O ministro do ensino superior e da ciência pede aos portugueses para estudarem mais, que é preciso duplicar o número dos licenciados (de um milhão para dois milhões), que é urgente aumentar-se a produtividade. Este axioma mais qualificação=mais produtividade é um velho lamento e uma velha receita. Não é falsa, mas porque não é «falsificável» como diria o falecido Popper. Primeiro importa escolher: é déficit e o endividamento que constituem a doença principal ou a produtividade? Segundo - Aumentar as receitas do Estado sem aplicar políticas de crescimento é aumentar a produtividade? Bastam boas qualificações com baixos salários e emprego precário para aumentar a produtividade? Qualificação mais baixos salários menos serviços sociais a cargo do Estado fazem melhorar a produtividade? Não é o salário aquilo que corresponde às despesas necessárias à reprodução da força de trabalho do trabalhador? Não é o emprego garatido e na ocupação em que se qualificou o trabalhador um estímulo para a produtividade? Estão as empresas preparadas e interessadas em empregos qualificados, portanto, mais caros?
O ministro fala para um lado, o ministro das finanças fala para outro.
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quarta-feira, 30 de junho de 2010
terça-feira, 29 de junho de 2010
Encerrem-se as escolas! Juntem-se as crianças em mega-agrupamentos!A pirâmide é o símbolo da teocracia.
O encerramento de escolas é uma medida questionável. O Governo pretende fechar 900 até 2011, segundo o critério de, no mínimo, 21 alunos. Um jornal diário (hoje) faz as contas a uma pequena amostra: dezenas de milhões de euros desperdiçados em escolas encerradas ou a encerrar nas quais se procedeu a obras de requalificação (cumprimento das Cartas Educativas concelhias). Nas regiões do Norte interior e do Alentejo. O nº como critério é verdadeiramente obscuro, apenas burocratas o podem inventar, sem avaliarem as diferenças dos lugares a qualidade do ensino prestado nessas escolas. No Alentejo considera-se razoavelmente que escolas com 11 alunos é muito bom, por exemplo. Poupar despesas no ensino (de crianças!) ou na saúde (das populações igualmente pobres) é controverso sempre, para não dizer pior, mas fazê-lo de modo discricionário e administrativo, é realmente estúpido. Não sei como qualificar esta ministra da educação, com um curricula tão inteligente e criador, que embarca nesta e noutras medidas tão imbecis. É o ministro das finanças que manda??
sábado, 26 de junho de 2010
O papel histórico dos «esquerdistas»
Os mass media noticiaram o atentado bombista na Grécia que não atingiu o ministro do interior que era o alvo mas matou um seu colaborador. Envolvem este acontecimento com a mensagem segundo a qual já não é o primeiro atentado cometido pela «extrema esquerda» (sic) na Grécia, por causa das políticas de austeridade prosseguidas pelo governo (sic). Eis um aocntecimento real e uma mensagem ideológica (política) clara como água cristalina, que nos faz imediatamente lembrar duas coisas já muito velhas e muito conhecidas: a propaganda da "guerra fria" inculcada pelos media contra a Esquerda (comunistas por regra e alvo) e a actividade cúmplice dos «esquerdistas» (designados agora por anarquistas), isto é, sempre que as massas populares encetam grandes e vitoriosas lutas surgem grupúsculos extremistas (que se faziam passar por comunistas) que fazem o jogo das polícias e dos governos. As «Brigadas Vermelhas» italianas dos anos 70 assassinaram o 1º ministro Aldo Moro quando ( e porque) ele preparava um entendimento com o PCI a nível de governo. Preparemo-nos para o que possa aparecer agora em Portugal. Não conhecemos nós o papel desempenhado pelos moístas do MRPP e daquele partideco "AOC" organizado pelo Mário Soares para dividir a esquerda revolucionária e confundir os eleitores?
Idealismo, o que é?
O que é o idealismo em filosofia? É, estritamente falando, idealizar a realidade. O contrário, portanto, de realismo. Há idealismos extremos, como o defendido pelo bispo Berkeley que negava a existência objectiva do mundo fora das suas (dele) sensações, «ser é ser percebido». Há idealismos moderados, como o de I. Kant, que defendia que somente os fenómenos são cognoscíveis, o que está "por detrás deles", os númenos, é incognoscível (admite-se a sua existência apenas como crença), à semelhança de D. Hume que considerava meras "crenças" todas as nossas convicções (habituamo-nos a acreditar por conveniência). Deste modo, há idealismos que negam verdadeira realidade independente ao mundo fora da intervenção dos sentidos ou dos significados que lhe atribuímos, isto é, o sujeito é que fornece realidade às coisas. Sem a consciência, ideias ou intervenção humana, nada existe, ou existe apenas o nada. Se existe algo não sabemos o que seja, somente quando digo «isto é vermelho» esta coisa vermelha existe.
A filosofia distingue realidade, de existência. E faz outra distinção: entre Ser (ontos) e entes.
O materialismo toma uma posição completamente contrária aos idealismos.
A filosofia distingue realidade, de existência. E faz outra distinção: entre Ser (ontos) e entes.
O materialismo toma uma posição completamente contrária aos idealismos.
quinta-feira, 24 de junho de 2010
Conspirações
Vemos filmes norte-americanos contarem histórias de conspirações envolvendo multinacionais (corporações) com sede ou não nos EU, a CIA, serviços de contraespionagem de outras potências, e ficamos a pensar se o cinema imita a vida ou o contrário. Lemos em livros ou na net explicações sobre a invasão do Iraque envolvendo "esquemas" com petrodólares, teorias sobre quem realmente lançou os aviões contra as Torres Gêmeas, teses sobre as mãos visíveis que manipulam a "mão invisível" dos mercados financeiros, os verdadeiros propósitos da política externa dos EU e da UE, as esondidas combinações entre a Alemanha e a França, o imperialismo dos Bancos, os off-schores e a lavagem de dinheiro, as máfias com tentáculos que chegam aos governos e até se introduzem em gabinetes obscuros do Vaticano...
Lemos e vemos. Onde acaba a diversão e começa a verdade? Será a realidade ainda pior que a ficção? Serão apenas anti-utopias como o foi o livro de Georges Orwell? Avisos? O que poderá vir a ser se permitirmos que seja? Histórias veridicas, teorias que descrevem a trama dos acontecimentos mundiais?
Numa época da comunicação global, da informação super-abundante, quanta informação nos falta, quanta nos é sonegada? Como é possível enganar e manipular biliões de seres humanos? Não disse milhões, disse biliões.
Distinguir as más teorias da conspiração das boas, os bons livros dos medíocres, os bons filmes dos maus, descobrir quem são de facto os maus da fita, eis um duro trabalho. Que só cada um pode fazer por si e para si. A História caminha sempre, mas pelo mau.
Lemos e vemos. Onde acaba a diversão e começa a verdade? Será a realidade ainda pior que a ficção? Serão apenas anti-utopias como o foi o livro de Georges Orwell? Avisos? O que poderá vir a ser se permitirmos que seja? Histórias veridicas, teorias que descrevem a trama dos acontecimentos mundiais?
Numa época da comunicação global, da informação super-abundante, quanta informação nos falta, quanta nos é sonegada? Como é possível enganar e manipular biliões de seres humanos? Não disse milhões, disse biliões.
