparando-a para a sua missão histórica, o
derrube do sistema capitalista.
A burguesia tem os seus partidos . Está na hora para o nosso e precisamos dele agora.
Partido Comunista AGORA!
Junte-se à Plataforma dos Trabalhadores Comunistas!
[…] a Rússia e a China são
gigantes industriais que evitaram o erro arrogante de privatizar as suas
indústrias de defesa e que reforçaram a sua produção de armas a níveis
que o Ocidente simplesmente não consegue alcançar. Washington e a NATO
não poderão resistir muito tempo a esta nova aliança, e isto antes de as
coisas se tornarem nucleares.
É
um pouco tranquilizador o facto de Donald Trump ter prometido fazer a
paz entre a Rússia e a Ucrânia logo que seja presidente. Mas tudo isso
será absolutamente em vão se Washington se virar para a guerra com
Pequim, uma guerra que rapidamente se tornará nuclear. E não apenas por
causa de um Apocalipse Atómico - se Trump pensa que as tropas russas não
vão inundar a China em seu auxílio, está redondamente enganado. Isso
porque Moscovo e Pequim têm um pacto militar de ajuda mútua de facto. Ou
será de jure?
A julgar pela presença, em 19 de julho, de soldados chineses na
Bielorrússia, onde, ao longo de uma semana, executaram manobras
militares com tropas bielorrussas na fronteira polaca, a resposta pode
muito bem ser que a belicosidade imbecil do atual regime de Washington
em relação a ambas as superpotências tenha levado Moscovo e Pequim a
assinarem um verdadeiro pacto de defesa mútua. Portanto, sim, é muito
provável que os soldados russos ajudem os chineses no caso de uma guerra
dos EUA na Ásia Oriental. E esses russos são algumas das tropas mais
aguerridas do planeta.
A péssima ideia de uma
guerra com esta civilização com cinco mil anos, acalentada pela direita
americana, cheira mal por uma série de razões. De acordo com o cenário
hipotético e sombrio que o Pentágono e também especialista sobre a
China, David Goldman tweetou a 18 de junho, um bloqueio chinês a Taiwan
acabaria com o fornecimento de gás à ilha em três semanas, deixando-a
sem energia. Depois, “os EUA bloqueariam o comércio chinês através do
Estreito de Malaca... A China bloquearia a Coreia do Sul e o Japão (que
importam praticamente toda a energia)”. Ao contrário destes países, a
China produz 80% da sua energia e a Rússia pode substituir metade das
suas importações de alimentos por via ferroviária.
“O
Japão e a Coreia do Sul fecham as portas. A China aperta o cinto mas
continua a funcionar: As bolsas mundiais caem, etc... A China pode
conduzir o seu bloqueio usando apenas lançadores de mísseis no
continente.” Como não há forma de os desativar, “1) Os EUA enviam F-18
para atingir alvos no continente e a China destrói as bases aéreas de
Okinawa e Guam. 2) Os EUA enviam porta-aviões para atacar a China, e
esta afunda-os. 3) Os EUA disparam mísseis contra a China a partir das
Filipinas, e os mísseis chineses obliteram as Filipinas. 4) Passamos
diretamente para uma troca nuclear. Entretanto, a economia mundial
diminui 20 a 30 por cento”.
Isto parece-lhe
suficientemente mau? Aparentemente, não para os raivosos falcões do
Congresso do Partido Republicano e para pessoas como Elbridge Colby, que
Trump está a considerar para um cargo no gabinete. Estes belicistas
namoriscam as políticas que vão causar esta catástrofe, e catástrofe é,
porque o que Goldman omite é que Moscovo e Teerão provavelmente se
apressariam a ajudar a sua aliada China e a juntarem-se a ela - e com a
Rússia na batalha, a coisa torna-se incandescentemente nuclear, com
cidades nos EUA, Rússia, Europa e China incineradas.
Embora
fanáticos como o antigo representante do Partido Republicano, Mike
“Sinophobic Rampage” Gallagher, tenham deixado a Câmara dos
Representantes, ainda há muitos maníacos que parecem pensar que a guerra
com a China pode ser “ganha” e que é um sucesso, e são apoiados pelos
Dr. Strangeloves no Pentágono. Este é um perigo real. Conseguirá Trump
contê-lo? É pouco provável. Conseguirá Joe Biden? Não, a julgar pela
trajetória sombria da guerra por procuração na Ucrânia, o animal de
estimação de Biden, uma trajetória em que a escalada ocidental se seguiu
à escalada como a noite sucede ao dia. E com uma Casa Branca de Trump,
as perspetivas tornam-se consideravelmente mais sombrias, com pessoas
como Colby à espera - com toda a sua feroz loucura anti-China - nas
asas.
