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terça-feira, 23 de março de 2010

Na Hora Da nossa Morte (Novela, cont.)

DIÁRIO DE MARTA -21


O encontro com a Clara foi prolongado. Jantámos no Centro Comercial do Monumental, fomos a seguir ao cinema. Foi fácil e rápido esclarecer o mistério. Não lhe confessei evidentemente o meu enlace com o Nuno, nem, sobretudo, o desenlace. Bastou-me perguntar se ela namorava e, depois, com quem. Como de nada suspeitava em relação a mim, confidenciou-me o que as mulheres confidenciam às outras com boa vontade. Namorava com o Nuno! Claro, já adivinhava. O que não adivinhava era o resto: que ela acabara de com a relação. Porquê? Porque descobriu que ele a atraiçoava. Com quem? Não sabe. Não sabe e não lhe importa saber. Conjectura que será provavelmente com uma colega de ambos, do curso, uma tal Susana, com quem ele se entretém demasiado…De mim, nem a mais leve suspeita.

Aqui está a verdade nua e crua. Tão parva fui eu como a Clara. Arquitectámos uma armadilha para o gajo cair. Uma pequena vingança, para ele aprender. Contudo, quando nos despedimos, já a noite ia alta, desistimos da ideia. Não vale a pena. Desmascará-lo como? No fundo, é um gajo como os outros. Saltita de flor em flor como as abelhas. Um dom João de pacotilha. A receita do costume. Parece que agora há mais iguais a ele. Culpam as mulheres, cada vez mais atiradiças, mais bonitas; nós culpamo-los a eles. Sinal dos tempos. No fundo, são uns fracos.

Sinto saudades do professor Ramos. Firme na sua solidão voluntária. Ouvinte e conselheiro excepcional. Na verdade, não dá conselhos, nem profere lições. Narra as suas experiências de tal modo que as faz assemelhar-se às dos outros. Gosto dos seus olhos cheios de meiguice. Alguma vez fez mal a alguém? Provavelmente, quem não fez? Mas sem maldade, seguramente sem maldade. Quantas mulheres amou? Muitas, certamente. Alguma mais do que as outras? Talvez, sucede com quase todos nós. Terá saudades minhas?

Da conversa com a Carla, mais espantoso do que ser também vítima do mesmo traiçoeiro, mais espantosa do que essa confissão 8que nos aproximou ainda mais) foi a confidência, quase despropositada, de que namorara com o Carlos. Exactamente: o meu antigo namorado do liceu. Espevitou-me a curiosidade: fiz-lhe contar tudo sobre quem era esse Carlos, como era, onde parava. Aí não resisti a contar-lhe a minha vida passada com o Carlos, há vinte anos. Ficou boquiaberta, este mundo é pequeno. E se nos encontrássemos os três? Desafiei-a. Que não, o Carlos suscitava nela sentimentos confusos, fortes, que não compreendia, nem dominava. Foi o primeiro homem com quem foi para a cama, o seu primeiro amor sério, ou a sério. Não, era melhor não. Ensinara-lhe tudo o que ela quis aprender.

Depois disto gostava de reconhecer esse Carlos. Mudou ou é o mesmo?

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