Distinguir as más teorias da conspiração das boas, os bons livros dos medíocres, os bons filmes dos maus, descobrir quem são de facto os maus da fita, eis um duro trabalho. Que só cada um pode fazer por si e para si. A História caminha sempre, mas pelo mau.
quarta-feira, 23 de junho de 2010
Ainda sobre a "educação sexual" pelas escolas
A «educação sexual» a cargo da escola não é uma questão moral, é uma questão, sobretudo, de saúde pública. Mas não só (no sentido restricto, pelo menos): é também uma medida para civilizar as relações humanas, sociais, entre dois amigos ou parceiros, entre os "pares" (os iguais), entre os géneros, para tornar mais consciente aquilo que é inconsciente (a sexualidade), para explicar que o amor é uma "astúcia" da natureza para melhor juntar dois parceiros, mas uma astúcia que pode ser governada pela consciência humana, um acto que o grau de afecto pode conter ou libertar. Se lhe atribuirmos o seu sentido mais elevado, ela serve a emancipação do homem e da mulher, principalmente da mulher (quem oprimiu não foi a mulher, foi o homem, a "masculinidade"), não subtrái à igualdade, acrescenta-a, dá-lhe mais substância concreta. O que se deve transmitir na «educação sexual» aos adolescentes é a igualdade dos géneros (dos sexos), direitos e deveres iguais. Quem mais sofre na pele os efeitos de uma má educação sexual são os mais desprotegidos; não me refiro apenas aos púberes e adolescentes, mas àqueles que vivem na miséria (ou no seu limiar) económica e cultural, que somam às dificuldades que já têm, uma gravidez indesejada, inoportuna. A maior parte das famílias numerosas pertencem a essa camadas sociais. Certamente que a má educação sexual (os comportamentos irresponsáveis de risco) é transversal a todas as classes sociais, mas, pela evidência dos números, é menos evitável nas classes mais pobres, por via de factores que vão para além dos rendimentos mas que começam pelo nível da pobreza. Pode-se ensinar melhor ou pior a educação sexual nas escolas, contudo é sempre melhor do que aquela que é prestada pelos avós ou pelos progenitores (por razões psicanalíticas e psicológicas, pelo facto de que a família é uma instituição mais ou menos fechada, hierárquica). Recusar a educação sexual pelas escolas por motivos moralistas só pode provir de elites (económicas, não culturais), de partes ou do todo das classes dominantes, quer seja escudadas sob a capa de um catolicismo serôdio e hipócrita (mas milenar), quer seja para proteger os seus "direitos de progenitura", ou seja, dinásticos.
Blogues
Os blogs (como escrever: blog ou blogue?) valem o que valem. Muito poucos, ou ninguém, procuram neles grandes e graves dissertações ou mesmo ensaios (no sentido convencional da palavra). Querem-se velozes, sucintos, divertidos. Não há tempo para mais, o tempo que sobra é para relaxar, abstrair-se do tempo real gasto ou para gastar, distrair-se dos compromissos de que se faz o tempo, medido pelos relógios, pelos toques de campainha ou pelo «picar o ponto». Os blogs não se inventaram para produzir ciência mas opinião (embora a ciência não dispense a opinião), isto é, doxa. E mesmo assim um comentário opinativo breve para não ser "chato", porque a "seca" aplica-se tudo que seja teórico (o convívio é que é bom). O blog é como o facebook ou qualquer dos outros meios de contacto: enviam-se mensagens, convites, trocam-se elogios mútuos (todos são "amigos" e, por isso, elogiam-se uns aos outros, mesmo que aquilo que lá escrevem ou "produzem" seja de uma mediocridade alarmante). Blogs, facebooks e outros meios semelhantes, são vastas feiras de vaidades, isto é, de narcisismos. Mas são também, paradoxalmente ou não, instrumentos incontornáveis e inegáveis de comunicação de afectos, que reforçam a função dos telemóveis e até lhe acrescentam alguma coisa. Constituem-se grupos, movimentos, agremiações, irmandades, tribos, num instante, permitindo as uniões (mais ou menos fugazes), as fusões e as efusões, substituindo os arqueológicos telegramas e as não menos arqueológicas cartas de amor. Os fiéis fortalecem a sua fé reafirmando incansavelmente a sua crença aos olhos dos seus «companheiros de estrada».
A diferença dos blogs é ligeira: são do mesmo modo mensagens, espaços de maior ou nenhuma criatividade pessoal, postais que se endereça a alguém ou a ninguém, formais e informais, pessoais e impessoais no destinatário, confissões, estados de alma, partilha de gostos. Positivamente podem alcançar um grau pedagógico supletivo da escola formal ou dos livros convencionais. Blogs muito visitados pertencem normalmente a individualidades, nome que se costuma dar a indivíduos mediáticos (alguns funcionam à maneira dos gurus, dos sacerdotes que detêm a informação privilegiada).
O meu blog não é mais do que, à semelhança de muitos outros, uma forma de enganar a morte.
A diferença dos blogs é ligeira: são do mesmo modo mensagens, espaços de maior ou nenhuma criatividade pessoal, postais que se endereça a alguém ou a ninguém, formais e informais, pessoais e impessoais no destinatário, confissões, estados de alma, partilha de gostos. Positivamente podem alcançar um grau pedagógico supletivo da escola formal ou dos livros convencionais. Blogs muito visitados pertencem normalmente a individualidades, nome que se costuma dar a indivíduos mediáticos (alguns funcionam à maneira dos gurus, dos sacerdotes que detêm a informação privilegiada).
O meu blog não é mais do que, à semelhança de muitos outros, uma forma de enganar a morte.
A educação sexual nas escolas
Aquelas embalagens a que agora chamam "kits" foram distribuídas aos estudantes com materiais informativos e formativos sobre «Educação Sexual». A Associação de Pais, creio que ainda presidida por um senhor direitista que foi apoiante da ministra da educação anterior a esta última, vem decretar que o material incentiva a masturbação, a promiscuidade e a homossexualidade. Pode ser o tal "kit" de valor discutível, podem ser as estratégias de educação sexual nas escolas de orientação e aplicação duvidosa, seja o que for que importa melhorar e avaliar não explica nem justifica a declaração ideológica da Associação que não se sabe se representa realmente os pais de Portugal. Porque é de ideologia que se trata. Uma ideologia reaccionária e obsoleta, sobretudo hipócrita, que alija para as escolas a responsabilidade da educação, da má educação e dos insucessos, das práticas dos costumes liberais, do laxismo e do facilitismo, da tirania dos meninos caprichosos, insolentes e que mentem aos pais sobre os professores, que induzem os paizinhos a agredir os professores com palavras, ameaças ou chantagens (métodos muito usados pelas elites). Uma ideologia que promoveu o egoísmo, o narcisismo, uma doutrina com direitos sem deveres, uma pseudo-moral sem responsabilidade e trabalho que inventiva ao gozo imediato dos prazeres, à banalização das obscenidades ditas e vistas, aos discursos mais paupérrimos que jamais se ouviram, ao consumismo urgente. Pais e meninos que nunca leram Platão e detestam a filosofia e, por isso, nunca os argumentos contra o hedonismo de segunda categoria lhes entrou na cabeça nem lhes entrará. A sexualidade é um dos redutos do controlo social. Vale mais dizer: era. O capitalismo tardio já pouco se importa com isso, desde que lhe traga bons negócios, mas acolhe com benevolência esses avatares de um moralismo hipócrita para manter as aparências. No fundo, trata-se de elites (económicas, não culturais) que consideram os professores como meros funcionários sem autoridade sobre os filhos delas. Trata-se de reaccionários que conservam a milenária ideia de que a sexualidade é um domínio completamente moral e, portanto, regida por tabus, dogmas e censuras. A lei sobre a «educação sexual nas escolas» demorou dezenas de anos, depois do 25 de Abril, para ser aprovada e anos a fio esperou para ser aplicada. Porquê? Esta é a questão que merece ser explicada.
terça-feira, 22 de junho de 2010
segunda-feira, 21 de junho de 2010
Esclarecimentos oportunos
Acusar o marxismo de ateísmo militante é incorrecto, recorrendo ao melhor dos termos para classificar essa acusação. Não existe uma «ideologia marxista», existem diversos marxismos. É certo que alguns regimes do Leste difundiram uma «ideologia marxista», mas esses regimes desapareceram; a ideologia da qual se quiseram únicos representantes era política, doutrina política e não religiosa ou anti; não proibiram as religiões nem encerraram as igrejas; a igreja ortodoxa acomodou-se perfeitamente com o regime que vigorava na URSS; na Polónia o catolicismo era praticado livremente e as suas igrejas bombardeadas pelos nazis foram reconstruídas pelo regime; nas Constituições políticas desses regimes, em nenhum deles, figurava a proibição das religiões. Marx e Engels não eram crentes, é certo, mas não fizeram da religião o seu inimigo político; dissertaram longamente sobre Economia, Política, Filosofia, mas não escreveram nenhum tratado ateísta. Para se aderir às teses de Marx não é indispensável abandonar qualquer crença religiosa, como o demonstra o facto de milhões de militantes de partidos marxistas terem sido crentes, assim como militantes de outros partidos que incluíam nos seus programas ou nos seus ideais algumas das teses de Marx sobre os malefícios do capitalismo e do colonialismo e os benefícios do socialismo e da revolução. Sacerdotes foram militantes e guerrilheiros e alguns bispos acharam boas e generosas as ideias comunistas de Marx; escreveram-se muitos textos filosóficos e outros mais panfletários que classificavam Jesus como o primeiro comunista; o Vaticano condenou vários padres e textos como heresias, mas as heresias podem ser modos de regressar ao cristianismo dos Evangelhos. O levantamento insurrecional de camponeses que se seguiu às Teses de Lutero foi em nome do verdadeiro cristianismo e na Inglaterra haveria de suceder o mesmo; a Reforma foi classificada pela Igreja de Roma como «Anti-Cristo» e, todavia, deu origem às muitas Igrejas Protestantes.