Entretanto, a retórica e as ações aquecem. Em 21 de
junho, Pequim sancionou a Lockheed Martin por causa de outra venda de
armas a Taiwan. O Congresso é a favor destas vendas provocatórias à
ilha, caso não saibam, e a China deu a conhecer a sua raiva. “As sanções
terão como alvo o diretor executivo da Lockheed Martin, James Teclit, o
diretor de operações, Frank St. John, o diretor financeiro, Jesse
Malefe, e outros”, noticiou a RT a 21 de junho, incluindo subsidiárias
como ‘Lockheed Martin Missile Systems Integration Laboratory, Lockheed
Martin Advanced Technologies Laboratory e Lockheed Martin Ventures’.
Para os imbecis que se opuseram a estes passos, lembrem-se que a China é
um gigante económico e industrial que controla muitas das cadeias de
fornecimento das quais depende a nossa indústria de defesa, insanamente
cara. Estas vendas de armas a Taiwan são, para além de perigosas,
profundamente estúpidas.
A venda que originou as últimas
sanções tem um valor de 360 milhões de dólares e inclui centenas de
drones e mísseis armados. Seguem-se às sanções impostas pela China em
maio "a 12 empresas de defesa americanas, incluindo filiais da Lockheed
Martin e da Raytheon, bem como a dez executivos". Esta foi a
contraofensiva de Pequim ao facto de Washington ter armado Taiwan. Há
aqui muito olho por olho. Recorde-se que “o Tesouro dos EUA já tinha
anteriormente aplicado medidas restritivas a mais de uma dúzia de
entidades chinesas por alegadamente fornecerem bens militares à Rússia”.
Aliás, a venda de armas americanas a Taiwan teve outra baixa grotesca,
quando Pequim terminou as conversações de não-proliferação nuclear com
Washington, a 17 de julho. Porquê? Por causa das armas americanas que
inundam Taiwan.
Mas,
aqui e ali, a esperança brilha num horizonte sombrio, embora de forma
ténue e a grande distância. Em 15 de outubro, Goldman publicou um artigo
de opinião na Newsweek, intitulado “A China não vai à guerra porque não
tem de ir”, no qual argumentava que a perspetiva de um combate entre
Pequim e o Ocidente por causa de Taiwan é “uma fraude, uma parvoíce, um
episódio dos Marretas, cujo objetivo é encobrir a incompetência e a
corrupção que levaram o Pentágono a gastar triliões em armas obsoletas.
Perdemos o mar do Sul da China há anos... e sabemos disso. Só não o
podemos admitir”.
Goldman salienta que o departamento de
defesa dos EUA reconheceu, pelo menos desde 2012, “que os mísseis
superfície-superfície (STS) chineses podem destruir os porta-aviões dos
EUA ou qualquer outro ativo militar que não esteja submerso”. De acordo
com Goldman, não haverá guerra entre Pequim e Washington, e a China vai
simplesmente esperar para absorver Taiwan pacificamente, como sempre foi
o plano. Para além disso, a complicar os insanos debates de Washington
sobre a guerra com a China, está a relutância de Taiwan em assumir o
fardo militar, apesar da persuasão Beltway, e o seu alarme de que a
adesão ao fanatismo dos falcões chineses poderia arrasar a economia e a
população da ilha, deixando-a como a Ucrânia, ou seja, destruída. Kiev é
uma palavra de ordem entre as nações. Ninguém no seu perfeito juízo
quer acabar como a Ucrânia.
Esta
é uma notícia bem-vinda, mas não torna os recentes tinires de sabres
menos inquietantes. A 15 de julho, a RT noticiou que outra ronda de
manobras navais conjuntas russo-chinesas teve início no Pacífico, perto
da cidade de Zhanjiang. O Ministério da Defesa de Pequim anunciou que “a
quarta patrulha marítima conjunta no oeste e norte do Oceano Pacífico
não visava terceiros e não tinha nada a ver com a atual situação
internacional e regional”.
