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sábado, 10 de agosto de 2024

La vicepresidenta ejecutiva Delcy Rodríguez afirmó hoy que Estados Unidos planificó y dirigió el reciente golpe de Estado contra Venezuela, con el apoyo de medios de comunicación y de las redes sociales.

En encuentro desde la Casa Amarilla de la Cancillería con el cuerpo diplomático y periodistas nacionales y extranjeros acreditados en Caracas, la vicemandataria hizo un recuento del proceso electoral y de la trama golpista tejida mediante lo que llamó “terrible fraude”.

Rodríguez se refirió al “fraude vulgar y masivo” planificado desde la nación norteña y que comenzó con el reconocimiento explícito del entonces candidato Edmundo González y la opositora inhabilitada María Corina Machado de desconocer los resultados electorales.

Ellos negaron una semana antes, indicó, reconocer la información oficial que divulgara el Consejo Nacional Electoral, único ente legal reconocido por la Constitución para divulgar información en esa materia, y admitieron que solo lo harían a partir de sus propias actas.

La ministra de Economía, Finanzas y Comercio Exterior denunció que el fraude se venía forjando desde el 18 de julio y luego el 27 del mismo mes se aparecen con el registro de un dominio desde el Reino Unido, para publicar sus resultados, “en total desacato y reconocimiento al Poder Electoral”.

Manifestó que la citada página pretendió sustituir los mecanismos oficiales de difusión del CNE y por eso el fiscal general Tarek Wiliam Saab abrió la víspera un expediente procesal para investigar y judicializar a los responsables.

En su exposición Rodríguez comentó que durante el desarrollo de los sufragios el 28 de julio pudieron apreciar desde el ciberespacio un incremento significativo de ataques si precedentes contra Venezuela que alcanzaron los 30 millones por minuto.

Preguntó qué tienen “las cacareadas actas que generaron una histeria colectiva internacional” y comentó las inconsistencias encontradas en esos documentos que mostró a los presentes con firmas de personas fallecidas que votaron, de las cuales llegaron miles de denuncias.

Además aludió a las actas que encontraron sin datos del operador de máquinas, de testigos, firmas planas, rotas, incompletas y elegibles, que gracias a la censura mediática internacional son las tenidas en cuenta como válidas y que aparecen en esa página web.

Estas actas fraudulentas no son el mecanismo oficial del CNE, al igual que el portal web, remarcó.

La vicepresidenta ejecutiva apuntó que las más de dos mil personas detenidas están confesando, revelan a quienes les pagaron y tienen en sus teléfonos números de Estados Unidos desde donde recibían instrucciones, además de Colombia y Perú.

Subrayó que más allá del tema electoral, “estamos en presencia de un golpe de Estado contenido por la sabiduría del pueblo y el Presidente”.

 Nem nos deixam matar à fome
 Público - 9 Aug 2024
 Por António Rodrigues

Jornalista. Escreve à sexta-feira

Nestes tempos em que se ataca a liberdade de expressão por
delito de opinião e se reivindica a liberdade de expressão para
os discursos mais odiosos, divisíveis e difamatórios, já não
admira que um extremista como o ministro das Finanças de
Israel, Bezalel Smotrich, possa defender sem ser demitido,
que seria “justo e moral” obrigar dois milhões de
palestinianos a morrer à fome.
“Não é possível, na realidade global de hoje, gerir uma
guerra” em que se possa usar a fome como arma de guerra,
desabafou o ministro na segunda-feira: “Ninguém nos permite
matar à fome dois milhões de pessoas, mesmo que isso seja
justo e moral até eles devolverem os reféns.”
A frase não está deslocada nem fora de contexto na boca de
alguém que defende a ideia de que os palestinianos estão por
“engano” naquela terra que é dos judeus há séculos, só
porque o antigo primeiro-ministro Ben Gurion “não acabou o
seu trabalho”. O deslocado é que um perigoso extremista
religioso sirva no Governo de Israel.
A União Europeia lembrou a Smotrich, citada pela Euronews,
que “matar à fome deliberadamente é um crime de guerra” e
Josep Borrell, o ainda representante da política externa dos
27, classificou as declarações como estando “para lá da
ignomínia”, demonstrando que o ministro não respeita “os
mais básicos princípios humanitários”.

Ontem, depois da tempestade provocada, Smotrich recorreu à
fórmula habitual de dizer que os seus comentários tinham
sido retirados de contexto e “mal interpretados”, embora
voltasse a defender que a entrada de ajuda humanitária em
Gaza devia ser condicionada à entrega dos reféns pelo Hamas.
O ministro não entende o conceito de ajuda humanitária, nem
que a mesma não entra em conta quando se trata de condenar
um povo a morrer à fome por causa dos seus líderes.

Já não há indignação
A determinado momento na sua História, Israel perdeu-se.
Tomado pelas ideologias mais extremistas, afectado por uma
religiosidade messiânica que vê os judeus como povo escolhido
e os palestinianos como inimigo a abater ou a expulsar da
Terra Santa, assumiu que os fins justificam os meios e que
tudo lhes está permitido com o beneplácito dos seus aliados
ocidentais (sempre a medir palavras para não acabarem a ser
acusados de anti-semitismo).
O relatório publicado esta semana pela ONG israelita
B’Tselem sobre a forma como são tratados os palestinianos
nas prisões israelitas é um exemplo de como a situação amoral
se instituiu em Israel, se normalizou e é digna de indiferença
ou mesmo aplaudida. O título é elucidativo, Bem-Vindo ao
Inferno,e o subtítulo sintetiza: “O sistema prisional israelita
como rede de campos de tortura.”
Como escreve Gideon Levy, o relatório da B’Tselem “não é
apenas sobre o que está a acontecer nas prisões de Israel; é
um relatório sobre Israel”. Por isso, “qualquer pessoa que
queira saber o que é Israel deve ler este relatório antes de
qualquer outro documento sobre a democracia israelita”.
Israel vem usando ao longo dos anos o seu sistema prisional
como “ferramenta para oprimir e controlar a população
palestiniana”, porém, diz a B’Tselem, o que este relatório põe
a nu é que “mais de uma dúzia de instalações prisionais