Bento Espinosa que foi o primeiro a analisar a Bíblia (Antigo Testamento), excomungado pela Igreja de Roma e pelos judeus ortodoxos, escreveu «Deus ou Natureza»: tanto pode ser interpretado como ateísmo como, pelo contrário, ter sido ele um «ébrio de Deus», conforma o disse um filósofo alemão.
Os que militaram mais contra as igrejas, os padres e a religião foram os anarquistas, assim sucedeu antes da guerra civil espanhola, mas os comunistas é que arcaram até hoje com as culpas. A Primeira República Portuguesa não perseguiu a Igreja; o que incomodou esta foi estabelecer-se a separação do Estado e da Igreja, como era e é normal nas Constituições republicanas e democráticas.
Bento Espinosa que foi o primeiro a analisar a Bíblia (Antigo Testamento), excomungado pela Igreja de Roma e pelos judeus ortodoxos, escreveu «Deus ou Natureza»: tanto pode ser interpretado como ateísmo como, pelo contrário, ter sido ele um «ébrio de Deus», conforma o disse um filósofo alemão.
Os que militaram mais contra as igrejas, os padres e a religião foram os anarquistas, assim sucedeu antes da guerra civil espanhola, mas os comunistas é que arcaram até hoje com as culpas. A Primeira República Portuguesa não perseguiu a Igreja; o que incomodou esta foi estabelecer-se a separação do Estado e da Igreja, como era e é normal nas Constituições republicanas e democráticas.
domingo, 20 de junho de 2010
Onde o diálogo acaba e começa a perseguição policial
Registo com agrado a posição oficial manifestada pela Igreja católica portuguesa sobre o valor e o lugar de José Saramago na cultura portuguesa e mundial e não esqueço os diálogos cordatos e cívicos que entabulou com o crítico da história da Igreja. Também não esqueço a história da igreja portuguesa no passado, mas não vem ao caso. No cristianismo em geral e no catolicismo em particular cabem tendências diversas (o actual Papa excomungou algumas, como se sabe); um senhorito que desempenhava altas funções no governo de Cavaco Silva proibiu a candidatura de Saramago a um galardão internacional; o senhorito, que hoje se recorda apenas por esse acto miserável, achava-se mais católico do que os outros. Tanto pecou ele como o seu chefe do Governo, que é agora Presidente de «todos os portugueses» e que decidiu faltar ao funeral do ilustre português escritor. Bem fiz eu que não votei nele nem votarei nunca.
O «Observatore Romano», órgão do Vaticano, dirige a Saramago as piores calúnias, movidas pelo ódio ao ateísmo, ao marxismo e ao comunismo; até aí ainda se compreende que não gostem dos ateus; o que não é moralmente admissível, nem no plano da argumentação filosófica, é que o acusem de cumplicidade (moral) nos actos criminosos praticados sob o estalinismo. Na argumentação é uma falácia da pior espécie. É tão estúpido como acusar um «liberal» dos crimes cometidos por regimes ditos «liberais», ou alcunhar a doutrina política do Liberalismo como «ideologia criminosa». Melhor dito: acusar a religião cristã da «ideologia» que cometeu a Matança de São Bartolomeu. Se enveredamos por esse tipo de falácia «ad hominem» não é possível o diálogo, seja ele político, seja ele metafísico.
O «Observatore Romano», órgão do Vaticano, dirige a Saramago as piores calúnias, movidas pelo ódio ao ateísmo, ao marxismo e ao comunismo; até aí ainda se compreende que não gostem dos ateus; o que não é moralmente admissível, nem no plano da argumentação filosófica, é que o acusem de cumplicidade (moral) nos actos criminosos praticados sob o estalinismo. Na argumentação é uma falácia da pior espécie. É tão estúpido como acusar um «liberal» dos crimes cometidos por regimes ditos «liberais», ou alcunhar a doutrina política do Liberalismo como «ideologia criminosa». Melhor dito: acusar a religião cristã da «ideologia» que cometeu a Matança de São Bartolomeu. Se enveredamos por esse tipo de falácia «ad hominem» não é possível o diálogo, seja ele político, seja ele metafísico.
O ódio
As igrejas são conservadoras sem excepção porque julgam que é dos seus dogmas que depende a sua sobrevivência. O jornal oficioso do Vaticano disparou o seu ódio contra Saramago, que já não está cá para o desprezar ou para lhe responder. A Igreja de Roma instauraria a censura pública se pudesse, visto que a censura privada já a instaurou há séculos. Na Itália de Mussolini e, na Espanha de Franco e no Portugal de Salazar a igreja conviveu perfeitamente com a censura. Na Universidade Católica Bento Espinosa não entra, esse «cão tinhoso» como lhe chamaram que se atreveu a analisar criticamente a Bíblia. A Igreja não é tolerante; por consequência não se pode ser tolerante com ela. Num regime de liberdades de expressão ela não permite a livre expressão e mostrando-se mansa em outras circunstâncias, morde com raiva quem ousar revelar os crimes que cometeu ou que calou. Quem se lembra da cumplicidade com a extradição dos judeus para os campos de concentração na Itália? Quem se lembra do seu silêncio cúmplice perante o campo do Tarrafal? Quem se lembra do cónego que organizava os atentados terroristas no período revolucionário em Portugal?Quem se lembra da colaboração da igreja na matança perpetrada pela besta franquista sobre os derrotados da guerra civil (não tiveram os golpistas fascistas a benção da Igreja?)? Agora parece mansa e liberal na Espanha...mas experimente-se falar nesses e noutros crimes ou tocar nos seus dogmas fundamentalistas e fanáticos.
Saramago não escreveu contra os cristãos, escreveu contra os déspotas, os dignatários, os chefes, os magnatas, os donos do dinheiro e das almas dos penitentes. Escreveu contra os senhores da guerra e aqueles que fazem caridade com ela. Escreveu contra a mentira e a hipocrisia. Por isso ele representa a consciência moral no sentido mais nobre da palavra. A igreja não possui o património da moral. Possui a sua moral, que não é, seguramente, a moral daquele presumível judeu pobre e esfarrapado que se deixou crucificar pela sua fé num Deus misericordioso.