No ano passado, realizaram-se
também manobras navais conjuntas com a Rússia, a China e o Irão. E não
esquecer o novo e brilhante pacto de defesa do Kremlin com a Coreia do
Norte. Basta dizer que, em três curtos anos, a equipa Biden conseguiu
criar uma Gargântua Eurasiática, unida na sua oposição à agressão
ocidental. Não há como voltar atrás no tempo. Esta aliança oriental veio
para ficar. E, como observaram especialistas militares como Will
Schryver, os Estados Unidos e a NATO não se sairiam bem contra ela.
Porquê?
Bem, para começar, a Rússia e a China são gigantes industriais que
evitaram o erro arrogante de privatizar as suas indústrias de defesa e
que reforçaram a sua produção de armas a níveis que o Ocidente
simplesmente não consegue alcançar. Washington e a NATO não poderão
resistir muito tempo a esta nova aliança, e isto antes de as coisas se
tornarem nucleares. Depois, quando isso acontecer, é o fim do mundo para
o Ocidente e para o Oriente. Moscovo tem mais armas nucleares do que
Washington, bem como tecnologia que o Ocidente não possui, como mísseis
hipersónicos. A China e o Irão também os têm agora. E isto antes mesmo
de considerarmos o problema da defesa aérea. Os Estados Unidos
continentais não a têm. (A Rússia tem a melhor do mundo.) Portanto,
estamos indefesos quando se trata de ataques com mísseis e mal
equipados, e os génios da Casa Branca forjaram-nos um inimigo
assustadoramente poderoso. Muito bem, partido de guerra americano. Deram
mesmo um tiro na cabeça do Ocidente com as vossas últimas idiotices.
Alguém quer falar de paz?
Por muito tempo, a retórica individualista do
"autocuidado" eclipsou nosso senso de trabalho coletivo em busca de
objetivos comuns. A camaradagem tem a ver com nossa responsabilidade uns
pelos outros - e nos torna melhores e mais fortes do que jamais
poderíamos ser sozinhos.
Constantemente
nos dizem que nossos problemas podem ser resolvidos com imaginação,
grandes idéias e criatividade. Parece que novas idéias criativas não
apenas resolverão a crise climática, mas também eliminarão desigualdades
extremas e até triunfarão sobre o ódio racial. Estranhamente, esse
apelo para “pensar grande” e ser “imaginativo” une todo mundo, desde as
grandes empresas de tecnologia a ativistas socialistas, passando por
políticos ordinários e adeptos do “comunismo de luxo totalmente
automatizado”.
Essa aparente
unidade nos impede de ver quão graves são os conflitos subjacentes em
torno do capitalismo, das fronteiras, migração e recursos. Divisões
escapam à visão, ocultadas pela fantasia de que poderia haver alguma
ideia grande o suficiente, criativa o suficiente e imaginativa o
suficiente a ponto de resolver todos os nossos problemas – e
instantaneamente, pelo visto.
Assim é a
ilusão que dirige o apelo à imaginação. Mas, na realidade, enfrentamos
conflitos fundamentais sobre o futuro de nossas sociedades e do mundo. A
mudança social não é indolor. Precisamos aceitar a realidade do
antagonismo, saber de que lado estamos e lutar para fortalecer esse
lado. Não precisamos convencer todo mundo. O que precisamos é convencer
pessoas suficientes a se engajarem na luta, e vencer.
Grandes ideias
não são nada sem quadros militantes para lutar por elas. No entanto,
grande parte da esquerda contemporânea não conseguiu desenvolver e
sustentar uma base de lutadores fortes, comprometidos e organizados. A
disciplina do trabalho coletivo em nome de um objetivo compartilhado foi
substituída por uma retórica individualista de conforto e autocuidado.
Essa retórica e
as práticas correspondentes respondem a um problema real – a escassez
de organizações políticas que tenham sentido para seus membros e apoiem
suas necessidades. Na ausência de tais organizações, alguns ativistas de
esquerda tratam as mídias sociais como uma saída política. Mas, dado o
modo de indignação ininterrupta nas redes, ficar online como forma de
ser politicamente ativo na esquerda pode ser uma experiência
profundamente masoquista.
