DIÁRIO DE MARTA -20
Ciúme. Que fazer deste ciúme? Moê-lo, remoê-lo? Obcecada com as lembranças? Remoer as lembranças não faço farinha nenhuma. Não crio nada que não seja a dor, pura perda de tempo, puro masoquismo. Lembrar as suas carícias, as suas palavras, as fantasias, o seu corpo, adjectivá-lo? Para quê, porquê? Nem as suas palavras eram profundas, nem a superfície do seu corpo era singular, não foi o primeiro, não será o último. Vingar-me? Em quem? nele, em mim? Não me seduziu, deixei-me seduzir, não me encontrou, fui eu que o achei. Nem o perdi. Nunca tinha sido meu. Estou furiosa, e nem sei porquê. Não é ele tão importante assim que mereça destruir-me. Ou destrui-lo. Ninguém merece que se morra por amor. Só nos filmes. E esses só me comovem quando o objecto de amor morreu sem culpa formada. Como a minha filha Gisela. Era eu que devia estar naquele carro, era eu que devia ter morrido no acidente, não ela. Porém, continuo a viver, a resistir, há em mim uma força bruta que me obriga a sobreviver. Este mau bocado há-de passar. Esta dor é infinitamente menor do que a da perda da Gisela. Por ele não tive amor, tive paixão. Caprichosa, evasiva, fútil, passageira. Vai passar.
Com quem me atraiçoou? Vou encontrar-me com a Clara. Ela conhece o Nuno, foi através dela que o conheci.
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