DIÁRIO DE MARTA -19
Eu pressentia que alguém se interpunha entre nós. O Nuno é afinal um jovenzito que, por mais astucioso que consiga ser, não engana sempre, a paixão é cegueira, mas não é estupidez, pelo contrário aguça os sistemas de alarme, espicaça a curiosidade, orienta a atenção para os mínimos pormenores. Os seus olhares distraídos, as mensagens que recebe e não explica, os telefonemas que faço e que ele não atende, os atrasos frequentes aos encontros, una aromas estranhos que emana da sua pele, tão estranhos como perfumes femininos que bem conheço…O Nuno atraiçoa-me. Com quem ainda não descobri. Tudo começou com uma ligeira desconfiança, hoje é uma certeza. Confrontei-o, não se retratou. Explicações evasivas. O ciúme insinua-se como um tóxico, não permitirei que me domine, não permitirei que me faça regredir ao negro e pesado luto donde talvez não haja saído ainda. Darei a volta por cima. Ter um namorado, ao fim de tanto tempo de solidão e desleixo por mim mesma, serviu-me para alguma coisa. Sim. Rejuvenesceu-me. Deu-me alento e amor-próprio. Voltei a sentir-me mulher. Atraiçoa-me mas não alimento vinganças. Talvez não devesse sequer importar-me em saber quem é a outra, mas não resisto a decifrar o enigma. Mais nova, da minha idade? Provavelmente mais nova, provavelmente uma antiga namorada, provavelmente alguém que não saiba que também é atraiçoada. O erro foi meu, mas não me arrependo. Volto a ficar sozinha. Não respondo aos seus telefonemas. Não o quero ver. Não me quero sujeitar à humilhação de acreditar de novo numa mentira. Necessito de sair para fora de mim, de distrair. Não é de desabafar que preciso, não contarei a ninguém. Todo o mundo anda a atraiçoar todo o mundo. Não vale a pena narrar uma traição a quem com certeza também foi atraiçoado. Corta-se a corrente e silencia-se. A bem dizer não o amei. Apaixonei-me. Uma mulher que perdeu uma filha há pouco mais de um ano, que odeia o ex-marido, não pode voltara amar tão depressa e tão facilmente.
Sem comentários:
Enviar um comentário