Os que deveriam
estar do nosso lado são os que mais nos atacam. A mesma coisa acontece
quando se formam grupos em torno de questões momentâneas para planejar
ações conjuntas. Acostumados aos ataques e abusos dos fanáticos de
direita mobilizados pelo capitalismo, nos ofendemos fácil e somos lentos
em confiar uns nos outros. Apelar para o autocuidado aborda o sintoma,
mas não a causa de nossa incapacidade política. Pois ignora o que
realmente está faltando – uma relação política construída com base na
solidariedade.
A história das
organizações socialistas e comunistas nos dá uma figura que encarna essa
relação – o camarada. Como um modo de endereçar, pertencimento e
destinatário de expectativas, o camarada designa a relação entre aqueles
que estão do mesmo lado de uma luta política. Indo além da ideia de
política como uma mera questão de convicção individual, o camarada
aponta para as expectativas de solidariedade necessárias para construir
uma capacidade política compartilhada. Por causa das expectativas de
nossos camaradas, comparecemos às reuniões que de outra forma
perderíamos, realizamos trabalhos políticos que poderíamos procrastinar e
tentamos cumprir nossas responsabilidades uns com os outros.
Experimentamos a alegria da luta comprometida, de aprender pela prática.
Superamos aqueles medos que podem nos dominar se formos forçados a
enfrentá-los sozinhos. Nossos camaradas nos tornam melhores, mais
fortes, para jamais nos sentirmos sozinhos.
Ódio racial em julgamento
Tomemos um
exemplo da história do Partido Comunista dos EUA: um júri interno
realizado no Harlem em 1931. O partido levou August Yokinen, um
trabalhador finlandês, a julgamento por preconceito racial, por defender
a superioridade branca e avançar pontos de vista prejudiciais à classe
trabalhadora. Cerca de 1500 trabalhadores, negros e brancos,
participaram do julgamento do partido, realizado no Harlem Casino, um
dos maiores auditórios da região. Clarence Hathaway, o editor branco do
jornal Daily Worker, apresentou o caso de acusação. Richard B.
Moore, um dos oradores negros mais respeitados do partido, liderou a
defesa de Yokinen. Um júri de quatorze trabalhadores, sete negros e sete
brancos, proferiu o veredicto.
Yokinen era um
dos três membros brancos do partido que estavam trabalhando na
bilheteria do baile de dança do Clube Finlandês dos Trabalhadores do
Harlem. Vários trabalhadores negros chegaram para o baile e só foram
admitidos com relutância. Tendo conseguido entrar, foram tratados com
tanta hostilidade que logo foram embora. Nenhum dos membros brancos do
partido os acolheu ou os defendeu.
Durante a
investigação do incidente pelo partido, os camaradas de Yokinen
admitiram seu erro. Mas Yokinen tentou justificar seu comportamento,
explicando que ele achava que os trabalhadores negros iriam para a
piscina e que ele não queria tomar banho com pessoas negras.
Quando chegou o
momento do julgamento do partido, Yokinen já havia reconhecido sua
culpa e prometido retificá-la com trabalho concreto em favor da luta
pela libertação do povo negro. A questão que restava perante o júri era
então se Yokinen deveria ser expulso do partido por seu racismo e
“chauvinismo branco” ou ser colocado em um período de suspensão
supervisionada.
Os argumentos
de Hathaway de acusação enfatizaram que Yokinen não apenas falhou em
agir de acordo com as expectativas igualitárias do Partido Comunista,
mas que esse mesmo fracasso o colocou do lado de linchadores e
proprietários. Até a menor expressão de superioridade racial branca mina
a solidariedade de classe e fortalece a burguesia. Quando Yokinen
falhou em manter o compromisso do partido com a igualdade racial, ele
deu aos trabalhadores negros boas razões para não esperar nada além de
traição – do partido e de qualquer trabalhador branco.
Hathaway
lembrou ao júri que, como a luta pelos direitos iguais dos negros era
indispensável à luta proletária, o Partido Comunista tinha que provar –
com ações – que estava comprometido em eliminar todos os vestígios de
chauvinismo branco. Expulsar Yokinen demonstraria esse compromisso. Mas
Hathaway também ofereceu a Yokinen um caminho de volta ao partido. Se
Yokinen lutasse ativamente contra a supremacia branca, vendendo o jornal
negro Liberator e relatando seu julgamento no Clube dos Trabalhadores Finlandeses, ele então poderia solicitar readmissão ao partido.