Saramago não escreveu contra os cristãos, escreveu contra os déspotas, os dignatários, os chefes, os magnatas, os donos do dinheiro e das almas dos penitentes. Escreveu contra os senhores da guerra e aqueles que fazem caridade com ela. Escreveu contra a mentira e a hipocrisia. Por isso ele representa a consciência moral no sentido mais nobre da palavra. A igreja não possui o património da moral. Possui a sua moral, que não é, seguramente, a moral daquele presumível judeu pobre e esfarrapado que se deixou crucificar pela sua fé num Deus misericordioso.
sexta-feira, 18 de junho de 2010
A espuma das palavras
O escritor José Saramago é indissociável do cidadão político que ele foi. Para muita gente é assim tal e qual. Uns porque não gostavam do cidadão e provavelmente da sua obra literária; outros, gostavam do cidadão e da obra. O que separa uns e outros é a política, nuns casos, no seu sentido mais clássico e nobre, noutros, no seu sentido mais ideológico, isto é, particular (a Igreja católica e a Direita). Na ideologia (no seu significado sociológico negativo) estão fixados preconceitos, sistemas dogmáticos de moral, representações classistas do mundo e da vida. Nos romances Saramago atacou a Bíblia e a Igreja católica, com a coragem rara de quem ataca tabus, mas sempre com a elevação filosófica e literária. A visada não lhe perdoa e nenhuma hipocrisia fúnebre esconderá esta verdade. Os dogmas não admitem a dúvida, por definição, e os tabus, por função, são sagrados. A Direita política (CDS e PSD), de modo geral ( permita-se a excepção para aqueles militantes de qualquer partido que fazem a diferença), não lhe perdoa a intervenção política no período revolucionário, mas também, como católica que diz ser, a sua obra literária (incluindo esse manifesto formidável que é o «Levantado do Chão»). Não se revê (claro que a hipocrisia agora dirá o contrário) na revisão da história de Portugal e nos caminhos que este anda a singrar (à deriva, n'A Jangada de Pedra), no retrato que o escritor traçou da época em que o fascismo assaltava o poder com o terror e os milagres de Fátima.
José Saramago representa toda a Nação? Não, porque esta é sempre um mito a menos que a vejamos tal como é: um conjunto mais ou menos conlituoso de classes sociais diferentes. Representa toda a Cultura portuguesa? também não, pois que na Cultura há elementos reaccionários que dificilmente teriam apreciado o nobelizado português. Saramago representa aqueles que o leram e amaram, com ele reflectiram e por causa dele encontraram um caminho de luta. Representa também aqueles que não o leram, por motivos que têm a ver com a ileteracia e o ausente gosto pela leitura, mas que o escritor neles falou nos seus livros, e até os pôs a falar como se lê no «Levantado do Chão» e na «Viagem do Elefante». Saramago veio do povo trabalhador e nunca dele e das suas origens se esqueceu. Saramago foi comunista. Eis tudo. Aqueles que não sabem o que significa a palavra, despida de preconceitos, podem aprendê-la na vida e obra de José Saramago. Alguns artistas, recentes e do passado, acham que os objectos artísticos não têm que possuir mensagem alguma. Se assim fosse não teríamos Camões, Eça, Flaubert, Roger Martin du Gard, Leão Tolstoi. Não teríamos seguramente Saramago, prémio Nobel da Literatura e um dos escritores mais lidos e comentados em todo o planeta.
José Saramago representa toda a Nação? Não, porque esta é sempre um mito a menos que a vejamos tal como é: um conjunto mais ou menos conlituoso de classes sociais diferentes. Representa toda a Cultura portuguesa? também não, pois que na Cultura há elementos reaccionários que dificilmente teriam apreciado o nobelizado português. Saramago representa aqueles que o leram e amaram, com ele reflectiram e por causa dele encontraram um caminho de luta. Representa também aqueles que não o leram, por motivos que têm a ver com a ileteracia e o ausente gosto pela leitura, mas que o escritor neles falou nos seus livros, e até os pôs a falar como se lê no «Levantado do Chão» e na «Viagem do Elefante». Saramago veio do povo trabalhador e nunca dele e das suas origens se esqueceu. Saramago foi comunista. Eis tudo. Aqueles que não sabem o que significa a palavra, despida de preconceitos, podem aprendê-la na vida e obra de José Saramago. Alguns artistas, recentes e do passado, acham que os objectos artísticos não têm que possuir mensagem alguma. Se assim fosse não teríamos Camões, Eça, Flaubert, Roger Martin du Gard, Leão Tolstoi. Não teríamos seguramente Saramago, prémio Nobel da Literatura e um dos escritores mais lidos e comentados em todo o planeta.
Morreu José Saramago
Que não se esqueçam de colocá-lo no Panteão Nacional ao lado dos grandes vultos da nossa História. Com Fernando Pessoa foi aquele que mais longe levou a língua portuguesa aos quatro cantos do mundo. Glória lhe seja dada. E que em Portugal lhe sejam prestadas as mais condignas homenagens públicas, sem hipocrisias, com o povo presente.
Consentimentos
Procura-se instituir hoje em dia um consenso sem alternativas. Exlui-se o contraditório, silenciando-o, truncando-o até à caricatura ou ao inóquo, colando-o à ideologia política dos regimes socialistas, desprezando a argumentação dos chamados "derrotados da Guerra fria", dando por adquirido que é o Mercado que avalia e ordena, substituindo a opinião pública pelas directrizes de Bruxelas, determinando na esfera da filosofia o "fim das ideologias" e das "narrativas", instilando uma ética do pragmatismo, praticando um ecletismo sem princípios, decidindo que apenas os "especialistas" discutem e o público acompanha e aplaude, sacudindo as responsabilidades próprias para a "globalização" que tem as costas largas. Os opositores são arruaceiros, radicalistas, extremistas, senão mesmo cúmplices do terrorismo, há já até tentativas para criminalizar certas esquerdas. O império do consenso é o totalitarismo, por mais ambígua que seja esta palavra. O consenso é a ambição de todos os impérios. Obedecer a Roma ou a Berlim é o supremo desígnio da política imperialista. "Em Roma sê romano!", eis tudo que deves fazer. A nossa época assiste ao colapso dos ideais iluministas. Dos ideais, dos hábitos, dos direitos e das instituições. O "capital simbólico", de P. Bourdieu, é o capital virtual das Bolsas e mercados financeiros. Quem decide da falência de um país soberano são três agências privadas que fazem rankings. O que se joga nas Bolsas mundiais já não são apenas as empresas, são os Estados. A soberania nacional é um arremedo, um mero ritual futebolístico. As sociedades em-rede, de Manuel Castells, equivale ao Governo europeu, norte-americano ou chinês. O multiculturalismo é a indústria do espectáculo e os que decidem sobre quem entra ou sai são os industriais do espectáculo. Os artistas são mercadoria e quem decide os que valem ou não valem são os mercadores. As igrejas fazem negócios como no tempo da Contra-Reforma.
Este consenso incute a insegurança e a despolitização. Nem Maquiavel o desejaria.
Este consenso incute a insegurança e a despolitização. Nem Maquiavel o desejaria.
quarta-feira, 16 de junho de 2010
O bloguista
Há um professor de origem britânica que vive em Espanha chamado Edward Hughe que está a dar muito que falar em círculos políticos e da finança internacionais por aquilo que foi escrevendo e alertando durante anos no seu blog. Baseia-se num neo-malthusianismo segundo o qual os países mais envelhecidos são mais poupados, isto é, precisaram de gastar menos em imóveis, por exemplo. Os mais prejudicados com a zona euro são os países do sul, menos competitivos e que não podem desvalorizar as suas moedas. Até aqui tudo se mostra bastante óbvio. A tese complica-se quando o bloguista ora famoso sugere (talvez provocatoriamente) que países como a Espanha, Grécia e Portugal desvalorizem os salários em, pelo menos, 20% para aumentar as competitividade, as exportações e a poupança. É aqui, sobretudo, que se explica porque está a ser convidado para proferir conferências onde financeiros e empresários o escutam com atenção e porque, causa e consequência, certos jornais de referência o publicitem. Como não é um deles, mas um modestíssimo professor a tempo parcial que vive dos seus parcos rendimentos, é claro que se torna mais credível e convém celebrizar um cibernauta que se estão a tornar mais lidos que os jornalistas. Cortar brutalmente nos salários (como provocação não tem piada nenhuma) não faz deste pobre professor um homem do povo. O que parece é que ele anda por aí muito contente de cidade em cidade, de palestra em palestra. Pudera...
Crónica de uma professora contratada
O TOQUE DE MIDAS NA AVALIAÇÃO
(Visão de uma outsider na Educação)
Introdução
Fazendo parte integrante dos muitos nómadas do ensino em Portugal, a percentagem
residual que perfaz, agora, quase duas décadas, sem a possibilidade de deprimir, desistir ou
sucumbir perante essa realidade, pois que para além de precisar de trabalhar, deste
remanescente detrito do sistema educativo, depende a possibilidade de uma suplência,
sempre-a-postos de professores esgotados, cansados e até mesmo derrotados, por esse
mesmo sistema em que se encontram enquadrados.