israelitas, tanto militares como civis, foram convertidas numa
rede de campos dedicados ao abuso de reclusos”. São “campos
de tortura de facto”, onde “cada recluso é intencionalmente
condenado a sofrer dor e sofrimento incessantes”.
No entanto, sinal de como a sociedade israelita está
completamente anestesiada ao sofrimento palestiniano, e uma
parte substancial até festeja a prática da violação sistemática
dos seus direitos, a imprensa de Israel praticamente ignorou
um relatório que, como salienta Levy, noutros tempos teria
causado “indignação e choque em Israel”
Diplomacia de retaliação
Na visão redutora das relações internacionais do actual
Governo liderado por Benjamin Netanyahu, só há espaço
para amigos e inimigos. “Há um preço a pagar por
comportamento anti-israelita”, afirmou ontem o ministro dos
Negócios Estrangeiros israelita, Israel Katz, para justificar o
facto de Israel ter retirado o estatuto diplomata a oito
noruegueses que serviam nos territórios ocupados.
Para Israel, o facto de a Noruega ter reconhecido o Estado da
Palestina e apoiar a acção contra Israel por crimes de guerra
cometidos em Gaza no Tribunal Penal Internacional traz
consequências. A Noruega chamou-lhe uma “acção
extremista” que irá “afectar” a sua capacidade de “ajudar a
população palestiniana”, o que não será algo que tire o sono a
Katz, Netanyahu e aos outros membros do executivo israelita.
O chefe da diplomacia norueguesa, Espen Barth Eide,
também avisou, em comunicado, que haverá “consequências”
para a decisão tomada por Israel, prevendo-se uma reacção
da mesma dimensão a tomar pelo Governo norueguês.
“Estamos a considerar as medidas que a Noruega tomará
para responder à situação que o Governo de Benjamin
Netanyahu agora criou”, diz o comunicado, citado pelo
Jerusalem Post.

Eide aproveitou para lembrar ao seu homólogo que “a
Noruega será sempre amiga de Israel e do povo israelita”, ao
mesmo tempo que “tem sido clara nas suas críticas à
ocupação, à forma como a guerra em Gaza tem sido
conduzida e ao sofrimento que tem causado à população civil
palestiniana”. Numa entrevista em Maio ao The Times of
Israel, o ministro garantia que a solução dos dois Estados era
“realmente uma medida anti-Hamas”, porque o movimento
palestiniano a rejeita e por ser o mais correcto a fazer para
conseguir a paz para Israel.
O Hamas serve para justificar tudo
Os crimes de guerra que Israel tem cometido na Faixa de
Gaza para se vingar dos ataques do Hamas de 7 de Outubro
são sempre justificados com a necessidade de destruir as
infra-estruturas do grupo palestiniano, matar os seus
comandantes, destruir as suas fileiras e erradicar os radicais
palestinianos da face da terra.
Com a premissa de acabar com o Hamas, Israel não vê
nenhum mal em bombardear áreas residenciais densamente
povoadas, hospitais, escolas, atacar ambulâncias, civis
desarmados, jornalistas — homens, mulheres e crianças,
mortos, feridos, sem abrigo nem comida.
Israel justificou a morte do último dos 113 jornalistas
assassinados, o repórter da Al-Jazeera Ismail al-Ghoul, morto
a 31 de Julho junto com o seu operador de câmara, Ramil al
Rifi, quando o carro onde seguiam foi bombardeado
deliberadamente pela aviação israelita, com o facto de
pertencer ao Hamas. A Al-Jazeera Media Network nega
rotundamente a acusação e pede uma investigação
internacional independente “aos crimes brutais e atrozes
cometidos pelas forças de ocupação israelitas contra os seus
jornalistas e funcionários desde o princípio da guerra em
Gaza”.

Como sempre, Israel não apresentou nenhuma prova da
relação de Al-Ghoul com o Hamas, e a Al-Jazeera lembra que
a 18 de Março o jornalista foi detido pelas forças israelitas,
quando estas invadiram o Hospital Al-Shifa de Gaza,
acabando por ser libertado. Se era um membro tão
importante da ala militar do Hamas para que o seu automóvel
fosse directamente atacado pela aviação israelita, porque o
libertaram?
A verdade é que, nesta guerra brutal e sem misericórdia, os
militares israelitas puseram de lado todas as regras da
Convenção de Genebra e assumiram que toda a população da
Faixa de Gaza apoia o Hamas e, como tal, não são civis, mas
alvos legítimos de uma guerra sem quartel que deixou um
rasto de mais de 40 mil mortos em dez meses.

terça-feira, 6 de agosto de 2024

 JACOBIN

Como os soviéticos quase inventaram a Internet e porque não deu certo

Tradução
Everton Lourenço

Os cientistas soviéticos tentaram por décadas criar uma rede conectando toda sua nação. A mesma coisa que os colocou num impasse está agora fraturando a internet global.

«  Enquanto os projetos de redes de computadores e seus promotores vão continuar exaltando publicamente futuros cada vez mais brilhantes para as redes, as forças institucionais privadas, a menos que sejam colocadas em cheque, continuarão capitalizando redes de vigilância empenhadas em se fecharem privadamente às nossas vidas. (Talvez seja disso que se trata na realidade a privacidade: a vastidão de poder de instituições omnívoras de informação de vasculhar privadamente as nossas vidas, e não apenas os direitos individuais de proteção contra esse ataque privado). O estudo de caso soviético nos recorda que o programa de espionagem doméstica da Agência de Segurança Nacional dos EUA e a Nuvem da Microsoft fazem parte de uma tradição mais longa do século XX de secretariados gerais empenhados em privatizar a informação pessoal e pública para seu benefício institucional.

Em outras palavras, ninguém deveria sentir muito conforto com o fato da Internet global ter evoluído graças a capitalistas cooperativos e não socialistas competitivos: a história da Internet soviética nos lembra que nós, utilizadores da Internet, não temos qualquer garantia de que os interesses privados que atualmente sustentam a Internet se comportarão melhor do que as forças maiores cuja falta de vontade em cooperar não só declarou o fim do socialismo eletrónico soviético como ameaça encerrar o capítulo atual da nossa era de redes.

Sobre os autores

Benjamin Petersis

é professor assistente de Comunicações na Universidade de Tulsa e membro do Projeto Sociedade da Informação na Escola de Direito de Yale. Publicou em 2016 o livro How Not to Network a Nation: The Uneasy History of the Soviet Internet ("Como não interconectar uma nação: a história desconfortável da Internet soviética").

 

É exatamente assim que se parece um genocídio

Tradução
Pedro Silva

O historiador israelense Amos Goldberg tem sido um crítico de primeira hora da guerra de Israel em Gaza, que ele chama de genocídio. Em uma entrevista exclusiva, ele contou à Jacobin por que o termo se aplica — e por que a comunidade internacional precisa acordar para essa realidade e reagir imediatamente. 

(...)