A defesa de
Moore procurou mudar o foco para o inimigo real, a classe capitalista.
Argumentou que foram os proprietários e a burguesia os que espalharam o
veneno do ódio racial – auxiliados por sindicatos e oportunistas no
movimento socialista. O argumento de Moore não era que Yokinen não
deveria ser responsabilizado. Era que ninguém era inocente. É o
imperialismo capitalista, como estrutura, que espalha a ideologia
corrupta da superioridade branca.
Moore voltou
sua crítica ao Partido Comunista, perguntando se o próprio partido havia
feito o trabalho educacional necessário para enfrentar o ódio racial.
Tinha desenvolvido programas para o movimento dos trabalhadores para
explicar a importância da luta contra o linchamento? Havia feito o
esforço colossal necessário para erradicar o preconceito? Moore declarou
que a resposta era “não”. O partido era cúmplice do crime de Yokinen.
Moore concluiu assim que a autocrítica, não a expulsão, era o melhor
caminho. A autocrítica permitiria ao partido provar seu compromisso por
meio de suas ações. Um benefício adicional, argumentou Moore, era que a
autocrítica salvaria Yokinen para a luta, um fator crucial quando cada
trabalhador precisa estar envolvido no esforço de derrubar o sistema.
Em seu resumo,
Moore lembrou ao júri a seriedade de uma expulsão do Partido Comunista.
“Prefiro que minha cabeça seja arrancada do corpo por capitalistas
linchadores do que ser expulso da Internacional Comunista”, disse. Ele
quis dizer que ser separado do partido, separado dos camaradas e privado
de sua camaradagem, é um destino pior que a morte. É o tipo de morte
social em que um trabalhador se torna um forasteiro de seu próprio
movimento, tão ruim quanto os próprios capitalistas.
Moore concluiu
que Yokinen deveria ser condenado, mas mais importante é condenar o
capitalismo pela miséria, preconceito, terror e linchamento que gera. O
partido precisava redimir e educar o camarada, para lhe dar uma chance
de se provar a si mesmo. O partido também teria que se envolver em uma
luta implacável contra o chauvinismo branco e tudo mais que ameaçasse a
unidade de classe.
O júri
considerou Yokinen culpado – nada surpreendente, uma vez que ele já
havia admitido sua culpa. E concordaram em expulsá-lo, mas ficaram
divididos sobre se a expulsão deveria durar seis ou doze meses. Eles
acataram as sugestões da promotoria sobre as maneiras pelas quais
Yokinen poderia corrigir seus erros, vendendo o Liberator e
lutando contra o chauvinismo branco. Ao final, apesar de Yokinen ter
sido expulso, ele permaneceu um camarada. O julgamento resultou em uma
decisão que afirmou seu papel na luta de classes, um papel focado na
construção da unidade entre trabalhadores brancos e negros. O partido
não o limou e forneceu-lhe um caminho de volta.
No dia seguinte ao julgamento, Yokinen foi preso e retido para deportação. A International Labor Defense (IDL
– Defensoria Internacional do Trabalho), ligada à Internacional
Comunista, o defendeu durante suas audiências de deportação.
Do mesmo lado
O julgamento de
Yokinen ensina uma série de lições que os socialistas contemporâneos
fariam bem em reaprender: lições sobre camaradagem. O primeiro conjunto
de lições é sobre estar do mesmo lado. A acusação e a defesa
compartilhavam os mesmos princípios e objetivos: a unidade da classe
trabalhadora, a abolição da supremacia branca, a necessidade de
igualdade racial na vida cotidiana, a revolução proletária. Princípios
comuns permitiram discernir e nomear o inimigo comum – capitalistas e
proprietários defendendo a supremacia branca e a lei do linchamento.
Qualquer um que aceitasse esses princípios era um camarada, mesmo quando
errava. O fato de serem camaradas significava que eram valiosos para a
luta. Eles só precisavam ser ensinados, treinados. A revolução precisa
de tantos recrutas quanto possível.
O segundo
conjunto de lições segue o valor da autocrítica coletiva. Se um de
nossos camaradas errar, nós compartilhamos a responsabilidade por isso. O
que poderíamos ter feito para evitar o erro? Que tipo de instrução ou
orientação poderíamos ter fornecido? Estamos todos imersos na ideologia
racista do capitalismo o tempo todo. Precisamos nos apoiar na luta
contra isso. Devemos condenar ações que reforcem a supremacia branca e
condenar ainda mais fortemente o sistema que a reproduz.