Prova disso foi a experiência que tive na primeira escola que leccionei na região do Oeste,
em regime de substituição, quando após ter estado quinze dias internada com uma
pneumonia, ao regressar à escola, o presidente do Executivo (hoje ‘Director da Escola’) me
ter perguntado se estava a pensar adoecer mais vezes, já que leccionava uma disciplina de
12º ano com exame final.
Porém, tenho podido, também, obter uma panorâmica mais geral de todas as mudanças
nestes quinze anos apesar dessa permanente exterioridade e com maior liberdade de
expressão, nas diferentes escolas por onde tenho passado, apesar da pouca voz que os
professores contratados têm em qualquer uma das escola. Esse, o traço comum a todas.
E por isso, considerei louvável esta vossa iniciativa de partilha de experiências entre os
professores, via electrónica, pois apesar do pouco tempo que vamos tendo para escrever, só
pela escrita se podem conhecer as convicções das pessoas, já que entre a nossa classe, nas
conversas apressadas na sala de professores ou nos corredores, não há uma genuína e real
comunicação.
Partilho, pois, aqui algumas reflexões sobre os problemas que penso atravessarem o novo
modelo de ensino em Portugal, a propósito da questão dos rankings, que foi tema da última
reunião de departamentos, deixando em aberto a questão da possibilidade de existência
efectiva de uma avaliação e de um modelo de gestão educacional coerente, consensual e
exequível, algum dia.
Soluções, infelizmente, não antevejo, mas tenho esperança que seja possível encontrar
através do diálogo inter e intra-escolas, por parte dos professores, uma solução para a
melhoria do nosso ensino, sem que este implique diminuição da sua importância social e
cultural ou esvaziamento da sua autoridade já tão rarefeita por anteriores fracturas internas
que lhe foram impostas.
2
1. Cenários identitários
Todos os professores de uma maneira ou doutra, ao longo da sua carreira vão
construindo, subjectivamente, os seus ‘cenários de actuação’ com base nos seus arquétipos,
modelos e valores educacionais, adquiridos ao longo de toda uma história de vida única e
irrepetível. E é no interior desses primeiros ensaios gerais postos em cena nos primeiros anos
de ensino, que invariavelmente os vão repetindo, ao longo da sua vida profissional, mais ou
menos criativamente, complementadas, naturalmente, por algumas das existentes
ferramentas didácticas e pedagógicas inventariadas pelas modas, que também vão existindo
e deixando de existir, também na Educação. [A título de exemplo o modelo do ‘lúdico’
anteriormente considerado um must por muitos, (apesar do repúdio de alguns resistentes a
essas veleidades), foi quase erradicado, considerando-se uma técnica no mínimo sofística e
no extremo, fazendo do professor um palhaço tonto …] Mas não se muda aquilo que se é, por
mais subterfúgios psicológicos que mobilizemos, e neste contexto, sob nenhuma
recomendação ministerial de recurso de estratégias e metodologias diversificadas, por mais
que as implementemos ou a elas recorramos, de modo a almejar tal propósito perfilado.
Por conseguinte, mais do que em qualquer outra profissão, dificilmente se estabelece a
dissociação da persona do professor, da do indivíduo. Assim, avaliar a actuação do professor
x, inevitavelmente implica a avaliação da pessoa que ele é, e simultaneamente de todo um
mis en scéne, associado às múltiplas significações que foi atribuindo ao seu projecto
profissional e identitário, que nesta altura, consigo se confundiu inexoravelmente. Tal como,
do outro lado da barricada, qualquer grelha ou modelo de avaliação ou de ensino comporta
nos seus interstícios, os ‘cenários’ (mantendo a metáfora) do(s) seus mentor(es).
Para além dos estilos, também os métodos que vão sendo preteridos distinguem estes
profissionais. Em Didáctica da Filosofia, são referidas as metodologias platónica e cartesiana
que remetem precisamente para esse contraste: a primeira privilegiando um ensino por
desvelamento e imanência (cujos resultados terão ecos mais significativos no aluno, ainda
que a longo prazo, por partir da sua auto-descoberta – por insight); o segundo através de
regras claras e metódicas, indo do mais simples ao mais complexo, (em que, pelo seu rigor, o
aluno compreenderá a curto prazo, de modo mais objectivo, a estrutura das questões
expostas).
Então, qual deles privilegiar ou validar como melhor, já que estes dois modelos são
apenas exemplificativos das múltiplas formas de ensinar, existindo em número proporcional
ao das pessoas que eles são, (como referi anteriormente), não havendo um igual a outro?
3
Como universalizar de forma isenta e imparcial tal assimetria, sem correr o risco de a
desvirtuar e perverter? É este um dos motivos pelos quais o actual processo de ensinoaprendizagem-
avaliação parece transformado no Leito de Procusto, salteador de estradas que
para além de roubar os transeuntes desprevenidos, os colocava no seu Leito de ferro,
amputando-lhes as pernas, caso fossem demasiado grandes para aquele; ou ao contrário,
esticando-as, até que aí coubessem.
E a subjectividade que entrou, em múltipla e caótica diversidade, dando entrada nessa
espécie de máquina-formatadora, acaba sendo transfigurada numa acabada e normalizada
objectividade empacotada, pronta a ser exibida juntamente a todas as outras num - por sua
vez - belo gráfico de rankings de objectividades encaminhado para o seu destino nacional
num top de sucesso ou insucesso escolar, deixando as escolas na mó de cima ou na mó de
baixo, independentemente de tudo que na sua realidade se tenha lá realizado.
2. Mea (parca) Culpa
Relativamente à instrumentalização da avaliação formal e sistemática como um dos
rituais iniciáticos e de passagem a que todos os professores em início de carreira se deverão
submeter, tal prática acarreta o peso e a responsabilidade de ajuizamento de outras personas,
que ainda sem cenários, procuram encetar o seu processo de auto-construção. Mais ou
menos conscientes desse fardo e dessa responsabilidade, de ano lectivo, para ano lectivo, as
agruras dos profissionais dessa contabilidade de realizações, capacidades e intelectos, vai-se
tornando mecanizada - graças ao auxílio das grelhas, das fórmulas do excel e das
ponderações do grupo ou do departamento disciplinar que vão auxiliando a diluição da
responsabilidade e eufemizando o peso dos veredictos finais nas pautas de final de período.
Este recurso de descarga de consciência (ao nível individual), tal como o da busca da
sensibilidade, fidelidade e padronização (ao nível metodológico), que a avaliação dita
objectiva deve conter, em última instância, visam a fuga à subjectiva e impiedosa
responsabilidade de transformação do outro em objecto (de avaliação). Mas todos sabemos
ser este um mecanismo ilusório, por maior rigor e honestidade intelectual que lhe gostemos
de imputar. Mesmo assim devemos tentá-lo, naturalmente. Mas com essa consciência. E é
esta que parece ter deixado de existir…
3. A teimosia e imprevisibilidade do Ser
É e sempre foi esta a aporia e o paradoxo do método introspectivo, da dificuldade na
origem da emancipação e afirmação da pródiga Psicologia da casa materna (a Filosofia). É
este o problema ainda do método experimental nas ciências, e de todas as parasitárias
4
variáveis que imprevisivelmente despontam de todos os processos rígidos e inflexíveis de
determinação e fixação do Ser em grelhas, na avidez denunciante da fragilidade humana pela
incansável captura daquele nas malhas das redes conceptuais.
E se Heraclito (540 a.C.-470 a.C.) já observara que não tomamos banho no mesmo rio,
Popper séculos mais tarde (1902-1994), afirma que não existem factos brutos, ou seja, não
existe total objectividade em nenhum processo em que interfira o sujeito humano. Damásio
complementa e reforça esta ideia de que todos os fenómenos emocionais acabam por
interferir em qualquer banal processo de decisão e apreciação judicativa do sujeito.