«  Nada de bom virá desta guerra, e não vejo alternativa para este beco sem saída. Vivi minha vida inteira em Jerusalém como ativista e académico, atuando e escrevendo na esperança de mudança. Em um livro coeditado com meu amigo e colega Professor Bashir, The Holocaust and the Nakba: A New Grammar of Trauma and History, e em outros artigos que escrevemos, imaginamos uma solução binacional igualitária. Ela enfatiza direitos iguais para todos, tanto coletivos quanto individuais. Esta visão agora parece mais remota do que ficção científica.

A solução de dois Estados também é apenas uma cortina de fumaça usada pela comunidade internacional, pois não há um caminho realista para alcançar uma resolução viável de dois Estados que garanta aos palestinos seus direitos. A expansão dos assentamentos não deixou espaço para isso, e a ideia de dois Estados iguais nem sequer é considerada.

Mesmo as propostas mais progressistas da esquerda israelita e da comunidade internacional ficam aquém do nível mínimo de dignidade, soberania e independência que os palestinos podem aceitar. Dentro da sociedade israelita, o racismo, a violência, o militarismo e um foco narcisista apenas no sofrimento israelita são tão prevalecentes que quase não há apoio público para qualquer solução além de mais força e matança.

O status quo é insustentável e continuará a levar a mais violência. Israel, que nunca foi uma democracia plena para começar, está perdendo até mesmo suas características democráticas parciais. Hoje, há mais ou menos 7,5 milhões de judeus e 7,5 milhões de palestinos entre o Rio Jordão e o Mar Mediterrâneo sob controle israelita. Os primeiros desfrutam de direitos totais, enquanto os últimos não desfrutam de direitos ou têm direitos parciais.

A sociedade judaica israelita está se tornando mais militante, expansionista e autoritária. A Alemanha, os EUA e a maioria dos países ocidentais contribuíram significativamente para o atual beco sem saída. Estou muito pessimista e deprimido sobre o futuro. Digo isso com grande tristeza porque Israel é minha sociedade e meu lar.

No entanto, a história nos mostrou que o futuro pode ser imprevisível, e talvez as coisas mudem para melhor, mas isso requer imensa pressão internacional. Essa noção abstrata é minha única esperança.

Sobre os autores

Elias Feroz

é escritor freelancer. Entre outras coisas, seus focos incluem racismo, anti-semitismo e islamofobia, bem como a política e a cultura da lembrança.

Amos Goldberg
é professor associado do Departamento de História Judaica e Judaísmo Contemporâneo da Universidade Hebraica de Jerusalém.

segunda-feira, 5 de agosto de 2024

 

newworker.us

Este novo “partido” é uma formação completamente pequeno-burguesa, liderada por streamers (pequenos empresários), trapaceiros políticos e ex-funcionários do Estado e incorporando algumas das tendências mais perturbadoras e prejudiciais que obstruem a reconstituição do partido comunista nos EUA — carreirismo, individualismo, dependência excessiva de formas online de recrutamento e organização [...]

 

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Em 21 de julho de 2024, várias personalidades “comunistas” da internet reuniram-se em Chicago para formar o “American Communist Party ”. Entre os membros fundadores estão Eddie “Liger” Smith, Carlos Garrido, Noah Khrachvik e Kyle Pettis (ex-membro do Maoist Collective – Red Guards e American Party of Labor ) do Midwestern Marx ; Adam “Haz Al-Din” Tahir, Henry Ahmad e Grayson Preutz do   Infrared Collective; Jackson Hinkle (proeminente comunista do MAGA [Make America Great Again, movimento sob a palavra de ordem de D. Trump], do The Dive With Jackson Hinkle ; Christopher Helali do Party of Communists USA ; e Rev Laskaris do RTSG . Juntos, esses dez indivíduos constituem o Comité Plenário do ACP.

declaração de fundação também inclui assinaturas de vinte e nove coletivos do Communist Party USA, bem como três coletivos do PCUSA. No entanto, muitos negaram desde então a filiação no ACP [American Comunist Party] na comunicação social. O ACP justificou a inclusão dessas assinaturas com base numa petição que assinaram contra a Resolução nº 5 da 32ª Convenção Nacional do CPUSA , que formalizou o alinhamento de longa data do CPUSA com o Partido Democrata.

 

Em poucos dias, os líderes do ACP apareceram na Russia Today [canal televisivo da Rússia nos EUA] e no The Jimmy Dore Show para promover a sua nova formação, tendo rapidamente acumulado dezenas de milhares de seguidores no X (antigo Twitter). O seu aumento repentino em popularidade é o culminar da iniciativa “ PCUSA 2036 ”, lançada pelo “Haz Al-Din” em 2021, onde os apoiantes do Infrared foram encorajados a  infiltrar-se no CPUSA, separá-lo do Partido Democrata e “restaurar a sua antiga glória”. Com certeza, a declaração do ACP destaca questões significativas dentro do PCUSA — a saber, a falha de não abordar as lutas da classe trabalhadora nos Estados Unidos, a falta de centralismo democrático, a dissolução do seu braço editorial e jornal ideológico, a transferência de arquivos do partido para a Universidade de Nova York, o seu alinhamento com o Partido Democrata. No entanto, a validade dessas observações não nega o fato de o ACP constituir mais um desvio completo do marxismo-leninismo.

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Este novo “partido” é uma formação completamente pequeno-burguesa, liderada por streamers (pequenos empresários), trapaceiros políticos e ex-funcionários do Estado e incorporando algumas das tendências mais perturbadoras e prejudiciais que obstruem a reconstituição do partido comunista nos EUA — carreirismo, individualismo, dependência excessiva de formas online de recrutamento e organização, bajulação das camadas mais atrasadas da sociedade, promoção e tolerância a posições reacionárias e alienantes (por exemplo, “socialismo patriótico” e “comunismo MAGA”) e apoio a líderes anticomunistas declarados como Nicholas Maduro e Vladimir Putin. Essas tendências não devem ser nenhuma surpresa, já que os líderes do ACP no “Comité Plenário” têm todos um histórico pequeno-burguês como “influenciadores” e “criadores de conteúdos” de media social. Além disso, Hinkle e o Infrared Collective são ambos conhecidos especificamente pela sua adesão a ideólogos fascistas e da “Terceira/Quarta Posição”, como Aleksandr Dugin, James Porrazzo (American Front, New Resistance) e Raphael Machado (New Resistance Brazil).

