Filosofia, Sociologia, Psicologia
Dissemos já noutros escritos que o pensar filosófico orienta-se por um de dois caminhos, a um chamamos idealismo, a outro, materialismo. O sufixo «ismo» significa preferência, adopção. Se eu colocar a matéria como noção nuclear, serei materialista; se, pelo contrário, valorizar unicamente ou principalmente as ideias, o pensamento, serei idealista. Neste sentido podemos considerar o idealista como aquele indivíduo que se orienta por um ideal, mas apenas no sentido de que atribui à Ideia uma supremacia sobre a matéria, entendida esta como algo que não possui valor em si mesma (quem lhe atribui valor é o intelecto), um substrato informe. Determinados filósofos exprimiram mesmo um certo desprezo pelas coisas materiais, uma realidade incómoda que aprisionava o pensamento, o qual só é livre quando triunfa sobre o domínio dos corpos; a matéria é demasiado fátua, movediça, mortal, passageira, bruta, enquanto as mais grandiosas ideias são puras, etéreas, eternas. A filosofia ocidental, por influência da doutrina de Platão e da teologia medieval, induziu na formação de sucessivas gerações, séculos fora, a crença no valor superlativo das ideias, do espírito, emprestando à matéria uma categoria de obstáculo, numa espécie de cenário em que a missão do homem é lutar e dominar a natureza, fonte dos males e do pecado. Esta orientação anti-naturalista da filosofia ocidental já foi suficientemente criticada pela filosofia contemporânea e todos sabemos o papel que o filósofo alemão F. Nietzsche desempenhou. Contudo, o idealismo permanece, embora sob outras formas místicas e mistificadoras. De resto, os seus adeptos encarregam-se de prosseguir nos ataques, velados ou não, ao materialismo. Verifica-se por exemplo quando uma certa sociologia resvala para um completo subjectivismo na análise da acção humana, desprezando o carácter exterior que as relações sociais assumem e que oprimem o indivíduo sem que ele sequer se aperceba das causas do seu mal-estar ou dos limites que constrangem a sua mobilidade social e a sua independência. Vemos por exemplo numa certa Psicologia Diferencial que se mune de extraordinários instrumentos de medição mas subavalia os contextos, sobreavalia as intenções e subavalia os actos, constrói um indivíduo abstracto desligado do trabalho e das relações sociais de produção. Estuda-se mais a psicologia do consumidor do que a psicologia do produtor.
A filosofia como consciência da contrariedade
Afirmamos que existe uma constante relação, intrínseca , entre a filosofia e consciência das contradições . Tratar-se-ia de saber qual a filosofia que adquiriu já ou permite adquirir uma mais plena consciência das contradições e ela mesma se apresenta como expressão e elemento da contrariedade da história. E nós julgamos que é a filosofia materialista, com um método dialéctico e um resultado prático. Por definição e intenção é uma filosofia que se liberta de qualquer elemento ideológico unilateral e fideísta (dogmático, apriorístico, particular). O filósofo não só compreende as contradições dos acontecimentos, do viver social, como se coloca a si próprio como elemento da contradição, actor ou agente por um lado da afirmação que nega, por outro da negação que afirma. Isto é, participa na superação das contradições.
Se existem sob os nossos olhos contradições é porque existem necessariamente relações, conexões, ligações. Nem todas elas são contraditórias e nem todas as contradições são antagónicas (antagonistas), podem sê-lo secundárias e podem sê-lo principais. O que nos aparece como separado, aleatório, desconexo, desligado, compõe-se, o mais das vezes de uma unidade, instável, deveniente, sim, mas unidade. Sob a descontinuidade das águas corre um rio (o mesmo). Sob a fragmentação é sempre (ou quase sempre) possível descortinar uma totalidade. Um todo, um sistema, uma estrutura. A complexidade acaba por emergir sobre a linearidade, a superfície. As águas calmas de um lado ocultam correntes submersas. Não há oceanos sem marés e correntes submarinas que influenciam poderosamente os ventos e os climas. Quando observamos uma particularidade, aquilo a que chamamos uma singularidade, é necessário ter o todo diante dos olhos. Não falamos do Absoluto, falamos do todo de uma Coisa ou de um Acontecimento. O elemento parece inerte, parado, permanente, contudo o todo move-se. O seu movimento não é transcendente aos elementos que o constituem, é imanente. Sem o movimento das partículas não existiria movimento do conjunto. A unidade é a unidade das contradições que a animam. A história é o palco onde se manifestam com clareza as contradições (a história colectiva mas não excluímos a história individual). Um indivíduo ao longo da vida adquire uma determinada personalidade, nesse sentido é uma unidade que nos permite reconhecê-lo, prever determinados comportamentos, tende a conservar atitudes e intenções, porém ele é fruto de transformações, aprendizagens, maturações e o senso comum apercebe-se bem de que ninguém está isento de contradições.
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