Tem sido esta a batalha da ciência, e que anteriormente terá instigado toda uma
Galeria de ilustres imortais a buscar o alcance e o limite desse toque de Midas: a
transformação da subjectividade em objectividade. E vieram conciliações, cepticismos, e
finalmente a consciencialização de que deveremos continuar a nossa busca, guiados por um
fio de Ariadne, de modo a não cair numa qualquer vácua e obscura alietoriedade na
construção dos nossos instrumentos institucionais, ou sem cair no deslumbramento de medir
o imensurável, comparar o incomparável, reduzir a riqueza da multiplicidade em compacta
unidade inverosímil.
Mas naturalmente, que a complexificação e as crescentes exigências da realidade do
séc. XXI (e desde o XIX), não se compadecem com considerações filosóficas e
epistemológicas. Nas sociedades tendencialmente laicas, são necessárias soluções que
cumpram o propósito neo-liberal de crescimento e sucesso. De facto, no momento actual,
qualquer coincidência entre o actual revivalismo do modelo da Teoria de Fayol aplicado ao
modelo educacional (não) são meras coincidências.
4. A Escola-Empresa
Temos, então, duas realidade, duas linguagens que não se encontram, ou se tocam e
que se patenteiam em flagrantes contradições nas várias cimeiras mundiais que bemintecionadamente
procuram concertar (e consertar) os erros do passado, como no quotidiano,
em pequenas coisas do mundinho das pessoas comuns. Mas é o paradigma da Produção-
Consumo que continua e continuará a mover o mundo, o do lucro e do sucesso a qualquer
preço. Aquele que transforma todos os indivíduos em potenciais clientes e essa realidade não
escapa, naturalmente, à nossa realidade, enquanto professores.
E voltamos ao início, perseguidos todos pela obsessão da avaliação, da mensuração e
da necessidade de sucesso a todo o custo, vendo as nossas escolas transformadas em
empresas, os nossos alunos no cliente a agradar, sob o risco de este ir comprar um produto
mais qualificado a outro mercado melhor cotado. Conformemo-nos. É esta a realidade da
5
sociedade neo-liberal, com provas de sucesso em vários países civilizados e na realidade
portuguesa privatizada. As regras são estas… e quem não joga… está fora do jogo…das
cadeiras. Sabemo-lo. Sabemos também as suas inegáveis vantagens, ao nível da gestão.
Mas, ao nível humano, ao nível da realidade académica sortirá efeito até quando? E a que
preço?
5. O cansaço
A exposição a que a profissão dos professores vota, implica um desgaste que até hoje
não foi devidamente compreendido ou balizado. Consumi-los com uma sobrecarga de
engrenagens fabricadas pelo modelo empresarial amputará o gozo e o tempo para se
dedicarem ao acto de comunicação e de ensino por excelência, passando a consumá-lo,
contabilisticamente, mecanicamente, contrariadamente, competitivamente,
desmotivadamente… até que seque o último ímpeto que o leva a levantar-se todas as
manhãs para cumprir uma tarefa que não é socialmente reconhecida, que ninguém agradece,
que não é bem remunerada e a que todos se arrojam na audácia e liberdade de criticar, de
julgar e de avaliar por ser mais… ou (tanto faz)… por ser menos….
Com a agravante de todos termos sido formados na arte (hoje técnica) de avaliar tudo e
todos criticamente. Nada escapa a esse crivo, que sendo parcialmente uma inata capacidade
humana, é faculdade desenvolvida e aguçada entre a nossa classe profissional. Todos
avaliam todos. E claro, numa escola não existem só professores, logo, a avaliação dispara de
todos os lados, sem que se possa ter o feed-back exacto do julgamento individual, que cada
um faz do outro.
6. Democratização da crítica aos professores
E se não foi avante a avaliação dos alunos e respectivos Encarregados de Educação
aos professores, a obrigatória avaliação dos professores titulares aos colegas de trabalho, a
cicatriz ficou - incólume. E o estigma também. E o medo. E o fantasma que paira ainda com
demasiada realidade entre os docentes. Dentro deles, em cada um. Entre eles. Mas não é
uma impressão: Foi e estará concedida a abertura e a liberdade de os Encarregados de
Educação poderem pedir contas aos professores, como quem pede a conta no balcão de um
restaurante. Em aberto está a possibilidade de se construírem famas e consumarem boatos
de quem se desconhece totalmente o trabalho, sob pretexto dessa democrática liberdade de
avaliação de professores. Nos cafés, em blogs e respectivos abjectos comentários, na própria
Escola, nas conversas ao almoço do fim-de-semana entre familiares ou amigos. Todos se
6
aventam a dizer de sua justiça, com a ligeireza de quem cospe para o chão ou fala do tempo,
doutamente.
Quando sarará esta ferida? Quando os professores que amam a sua profissão
poderão ver renascer o prazer pleno de ensinar sem que tudo o mais se torne mais que o acto
de ensinar? Não sei. Mas presumo que não seja tão cedo. Talvez quando, daqui a uma (?) ou
duas décadas se der a previsível crise de vocações para a profissão, já que todos sabemos
que, se perguntarmos a qualquer jovem estudante, (de qualquer dos actuais ciclos de ensino)
se quer ser professor, ou aos pais destes se gostariam que os filhos seguissem a profissão,
sabemos precisamente qual a resposta: NNNNNÃÃÂOOOOO!!! Talvez nesse momento,
então nasça uma nova raça de professores e alunos, e a coragem para construir novos
cenários nas e para as escolas.
Helena Cabrita
(Visão de uma outsider na Educação)
Introdução
Fazendo parte integrante dos muitos nómadas do ensino em Portugal, a percentagem
residual que perfaz, agora, quase duas décadas, sem a possibilidade de deprimir, desistir ou
sucumbir perante essa realidade, pois que para além de precisar de trabalhar, deste
remanescente detrito do sistema educativo, depende a possibilidade de uma suplência,
sempre-a-postos de professores esgotados, cansados e até mesmo derrotados, por esse
mesmo sistema em que se encontram enquadrados.
Prova disso foi a experiência que tive na primeira escola que leccionei na região do Oeste,
em regime de substituição, quando após ter estado quinze dias internada com uma
pneumonia, ao regressar à escola, o presidente do Executivo (hoje ‘Director da Escola’) me
ter perguntado se estava a pensar adoecer mais vezes, já que leccionava uma disciplina de
12º ano com exame final.
Porém, tenho podido, também, obter uma panorâmica mais geral de todas as mudanças
nestes quinze anos apesar dessa permanente exterioridade e com maior liberdade de
expressão, nas diferentes escolas por onde tenho passado, apesar da pouca voz que os
professores contratados têm em qualquer uma das escola. Esse, o traço comum a todas.
E por isso, considerei louvável esta vossa iniciativa de partilha de experiências entre os
professores, via electrónica, pois apesar do pouco tempo que vamos tendo para escrever, só
pela escrita se podem conhecer as convicções das pessoas, já que entre a nossa classe, nas
conversas apressadas na sala de professores ou nos corredores, não há uma genuína e real
comunicação.
Partilho, pois, aqui algumas reflexões sobre os problemas que penso atravessarem o novo
modelo de ensino em Portugal, a propósito da questão dos rankings, que foi tema da última
reunião de departamentos, deixando em aberto a questão da possibilidade de existência
efectiva de uma avaliação e de um modelo de gestão educacional coerente, consensual e
exequível, algum dia.
Soluções, infelizmente, não antevejo, mas tenho esperança que seja possível encontrar
através do diálogo inter e intra-escolas, por parte dos professores, uma solução para a
melhoria do nosso ensino, sem que este implique diminuição da sua importância social e
cultural ou esvaziamento da sua autoridade já tão rarefeita por anteriores fracturas internas
que lhe foram impostas.