O ACP junta-se a grupos como a profundamente anticomunista e oportunista Plataforma Anti-Imperialista Mundial, outro grupo fundamentalmente reformista que defende a teoria da multipolaridade. Em vez de lutar pela revolução, o seu verdadeiro objetivo é, portanto, subjugar os trabalhadores e o povo deste país a setores da burguesia nos EUA que supostamente estão interessados ​​no renascimento da produção nacional e da burguesia de outros países. Para esse fim, esses vigaristas cooptam a retórica de Donald Trump, de "trazer os empregos de volta para a América", e o disfarce ideológico do bloco imperialista euro-asiático para a "defesa dos valores tradicionais". A sua máscara de "socialismo patriótico" é projetada para apelar à base do Partido Republicano nos EUA como um suposto baluarte da classe trabalhadora, regressando aos dias de Browder e da Frente Popular e baseando-se em símbolos e tradições modernas e históricas dos EUA com palavras de ordem como "O comunismo é o americanismo do século XX (XXI)". O Midwestern Marx Institute, agora em sintonia com as vozes do comunismo MAGA, desempenhou um papel significativo no desenvolvimento desta estrutura político- ideológica ao utilizar as obras de Georgi Dimitrov [ 1 , 2 , 3 ], tentando dar ao “conteúdo socialista uma forma nacional” — “ Socialismo com características americanas ”. Esta abordagem repete erros passados ​​enquanto sistematicamente obscurece os motivos da burguesia e distorce a realidade, apresentando o conservadorismo e a viragem reacionária do capital como progresso. No entanto, também se mostrou eficaz em influenciar os jovens, que muitas vezes carecem de conhecimento histórico e experiência de classe.

A referência ao Socialismo com características chinesas não é coincidência. Numa entrevista recente com Jimmy Dore, discutindo a fundação do ACP, Hinkle confirmou que “…a maneira como um país comunista opera, pelo menos quando se trata do aspecto económico, é muito semelhante ao que estamos  a ver  a China a fazer hoje.” Tal caracterização contradiz a compreensão marxista do caráter fundamental do capitalismo (apropriação privada da produção social) versus o do socialismo (produção social para as necessidades da sociedade). Hinkle afirma ainda que “a Rússia…está basicamente a reconstruir este mundo multipolar…mesmo que Putin não se considere comunista, [Putin] está fundamentalmente a assumir a roupagem e a agitar a bandeira [bandeira comunista] neste momento”. Ambas as declarações demonstram a rejeição do ACP do comunismo científico, da luta inflexível pela emancipação da classe trabalhadora da burguesia de cada país, em favor do alinhamento do povo com a aliança imperialista BRICS.

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Na mesma entrevista, Hinkle nunca menciona a necessidade da revolução socialista, em vez disso, regurgita o velho e cansado plano de usar o Estado para nacionalizar indústrias. O “socialismo” deve, portanto, ser construído dentro da estrutura da sociedade capitalista, conforme consagrado numa constituição burguesa que garante a propriedade privada e uma declaração de direitos cujas liberdades se estendem apenas até ao capital de alguém.

A bandeira da multipolaridade não pertence aos comunistas. A palavra de ordem para o “mundo multipolar” é uma continuação do imperialismo por meio de uma nova divisão de mercados, força de trabalho e matérias-primas. Trocar um centro imperialista por outro não é troca nenhuma. A multipolaridade é a palavra de ordem da social-democracia, do “progressismo” e, em última análise, da reação disfarçada de revolução. É a bandeira de qual aliança imperialista liderará o sistema capitalista global e, por extensão, a guerra interimperialista.

Alinhar-se com as forças estatais da Rússia e da China é uma traição ao internacionalismo proletário. Significa escolher o lado de um ou outro polo imperialista na competição cada vez mais intensa pelo domínio dentro do sistema imperialista. Hoje, essa competição assume a forma da aliança EUA-OTAN-UE versus a aliança China-Rússia. Nesse sentido, o ACP não é diferente dos partidos sociais-democratas da Segunda Internacional que escolheram ficar do lado da “sua” burguesia. As consequências desse alinhamento também serão as mesmas: a desorientação da classe trabalhadora e a obstrução do caminho para a revolução socialista, deixando o povo impreparado para a ameaça iminente de uma nova guerra mundial.

Devemos ter ainda mais cuidado com qualquer organização que se autointitula como O Partido Comunista, especialmente quando comandada por personalidades online e sem ligação às massas trabalhadoras. Uma afirmação tão grandiosa, nascida de uma megalomania flagrante e apoio inflacionado, só pode levar a mais confusão dentro de um movimento revolucionário já fraturado. O título de Partido Comunista não é algo que alguém possa atribuir a si mesmo. Para os marxistas-leninistas, o partido comunista é a organização de quadros de combate da classe trabalhadora, liderada por um programa revolucionário baseado no princípio do centralismo democrático. O ACP não oferece tal programa, e a aparente falta de eleição do seu "Comité Plenário" coloca em questão a sua reivindicação de defender o centralismo democrático.

Desde a Contrarrevolução na URSS, uma crise político-ideológica devastou o movimento comunista internacional. Sem um centro dirigente para unir as forças revolucionárias do mundo, a ideologia oportunista e revisionista passou a dominar o movimento, particularmente nos EUA. Tudo isso levou ao surgimento de muitas organizações que se autodenominam como as verdadeiras campeãs da classe trabalhadora na luta pelo socialismo-comunismo, entre elas o PCUSA e o ACP. Nenhuma das organizações pode   esquivar-se da sua responsabilidade conjunta pelo desenvolvimento do ACP, pois ambas se tornaram bastiões das mesmas tendências ecléticas e oportunistas que apresentam a China e a Rússia como "anti-imperialistas".

O PCUSA, é claro, nega  a sua responsabilidade pela criação do ACP, alegando que ele “nasceu fora das suas fileiras”. Não dizem nada sobre os anos gastos a cultivar as teorias da multipolaridade, o socialismo de mercado e outras tendências oportunistas dentro das suas fileiras ou a sua renúncia à teoria leninista do partido em favor

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dos padrões organizativos de um partido de massas social-democrata. Mas a verdade é que o PCUSA tem sido um veículo falido do oportunismo e apêndice do sistema político burguês há décadas, tendo-se vinculado há muito tempo com o Partido Democrata em nome da “derrota do fascismo”. É natural que esse ecletismo e oportunismo dessem origem à abominação que é o “American Comunist Party”.

Assim, entre o CPUSA, o PCUSA e o ACP — para não falar das inúmeras outras formações espalhadas pelo país — nenhuma oferece uma opção revolucionária para os trabalhadores e forças populares nos EUA. No entanto, ainda resta uma alternativa ao Estado burguês: a Communist Workers' Platform [Plataforma dos Trabalhadores Comunistas], uma organização dedicada a lutar nas ruas, nos bairros, nas escolas e, crucialmente, nos locais de trabalho pela reconstituição do Partido Comunista nos EUA. Não sonhamos simplesmente com um mundo melhor. Trabalhamos para construí-lo, para construir e organizar as forças da classe trabalhadora preparando-a para a sua missão histórica, o derrube do sistema capitalista.