Finalmente, o
terceiro conjunto de lições envolve o caminho de volta. Em contraste com
o identitarismo tóxico, que Mark Fisher apelidou de “castelo dos
vampiros”, e a cultura perniciosa de “cancelamento” que circula entre os
esquerdistas das mídias sociais, no caso Yokinen, o Partido Comunista
buscava unidade. Buscou práticas que construíssem essa unidade, e não
práticas que a desfizessem. Mesmo alguém expulso do partido não estava
completamente condenado. De fato, quando teve que enfrentar o poder
agressivo do Estado imperialista, o partido assumiu a frente em sua
defesa. Yokinen ainda estava do mesmo lado que os comunistas. Ainda era
um camarada. Yokinen aceitou a decisão do partido sobre o trabalho que
precisava realizar para combater a supremacia branca e construir a
unidade da classe trabalhadora. O que estava em jogo não era o moralismo
– a necessidade de um “pedido de desculpas” – ou um julgamento
individualista sobre sua atitude. O que importava era fazer o trabalho
que a luta revolucionária exige.
Disciplina
Para muitos na
esquerda contemporânea, disciplina é uma palavra ruim. Não vêem apenas a
disciplina como uma ameaça à liberdade individual, mas são céticos em
relação à participação política intensa de qualquer tipo. Enxergando a
disciplina camarada apenas como restrição e não como uma decisão de
desenvolver capacidade coletiva, substituem a concretude da luta
política pela fantasia de que a política possa ser individual. Essa
substituição ignora o fato de que a camaradagem é uma escolha voluntária
– tanto para quem se une, como para o partido. Também ignora a
qualidade libertadora da disciplina, pois quando temos camaradas somos
liberados da obrigação de ser, conhecer e fazer tudo por conta própria;
em vez disso, existe um coletivo maior com uma linha, programa e
conjunto de tarefas e objetivos que nos reúne. Somos liberados do
cinismo que posa de maturidade pelo otimismo prático que o trabalho fiel
gera. A disciplina fornece o suporte que nos liberta para cometer
erros, aprender e crescer. Quando erramos – e cada um de nós certamente
errará – nossos camaradas estarão lá para nos levantar, sacudir a poeira
e nos colocar no caminho acertado. Não estamos abandonados para
caminhar a sós.
Os esquerdistas
não-filiados e não-organizados permanecem frequentemente fascinados
pela ilusão de que as, assim chamadas, “pessoas comuns” irão criar,
espontaneamente, novas formas de vida que conduzirão a um futuro
glorioso. Essa ilusão falha em reconhecer as privações e carências
debilitantes que quarenta anos de neoliberalismo infligiram à massa da
população. Se fosse verdade que austeridade, dívida, colapso de
infraestruturas institucionais e fuga de capitais poderiam permitir o
surgimento espontâneo de formas igualitárias de vida, não veríamos as
enormes desigualdades econômicas, a intensificação da violência
racializada, o declínio da expectativa de vida e a morte lenta, a falta
de água não potável, a militarização do policiamento e da vigilância,
bairros urbanos e suburbanos desolados que hoje formam o cenário comum.
Exaustão de
recursos naturais também inclui a exaustão de recursos humanos. Muitas
vezes as pessoas querem fazer algo, mas não sabem o que fazer ou como
fazer. Elas podem estar isoladas em locais de trabalho
não-sindicalizados, sobrecarregados por vários empregos de horário
flexível, cuidando de amigos e familiares. A organização disciplinada – a
disciplina de camaradas comprometidos com a luta comum por um futuro
igualitário emancipatório – pode ajudar aqui. Às vezes, queremos e
precisamos de alguém para nos orientar o que fazer, porque estamos
cansados demais para descobrir sozinhos. Às vezes, quando nos é dada
uma tarefa como camarada, sentimos que nossos pequenos esforços têm
maior significado e propósito, talvez até um significado histórico
mundial na luta milenar do povo contra a opressão. Às vezes, apenas o
fato de saber que temos camaradas que compartilham nossos compromissos,
nossas alegrias e nossos esforços para aprender com as derrotas torna o
trabalho político possível onde não era antes.
Publicado originalmente no site Jacobina em 19 de novembro de 2019. A tradução é de Victor Marques