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1. Cenários identitários
Todos os professores de uma maneira ou doutra, ao longo da sua carreira vão
construindo, subjectivamente, os seus ‘cenários de actuação’ com base nos seus arquétipos,
modelos e valores educacionais, adquiridos ao longo de toda uma história de vida única e
irrepetível. E é no interior desses primeiros ensaios gerais postos em cena nos primeiros anos
de ensino, que invariavelmente os vão repetindo, ao longo da sua vida profissional, mais ou
menos criativamente, complementadas, naturalmente, por algumas das existentes
ferramentas didácticas e pedagógicas inventariadas pelas modas, que também vão existindo
e deixando de existir, também na Educação. [A título de exemplo o modelo do ‘lúdico’
anteriormente considerado um must por muitos, (apesar do repúdio de alguns resistentes a
essas veleidades), foi quase erradicado, considerando-se uma técnica no mínimo sofística e
no extremo, fazendo do professor um palhaço tonto …] Mas não se muda aquilo que se é, por
mais subterfúgios psicológicos que mobilizemos, e neste contexto, sob nenhuma
recomendação ministerial de recurso de estratégias e metodologias diversificadas, por mais
que as implementemos ou a elas recorramos, de modo a almejar tal propósito perfilado.
Por conseguinte, mais do que em qualquer outra profissão, dificilmente se estabelece a
dissociação da persona do professor, da do indivíduo. Assim, avaliar a actuação do professor
x, inevitavelmente implica a avaliação da pessoa que ele é, e simultaneamente de todo um
mis en scéne, associado às múltiplas significações que foi atribuindo ao seu projecto
profissional e identitário, que nesta altura, consigo se confundiu inexoravelmente. Tal como,
do outro lado da barricada, qualquer grelha ou modelo de avaliação ou de ensino comporta
nos seus interstícios, os ‘cenários’ (mantendo a metáfora) do(s) seus mentor(es).
Para além dos estilos, também os métodos que vão sendo preteridos distinguem estes
profissionais. Em Didáctica da Filosofia, são referidas as metodologias platónica e cartesiana
que remetem precisamente para esse contraste: a primeira privilegiando um ensino por
desvelamento e imanência (cujos resultados terão ecos mais significativos no aluno, ainda
que a longo prazo, por partir da sua auto-descoberta – por insight); o segundo através de
regras claras e metódicas, indo do mais simples ao mais complexo, (em que, pelo seu rigor, o
aluno compreenderá a curto prazo, de modo mais objectivo, a estrutura das questões
expostas).
Então, qual deles privilegiar ou validar como melhor, já que estes dois modelos são
apenas exemplificativos das múltiplas formas de ensinar, existindo em número proporcional
ao das pessoas que eles são, (como referi anteriormente), não havendo um igual a outro?
3
Como universalizar de forma isenta e imparcial tal assimetria, sem correr o risco de a
desvirtuar e perverter? É este um dos motivos pelos quais o actual processo de ensinoaprendizagem-
avaliação parece transformado no Leito de Procusto, salteador de estradas que
para além de roubar os transeuntes desprevenidos, os colocava no seu Leito de ferro,
amputando-lhes as pernas, caso fossem demasiado grandes para aquele; ou ao contrário,
esticando-as, até que aí coubessem.
E a subjectividade que entrou, em múltipla e caótica diversidade, dando entrada nessa
espécie de máquina-formatadora, acaba sendo transfigurada numa acabada e normalizada
objectividade empacotada, pronta a ser exibida juntamente a todas as outras num - por sua
vez - belo gráfico de rankings de objectividades encaminhado para o seu destino nacional
num top de sucesso ou insucesso escolar, deixando as escolas na mó de cima ou na mó de
baixo, independentemente de tudo que na sua realidade se tenha lá realizado.
2. Mea (parca) Culpa
Relativamente à instrumentalização da avaliação formal e sistemática como um dos
rituais iniciáticos e de passagem a que todos os professores em início de carreira se deverão
submeter, tal prática acarreta o peso e a responsabilidade de ajuizamento de outras personas,
que ainda sem cenários, procuram encetar o seu processo de auto-construção. Mais ou
menos conscientes desse fardo e dessa responsabilidade, de ano lectivo, para ano lectivo, as
agruras dos profissionais dessa contabilidade de realizações, capacidades e intelectos, vai-se
tornando mecanizada - graças ao auxílio das grelhas, das fórmulas do excel e das
ponderações do grupo ou do departamento disciplinar que vão auxiliando a diluição da
responsabilidade e eufemizando o peso dos veredictos finais nas pautas de final de período.
Este recurso de descarga de consciência (ao nível individual), tal como o da busca da
sensibilidade, fidelidade e padronização (ao nível metodológico), que a avaliação dita
objectiva deve conter, em última instância, visam a fuga à subjectiva e impiedosa
responsabilidade de transformação do outro em objecto (de avaliação). Mas todos sabemos
ser este um mecanismo ilusório, por maior rigor e honestidade intelectual que lhe gostemos
de imputar. Mesmo assim devemos tentá-lo, naturalmente. Mas com essa consciência. E é
esta que parece ter deixado de existir…
3. A teimosia e imprevisibilidade do Ser
É e sempre foi esta a aporia e o paradoxo do método introspectivo, da dificuldade na
origem da emancipação e afirmação da pródiga Psicologia da casa materna (a Filosofia). É
este o problema ainda do método experimental nas ciências, e de todas as parasitárias
4
variáveis que imprevisivelmente despontam de todos os processos rígidos e inflexíveis de
determinação e fixação do Ser em grelhas, na avidez denunciante da fragilidade humana pela
incansável captura daquele nas malhas das redes conceptuais.
E se Heraclito (540 a.C.-470 a.C.) já observara que não tomamos banho no mesmo rio,
Popper séculos mais tarde (1902-1994), afirma que não existem factos brutos, ou seja, não
existe total objectividade em nenhum processo em que interfira o sujeito humano. Damásio
complementa e reforça esta ideia de que todos os fenómenos emocionais acabam por
interferir em qualquer banal processo de decisão e apreciação judicativa do sujeito.
Tem sido esta a batalha da ciência, e que anteriormente terá instigado toda uma
Galeria de ilustres imortais a buscar o alcance e o limite desse toque de Midas: a
transformação da subjectividade em objectividade. E vieram conciliações, cepticismos, e
finalmente a consciencialização de que deveremos continuar a nossa busca, guiados por um
fio de Ariadne, de modo a não cair numa qualquer vácua e obscura alietoriedade na
construção dos nossos instrumentos institucionais, ou sem cair no deslumbramento de medir
o imensurável, comparar o incomparável, reduzir a riqueza da multiplicidade em compacta
unidade inverosímil.
Mas naturalmente, que a complexificação e as crescentes exigências da realidade do
séc. XXI (e desde o XIX), não se compadecem com considerações filosóficas e
epistemológicas. Nas sociedades tendencialmente laicas, são necessárias soluções que
cumpram o propósito neo-liberal de crescimento e sucesso. De facto, no momento actual,
qualquer coincidência entre o actual revivalismo do modelo da Teoria de Fayol aplicado ao
modelo educacional (não) são meras coincidências.
4. A Escola-Empresa
Temos, então, duas realidade, duas linguagens que não se encontram, ou se tocam e
que se patenteiam em flagrantes contradições nas várias cimeiras mundiais que bemintecionadamente
procuram concertar (e consertar) os erros do passado, como no quotidiano,
em pequenas coisas do mundinho das pessoas comuns. Mas é o paradigma da Produção-
Consumo que continua e continuará a mover o mundo, o do lucro e do sucesso a qualquer
preço. Aquele que transforma todos os indivíduos em potenciais clientes e essa realidade não
escapa, naturalmente, à nossa realidade, enquanto professores.
E voltamos ao início, perseguidos todos pela obsessão da avaliação, da mensuração e
da necessidade de sucesso a todo o custo, vendo as nossas escolas transformadas em
empresas, os nossos alunos no cliente a agradar, sob o risco de este ir comprar um produto
mais qualificado a outro mercado melhor cotado. Conformemo-nos. É esta a realidade da
5
sociedade neo-liberal, com provas de sucesso em vários países civilizados e na realidade
portuguesa privatizada. As regras são estas… e quem não joga… está fora do jogo…das
cadeiras. Sabemo-lo. Sabemos também as suas inegáveis vantagens, ao nível da gestão.