A burguesia tem os seus partidos . Está na hora para o nosso e precisamos dele agora. 

Partido Comunista AGORA!

Junte-se à Plataforma dos Trabalhadores Comunistas!

 

 

Fonte: https://www.idcommunism.com/2024/07/communist-workers-platform-usa-regarding-the-so-called-american-communist-party.html#more, publicado e acedido em 24.07.2024

 

Fotos:

https://www.sindmetalsjc.org.br/n/4625/todo-apoio-a-greve-dos-trabalhadores-da-gm-nos-eua

 

Eve Ottenberg

[…] a Rússia e a China são gigantes industriais que evitaram o erro arrogante de privatizar as suas indústrias de defesa e que reforçaram a sua produção de armas a níveis que o Ocidente simplesmente não consegue alcançar. Washington e a NATO não poderão resistir muito tempo a esta nova aliança, e isto antes de as coisas se tornarem nucleares.

 

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É um pouco tranquilizador o facto de Donald Trump ter prometido fazer a paz entre a Rússia e a Ucrânia logo que seja presidente. Mas tudo isso será absolutamente em vão se Washington se virar para a guerra com Pequim, uma guerra que rapidamente se tornará nuclear. E não apenas por causa de um Apocalipse Atómico - se Trump pensa que as tropas russas não vão inundar a China em seu auxílio, está redondamente enganado. Isso porque Moscovo e Pequim têm um pacto militar de ajuda mútua de facto. Ou será de jure? A julgar pela presença, em 19 de julho, de soldados chineses na Bielorrússia, onde, ao longo de uma semana, executaram manobras militares com tropas bielorrussas na fronteira polaca, a resposta pode muito bem ser que a belicosidade imbecil do atual regime de Washington em relação a ambas as superpotências tenha levado Moscovo e Pequim a assinarem um verdadeiro pacto de defesa mútua. Portanto, sim, é muito provável que os soldados russos ajudem os chineses no caso de uma guerra dos EUA na Ásia Oriental. E esses russos são algumas das tropas mais aguerridas do planeta.

 

A péssima ideia de uma guerra com esta civilização com cinco mil anos, acalentada pela direita americana, cheira mal por uma série de razões. De acordo com o cenário hipotético e sombrio que o Pentágono e também especialista sobre a China, David Goldman tweetou a 18 de junho, um bloqueio chinês a Taiwan acabaria com o fornecimento de gás à ilha em três semanas, deixando-a sem energia. Depois, “os EUA bloqueariam o comércio chinês através do Estreito de Malaca... A China bloquearia a Coreia do Sul e o Japão (que importam praticamente toda a energia)”. Ao contrário destes países, a China produz 80% da sua energia e a Rússia pode substituir metade das suas importações de alimentos por via ferroviária.

 

“O Japão e a Coreia do Sul fecham as portas. A China aperta o cinto mas continua a funcionar: As bolsas mundiais caem, etc... A China pode conduzir o seu bloqueio usando apenas lançadores de mísseis no continente.” Como não há forma de os desativar, “1) Os EUA enviam F-18 para atingir alvos no continente e a China destrói as bases aéreas de Okinawa e Guam. 2) Os EUA enviam porta-aviões para atacar a China, e esta afunda-os. 3) Os EUA disparam mísseis contra a China a partir das Filipinas, e os mísseis chineses obliteram as Filipinas. 4) Passamos diretamente para uma troca nuclear. Entretanto, a economia mundial diminui 20 a 30 por cento”.

 

Isto parece-lhe suficientemente mau? Aparentemente, não para os raivosos falcões do Congresso do Partido Republicano e para pessoas como Elbridge Colby, que Trump está a considerar para um cargo no gabinete. Estes belicistas namoriscam as políticas que vão causar esta catástrofe, e catástrofe é, porque o que Goldman omite é que Moscovo e Teerão provavelmente se apressariam a ajudar a sua aliada China e a juntarem-se a ela - e com a Rússia na batalha, a coisa torna-se incandescentemente nuclear, com cidades nos EUA, Rússia, Europa e China incineradas.

 

Embora fanáticos como o antigo representante do Partido Republicano, Mike “Sinophobic Rampage” Gallagher, tenham deixado a Câmara dos Representantes, ainda há muitos maníacos que parecem pensar que a guerra com a China pode ser “ganha” e que é um sucesso, e são apoiados pelos Dr. Strangeloves no Pentágono. Este é um perigo real. Conseguirá Trump contê-lo? É pouco provável. Conseguirá Joe Biden? Não, a julgar pela trajetória sombria da guerra por procuração na Ucrânia, o animal de estimação de Biden, uma trajetória em que a escalada ocidental se seguiu à escalada como a noite sucede ao dia. E com uma Casa Branca de Trump, as perspetivas tornam-se consideravelmente mais sombrias, com pessoas como Colby à espera - com toda a sua feroz loucura anti-China - nas asas.

 

Entretanto, a retórica e as ações aquecem. Em 21 de junho, Pequim sancionou a Lockheed Martin por causa de outra venda de armas a Taiwan. O Congresso é a favor destas vendas provocatórias à ilha, caso não saibam, e a China deu a conhecer a sua raiva. “As sanções terão como alvo o diretor executivo da Lockheed Martin, James Teclit, o diretor de operações, Frank St. John, o diretor financeiro, Jesse Malefe, e outros”, noticiou a RT a 21 de junho, incluindo subsidiárias como ‘Lockheed Martin Missile Systems Integration Laboratory, Lockheed Martin Advanced Technologies Laboratory e Lockheed Martin Ventures’. Para os imbecis que se opuseram a estes passos, lembrem-se que a China é um gigante económico e industrial que controla muitas das cadeias de fornecimento das quais depende a nossa indústria de defesa, insanamente cara. Estas vendas de armas a Taiwan são, para além de perigosas, profundamente estúpidas.

 

A venda que originou as últimas sanções tem um valor de 360 milhões de dólares e inclui centenas de drones e mísseis armados. Seguem-se às sanções impostas pela China em maio "a 12 empresas de defesa americanas, incluindo filiais da Lockheed Martin e da Raytheon, bem como a dez executivos". Esta foi a contraofensiva de Pequim ao facto de Washington ter armado Taiwan. Há aqui muito olho por olho. Recorde-se que “o Tesouro dos EUA já tinha anteriormente aplicado medidas restritivas a mais de uma dúzia de entidades chinesas por alegadamente fornecerem bens militares à Rússia”. Aliás, a venda de armas americanas a Taiwan teve outra baixa grotesca, quando Pequim terminou as conversações de não-proliferação nuclear com Washington, a 17 de julho. Porquê? Por causa das armas americanas que inundam Taiwan.

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Mas, aqui e ali, a esperança brilha num horizonte sombrio, embora de forma ténue e a grande distância. Em 15 de outubro, Goldman publicou um artigo de opinião na Newsweek, intitulado “A China não vai à guerra porque não tem de ir”, no qual argumentava que a perspetiva de um combate entre Pequim e o Ocidente por causa de Taiwan é “uma fraude, uma parvoíce, um episódio dos Marretas, cujo objetivo é encobrir a incompetência e a corrupção que levaram o Pentágono a gastar triliões em armas obsoletas. Perdemos o mar do Sul da China há anos... e sabemos disso. Só não o podemos admitir”.

 

Goldman salienta que o departamento de defesa dos EUA reconheceu, pelo menos desde 2012, “que os mísseis superfície-superfície (STS) chineses podem destruir os porta-aviões dos EUA ou qualquer outro ativo militar que não esteja submerso”. De acordo com Goldman, não haverá guerra entre Pequim e Washington, e a China vai simplesmente esperar para absorver Taiwan pacificamente, como sempre foi o plano. Para além disso, a complicar os insanos debates de Washington sobre a guerra com a China, está a relutância de Taiwan em assumir o fardo militar, apesar da persuasão  Beltway, e o seu alarme de que a adesão ao fanatismo dos falcões chineses poderia arrasar a economia e a população da ilha, deixando-a como a Ucrânia, ou seja, destruída. Kiev é uma palavra de ordem entre as nações. Ninguém no seu perfeito juízo quer acabar como a Ucrânia.

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Esta é uma notícia bem-vinda, mas não torna os recentes tinires de sabres menos inquietantes. A 15 de julho, a RT noticiou que outra ronda de manobras navais conjuntas russo-chinesas teve início no Pacífico, perto da cidade de Zhanjiang. O Ministério da Defesa de Pequim anunciou que “a quarta patrulha marítima conjunta no oeste e norte do Oceano Pacífico não visava terceiros e não tinha nada a ver com a atual situação internacional e regional”.

 

No ano passado, realizaram-se também manobras navais conjuntas com a Rússia, a China e o Irão. E não esquecer o novo e brilhante pacto de defesa do Kremlin com a Coreia do Norte. Basta dizer que, em três curtos anos, a equipa Biden conseguiu criar uma Gargântua Eurasiática, unida na sua oposição à agressão ocidental. Não há como voltar atrás no tempo. Esta aliança oriental veio para ficar. E, como observaram especialistas militares como Will Schryver, os Estados Unidos e a NATO não se sairiam bem contra ela.

 

Porquê? Bem, para começar, a Rússia e a China são gigantes industriais que evitaram o erro arrogante de privatizar as suas indústrias de defesa e que reforçaram a sua produção de armas a níveis que o Ocidente simplesmente não consegue alcançar. Washington e a NATO não poderão resistir muito tempo a esta nova aliança, e isto antes de as coisas se tornarem nucleares. Depois, quando isso acontecer, é o fim do mundo para o Ocidente e para o Oriente. Moscovo tem mais armas nucleares do que Washington, bem como tecnologia que o Ocidente não possui, como mísseis hipersónicos. A China e o Irão também os têm agora. E isto antes mesmo de considerarmos o problema da defesa aérea. Os Estados Unidos continentais não a têm. (A Rússia tem a melhor do mundo.) Portanto, estamos indefesos quando se trata de ataques com mísseis e mal equipados, e os génios da Casa Branca forjaram-nos um inimigo assustadoramente poderoso. Muito bem, partido de guerra americano. Deram mesmo um tiro na cabeça do Ocidente com as vossas últimas idiotices. Alguém quer falar de paz?

 

 

 

Fonte: https://www.counterpunch.org/2024/07/26/war-with-china-will-negate-peace-with-russia/, publicado e acedido em 26.07.2024

 

Fotos:

https://cnnportugal.iol.pt/china/porta-avioes/pouco-importa-o-novo-porta-avioes-da-china-estes-sao-os-navios-com-que-os-eua-se-devem-preocupar/20220702/62bc05580cf2ea367d435edc

 

https://www.naval.com.br/blog/2020/08/28/declaracao-dos-eua-sobre-lancamentos-de-misseis-balisticos-chineses/

 

https://www.google.com/search?q=avi%C3%B5es+militares+supers%C3%B3nicos&sca_esv=2d0ef86f978a5b91&hl=pt-

 

 

Tradução de IL

 

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domingo, 4 de agosto de 2024

 

Precisamos de camaradagem

Por muito tempo, a retórica individualista do "autocuidado" eclipsou nosso senso de trabalho coletivo em busca de objetivos comuns. A camaradagem tem a ver com nossa responsabilidade uns pelos outros - e nos torna melhores e mais fortes do que jamais poderíamos ser sozinhos.

Foto: Mike Bird (Pexels)

Por Jodi Dean

Constantemente nos dizem que nossos problemas podem ser resolvidos com imaginação, grandes idéias e criatividade. Parece que novas idéias criativas não apenas resolverão a crise climática, mas também eliminarão desigualdades extremas e até triunfarão sobre o ódio racial. Estranhamente, esse apelo para “pensar grande” e ser “imaginativo” une todo mundo, desde as grandes empresas de tecnologia a ativistas socialistas, passando por políticos ordinários e adeptos do “comunismo de luxo totalmente automatizado”.

Essa aparente unidade nos impede de ver quão graves são os conflitos subjacentes em torno do capitalismo, das fronteiras, migração e recursos. Divisões escapam à visão, ocultadas pela fantasia de que poderia haver alguma ideia grande o suficiente, criativa o suficiente e imaginativa o suficiente a ponto de resolver todos os nossos problemas – e instantaneamente, pelo visto.

Assim é a ilusão que dirige o apelo à imaginação. Mas, na realidade, enfrentamos conflitos fundamentais sobre o futuro de nossas sociedades e do mundo. A mudança social não é indolor. Precisamos aceitar a realidade do antagonismo, saber de que lado estamos e lutar para fortalecer esse lado. Não precisamos convencer todo mundo. O que precisamos é convencer pessoas suficientes a se engajarem na luta, e vencer.

Grandes ideias não são nada sem quadros militantes para lutar por elas. No entanto, grande parte da esquerda contemporânea não conseguiu desenvolver e sustentar uma base de lutadores fortes, comprometidos e organizados. A disciplina do trabalho coletivo em nome de um objetivo compartilhado foi substituída por uma retórica individualista de conforto e autocuidado.

Essa retórica e as práticas correspondentes respondem a um problema real – a escassez de organizações políticas que tenham sentido para seus membros e apoiem suas necessidades. Na ausência de tais organizações, alguns ativistas de esquerda tratam as mídias sociais como uma saída política. Mas, dado o modo de indignação ininterrupta nas redes, ficar online como forma de ser politicamente ativo na esquerda pode ser uma experiência profundamente masoquista.

Os que deveriam estar do nosso lado são os que mais nos atacam. A mesma coisa acontece quando se formam grupos em torno de questões momentâneas para planejar ações conjuntas. Acostumados aos ataques e abusos dos fanáticos de direita mobilizados pelo capitalismo, nos ofendemos fácil e somos lentos em confiar uns nos outros. Apelar para o autocuidado aborda o sintoma, mas não a causa de nossa incapacidade política. Pois ignora o que realmente está faltando – uma relação política construída com base na solidariedade.

A história das organizações socialistas e comunistas nos dá uma figura que encarna essa relação – o camarada. Como um modo de endereçar, pertencimento e destinatário de expectativas, o camarada designa a relação entre aqueles que estão do mesmo lado de uma luta política. Indo além da ideia de política como uma mera questão de convicção individual, o camarada aponta para as expectativas de solidariedade necessárias para construir uma capacidade política compartilhada. Por causa das expectativas de nossos camaradas, comparecemos às reuniões que de outra forma perderíamos, realizamos trabalhos políticos que poderíamos procrastinar e tentamos cumprir nossas responsabilidades uns com os outros. Experimentamos a alegria da luta comprometida, de aprender pela prática. Superamos aqueles medos que podem nos dominar se formos forçados a enfrentá-los sozinhos. Nossos camaradas nos tornam melhores, mais fortes, para jamais nos sentirmos sozinhos.

Ódio racial em julgamento

Tomemos um exemplo da história do Partido Comunista dos EUA: um júri interno realizado no Harlem em 1931. O partido levou August Yokinen, um trabalhador finlandês, a julgamento por preconceito racial, por defender a superioridade branca e avançar pontos de vista prejudiciais à classe trabalhadora. Cerca de 1500 trabalhadores, negros e brancos, participaram do julgamento do partido, realizado no Harlem Casino, um dos maiores auditórios da região. Clarence Hathaway, o editor branco do jornal Daily Worker, apresentou o caso de acusação. Richard B. Moore, um dos oradores negros mais respeitados do partido, liderou a defesa de Yokinen. Um júri de quatorze trabalhadores, sete negros e sete brancos, proferiu o veredicto.

Yokinen era um dos três membros brancos do partido que estavam trabalhando na bilheteria do baile de dança do Clube Finlandês dos Trabalhadores do Harlem. Vários trabalhadores negros chegaram para o baile e só foram admitidos com relutância. Tendo conseguido entrar, foram tratados com tanta hostilidade que logo foram embora. Nenhum dos membros brancos do partido os acolheu ou os defendeu.

Durante a investigação do incidente pelo partido, os camaradas de Yokinen admitiram seu erro. Mas Yokinen tentou justificar seu comportamento, explicando que ele achava que os trabalhadores negros iriam para a piscina e que ele não queria tomar banho com pessoas negras.

Quando chegou o momento do julgamento do partido, Yokinen já havia reconhecido sua culpa e prometido retificá-la com trabalho concreto em favor da luta pela libertação do povo negro. A questão que restava perante o júri era então se Yokinen deveria ser expulso do partido por seu racismo e “chauvinismo branco” ou ser colocado em um período de suspensão supervisionada.

Os argumentos de Hathaway de acusação enfatizaram que Yokinen não apenas falhou em agir de acordo com as expectativas igualitárias do Partido Comunista, mas que esse mesmo fracasso o colocou do lado de linchadores e proprietários. Até a menor expressão de superioridade racial branca mina a solidariedade de classe e fortalece a burguesia. Quando Yokinen falhou em manter o compromisso do partido com a igualdade racial, ele deu aos trabalhadores negros boas razões para não esperar nada além de traição – do partido e de qualquer trabalhador branco.

Hathaway lembrou ao júri que, como a luta pelos direitos iguais dos negros era indispensável à luta proletária, o Partido Comunista tinha que provar – com ações – que estava comprometido em eliminar todos os vestígios de chauvinismo branco. Expulsar Yokinen demonstraria esse compromisso. Mas Hathaway também ofereceu a Yokinen um caminho de volta ao partido. Se Yokinen lutasse ativamente contra a supremacia branca, vendendo o jornal negro Liberator e relatando seu julgamento no Clube dos Trabalhadores Finlandeses, ele então poderia solicitar readmissão ao partido.

A defesa de Moore procurou mudar o foco para o inimigo real, a classe capitalista. Argumentou que foram os proprietários e a burguesia os que espalharam o veneno do ódio racial – auxiliados por sindicatos e oportunistas no movimento socialista. O argumento de Moore não era que Yokinen não deveria ser responsabilizado. Era que ninguém era inocente. É o imperialismo capitalista, como estrutura, que espalha a ideologia corrupta da superioridade branca.

Moore voltou sua crítica ao Partido Comunista, perguntando se o próprio partido havia feito o trabalho educacional necessário para enfrentar o ódio racial. Tinha desenvolvido programas para o movimento dos trabalhadores para explicar a importância da luta contra o linchamento? Havia feito o esforço colossal necessário para erradicar o preconceito? Moore declarou que a resposta era “não”. O partido era cúmplice do crime de Yokinen. Moore concluiu assim que a autocrítica, não a expulsão, era o melhor caminho. A autocrítica permitiria ao partido provar seu compromisso por meio de suas ações. Um benefício adicional, argumentou Moore, era que a autocrítica salvaria Yokinen para a luta, um fator crucial quando cada trabalhador precisa estar envolvido no esforço de derrubar o sistema.

Em seu resumo, Moore lembrou ao júri a seriedade de uma expulsão do Partido Comunista. “Prefiro que minha cabeça seja arrancada do corpo por capitalistas linchadores do que ser expulso da Internacional Comunista”, disse. Ele quis dizer que ser separado do partido, separado dos camaradas e privado de sua camaradagem, é um destino pior que a morte. É o tipo de morte social em que um trabalhador se torna um forasteiro de seu próprio movimento, tão ruim quanto os próprios capitalistas.

Moore concluiu que Yokinen deveria ser condenado, mas mais importante é condenar o capitalismo pela miséria, preconceito, terror e linchamento que gera. O partido precisava redimir e educar o camarada, para lhe dar uma chance de se provar a si mesmo. O partido também teria que se envolver em uma luta implacável contra o chauvinismo branco e tudo mais que ameaçasse a unidade de classe.

O júri considerou Yokinen culpado – nada surpreendente, uma vez que ele já havia admitido sua culpa. E concordaram em expulsá-lo, mas ficaram divididos sobre se a expulsão deveria durar seis ou doze meses. Eles acataram as sugestões da promotoria sobre as maneiras pelas quais Yokinen poderia corrigir seus erros, vendendo o Liberator e lutando contra o chauvinismo branco. Ao final, apesar de Yokinen ter sido expulso, ele permaneceu um camarada. O julgamento resultou em uma decisão que afirmou seu papel na luta de classes, um papel focado na construção da unidade entre trabalhadores brancos e negros. O partido não o limou e forneceu-lhe um caminho de volta.

No dia seguinte ao julgamento, Yokinen foi preso e retido para deportação. A International Labor Defense (IDL – Defensoria Internacional do Trabalho), ligada à Internacional Comunista, o defendeu durante suas audiências de deportação.

Do mesmo lado

O julgamento de Yokinen ensina uma série de lições que os socialistas contemporâneos fariam bem em reaprender: lições sobre camaradagem. O primeiro conjunto de lições é sobre estar do mesmo lado. A acusação e a defesa compartilhavam os mesmos princípios e objetivos: a unidade da classe trabalhadora, a abolição da supremacia branca, a necessidade de igualdade racial na vida cotidiana, a revolução proletária. Princípios comuns permitiram discernir e nomear o inimigo comum – capitalistas e proprietários defendendo a supremacia branca e a lei do linchamento. Qualquer um que aceitasse esses princípios era um camarada, mesmo quando errava. O fato de serem camaradas significava que eram valiosos para a luta. Eles só precisavam ser ensinados, treinados. A revolução precisa de tantos recrutas quanto possível.

O segundo conjunto de lições segue o valor da autocrítica coletiva. Se um de nossos camaradas errar, nós compartilhamos a responsabilidade por isso. O que poderíamos ter feito para evitar o erro? Que tipo de instrução ou orientação poderíamos ter fornecido? Estamos todos imersos na ideologia racista do capitalismo o tempo todo. Precisamos nos apoiar na luta contra isso. Devemos condenar ações que reforcem a supremacia branca e condenar ainda mais fortemente o sistema que a reproduz.

Finalmente, o terceiro conjunto de lições envolve o caminho de volta. Em contraste com o identitarismo tóxico, que Mark Fisher apelidou de “castelo dos vampiros”, e a cultura perniciosa de “cancelamento” que circula entre os esquerdistas das mídias sociais, no caso Yokinen, o Partido Comunista buscava unidade. Buscou práticas que construíssem essa unidade, e não práticas que a desfizessem. Mesmo alguém expulso do partido não estava completamente condenado. De fato, quando teve que enfrentar o poder agressivo do Estado imperialista, o partido assumiu a frente em sua defesa. Yokinen ainda estava do mesmo lado que os comunistas. Ainda era um camarada. Yokinen aceitou a decisão do partido sobre o trabalho que precisava realizar para combater a supremacia branca e construir a unidade da classe trabalhadora. O que estava em jogo não era o moralismo – a necessidade de um “pedido de desculpas” – ou um julgamento individualista sobre sua atitude. O que importava era fazer o trabalho que a luta revolucionária exige.

Disciplina

Para muitos na esquerda contemporânea, disciplina é uma palavra ruim. Não vêem apenas a disciplina como uma ameaça à liberdade individual, mas são céticos em relação à participação política intensa de qualquer tipo. Enxergando a disciplina camarada apenas como restrição e não como uma decisão de desenvolver capacidade coletiva, substituem a concretude da luta política pela fantasia de que a política possa ser individual. Essa substituição ignora o fato de que a camaradagem é uma escolha voluntária – tanto para quem se une, como para o partido. Também ignora a qualidade libertadora da disciplina, pois quando temos camaradas somos liberados da obrigação de ser, conhecer e fazer tudo por conta própria; em vez disso, existe um coletivo maior com uma linha, programa e conjunto de tarefas e objetivos que nos reúne. Somos liberados do cinismo que posa de maturidade pelo otimismo prático que o trabalho fiel gera. A disciplina fornece o suporte que nos liberta para cometer erros, aprender e crescer. Quando erramos – e cada um de nós certamente errará – nossos camaradas estarão lá para nos levantar, sacudir a poeira e nos colocar no caminho acertado. Não estamos abandonados para caminhar a sós.

Os esquerdistas não-filiados e não-organizados permanecem frequentemente fascinados pela ilusão de que as, assim chamadas, “pessoas comuns” irão criar, espontaneamente, novas formas de vida que conduzirão a um futuro glorioso. Essa ilusão falha em reconhecer as privações e carências debilitantes que quarenta anos de neoliberalismo infligiram à massa da população. Se fosse verdade que austeridade, dívida, colapso de infraestruturas institucionais e fuga de capitais poderiam permitir o surgimento espontâneo de formas igualitárias de vida, não veríamos as enormes desigualdades econômicas, a intensificação da violência racializada, o declínio da expectativa de vida e a morte lenta, a falta de água não potável, a militarização do policiamento e da vigilância, bairros urbanos e suburbanos desolados que hoje formam o cenário comum.

Exaustão de recursos naturais também inclui a exaustão de recursos humanos. Muitas vezes as pessoas querem fazer algo, mas não sabem o que fazer ou como fazer. Elas podem estar isoladas em locais de trabalho não-sindicalizados, sobrecarregados por vários empregos de horário flexível, cuidando de amigos e familiares. A organização disciplinada – a disciplina de camaradas comprometidos com a luta comum por um futuro igualitário emancipatório – pode ajudar aqui. Às vezes, queremos e precisamos de alguém para nos orientar o que fazer, porque estamos cansados ​​demais para descobrir sozinhos. Às vezes, quando nos é dada uma tarefa como camarada, sentimos que nossos pequenos esforços têm maior significado e propósito, talvez até um significado histórico mundial na luta milenar do povo contra a opressão. Às vezes, apenas o fato de saber que temos camaradas que compartilham nossos compromissos, nossas alegrias e nossos esforços para aprender com as derrotas torna o trabalho político possível onde não era antes.

Publicado originalmente no site Jacobina em 19 de novembro de 2019. A tradução é de Victor Marques

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