Mas, ao nível humano, ao nível da realidade académica sortirá efeito até quando? E a que
preço?
5. O cansaço
A exposição a que a profissão dos professores vota, implica um desgaste que até hoje
não foi devidamente compreendido ou balizado. Consumi-los com uma sobrecarga de
engrenagens fabricadas pelo modelo empresarial amputará o gozo e o tempo para se
dedicarem ao acto de comunicação e de ensino por excelência, passando a consumá-lo,
contabilisticamente, mecanicamente, contrariadamente, competitivamente,
desmotivadamente… até que seque o último ímpeto que o leva a levantar-se todas as
manhãs para cumprir uma tarefa que não é socialmente reconhecida, que ninguém agradece,
que não é bem remunerada e a que todos se arrojam na audácia e liberdade de criticar, de
julgar e de avaliar por ser mais… ou (tanto faz)… por ser menos….
Com a agravante de todos termos sido formados na arte (hoje técnica) de avaliar tudo e
todos criticamente. Nada escapa a esse crivo, que sendo parcialmente uma inata capacidade
humana, é faculdade desenvolvida e aguçada entre a nossa classe profissional. Todos
avaliam todos. E claro, numa escola não existem só professores, logo, a avaliação dispara de
todos os lados, sem que se possa ter o feed-back exacto do julgamento individual, que cada
um faz do outro.
6. Democratização da crítica aos professores
E se não foi avante a avaliação dos alunos e respectivos Encarregados de Educação
aos professores, a obrigatória avaliação dos professores titulares aos colegas de trabalho, a
cicatriz ficou - incólume. E o estigma também. E o medo. E o fantasma que paira ainda com
demasiada realidade entre os docentes. Dentro deles, em cada um. Entre eles. Mas não é
uma impressão: Foi e estará concedida a abertura e a liberdade de os Encarregados de
Educação poderem pedir contas aos professores, como quem pede a conta no balcão de um
restaurante. Em aberto está a possibilidade de se construírem famas e consumarem boatos
de quem se desconhece totalmente o trabalho, sob pretexto dessa democrática liberdade de
avaliação de professores. Nos cafés, em blogs e respectivos abjectos comentários, na própria
Escola, nas conversas ao almoço do fim-de-semana entre familiares ou amigos. Todos se
6
aventam a dizer de sua justiça, com a ligeireza de quem cospe para o chão ou fala do tempo,
doutamente.
Quando sarará esta ferida? Quando os professores que amam a sua profissão
poderão ver renascer o prazer pleno de ensinar sem que tudo o mais se torne mais que o acto
de ensinar? Não sei. Mas presumo que não seja tão cedo. Talvez quando, daqui a uma (?) ou
duas décadas se der a previsível crise de vocações para a profissão, já que todos sabemos
que, se perguntarmos a qualquer jovem estudante, (de qualquer dos actuais ciclos de ensino)
se quer ser professor, ou aos pais destes se gostariam que os filhos seguissem a profissão,
sabemos precisamente qual a resposta: NNNNNÃÃÂOOOOO!!! Talvez nesse momento,
então nasça uma nova raça de professores e alunos, e a coragem para construir novos
cenários nas e para as escolas.
Helena Cabrita
terça-feira, 15 de junho de 2010
Métodos pós-modernos
Os métodos de avaliação da força-de-trabalho é o novo processo de controlo. Controlar é uma velha ambição do capitalista e dos Governos. Controla-se pelas leis, pelas morais, pelas ameaças e pela repressão, pela persuasão e pela propaganda. Hoje as tecnologias da informação e da comunicação permitem acentuar o controlo (sistemas de vigilância por vídeo, os telemóveis, a internet, os satélites). Em nome da segurança ou da eficiência (competência) instala-se a insegurança, a auto-vigilância, a vigilância dos camaradas de trabalho, os vizinhos. Instila-se a inveja, a competição, a delação, o medo, o egoísmo.
Operários, empregadas do comércio, professores, funcionários públicos, seguir-se-ão outros.Comportamentos distorcidos, sentimentos baixos, olhares de esguelha, desconfiança, deslealdades e traições, paranóia. Todas as relações sociais são contaminadas, incluindo a amizade e o amor.
Operários, empregadas do comércio, professores, funcionários públicos, seguir-se-ão outros.Comportamentos distorcidos, sentimentos baixos, olhares de esguelha, desconfiança, deslealdades e traições, paranóia. Todas as relações sociais são contaminadas, incluindo a amizade e o amor.
segunda-feira, 14 de junho de 2010
domingo, 13 de junho de 2010
ROTINAS
Uma camisa pendurada num lugar improvável
Um papel que escreveste (mais um) noutra Era
Uma fotografia onde uns olhos azuis sorriem para a objectiva
Um gato empoleirado na janela horas a fio
Um livro aberto na página cinquenta e um
Um recado no frigorífico «Não esquecer de»
Um cravo murcho sobre a mesa rústica
Uma saudade no bolso do roupão
Uns chinelos número trinta e seis pasmados na ausência
Um pesadelo esquecido sob a cama
A chave de um cacifo com um enigma lá dentro
Um pente com fios de prata que é outra maneira de dizer
“Envelheces, homem!»
Faz de ti um molde e mete-o no congelador
Às recordações más assa-as no forno
Das boas não tentes fazer versos
Somente o amor e ódio merecem versos
E tu não sentes nem uma coisa nem outra.
Fecha o gato na gaiola e põe os pássaros à janela
Desinfecta o cacifo dos sentidos universais sem sentido
Atira para o cesto dos papéis os bilhetinhos patetas
Lava o roupão e oferece os chinelos a uma pedinte
E disfarça o pesadelo das derrotas com um sorriso
De quem sabe que a cor dos olhos é apenas um pigmento.
sábado, 12 de junho de 2010
A Idade
Um diplomata é aquele que sempre lembra o aniversário de uma mulher, mas nunca a sua idade.
R. Frost (poeta norte-americano, 1875-1963)
Até mesmo para quem passou toda a vida no mar, chega uma idade em que se deixa a embarcação.
I. Calvino (escritor italiano, 1923-1985)
R. Frost (poeta norte-americano, 1875-1963)
Até mesmo para quem passou toda a vida no mar, chega uma idade em que se deixa a embarcação.
I. Calvino (escritor italiano, 1923-1985)
sexta-feira, 11 de junho de 2010
Gritos pós-modernos
Tenho visto ultimamente algumas peças de teatro onde impera a gritaria. Surpreendeu-me assistir a uma «Antígona» com gritos, rugidos e movimentos exacerbados. Um Tchekov com décibeis acima do suportável. Por mais tolerante às experiências que eu consiga ser custa-me rever-me numa Antígona histérica e num Tchekov histriónico. Suspeito que Deleuze tinha carradas de razão quando classificava o tempo da pós-modernidade capitalista como «paranóia» universal (Certo é que ele preferia o «esquizofrénico», por achá-lo mais libertador). Provavelmente a gritaria histérica é pós-moderna. Neste caso prefiro conservar-me na Modernidade.
terça-feira, 8 de junho de 2010
O ATENTADO DA BP
O desastre que a petrolífera BP está a provocar com o derrame submarino de crude é tão grave que qualquer retórica é escusada. As consequências são devastadoras para o meio ambiente, fauna, flora, praias, foz dos rios, solos. É dantesco o cenário e ainda vai ser pior. O presidente Obama cai a pique, por isso e outras causas, na opinião pública norte-americana, na opinião pública internacional já lhe passou o estado de graça. A BP é a responsável, mas quem recebe o golpe é Obama. A BP e as outras seis petrolíferas mundiais (as célebres sete) não estão já apenas por detrás de golpes de estado e guerras de matança, são também responsáveis pelos mortíferos atentados contra o ambiente, este, o outro que dizimou a costa do Alasca e alguns mais. Este é mais grave de todos e ainda não parou. Que justiça vai ser aplicada à BP? Em dinheiro, como é costume nos EU? Ela paga. As multinacionais tudo podem pagar...em dinheiro. Não são elas que governam o mundo?
VINICIUS DE MORAIS
Operário em construção
Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as asas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.
De fato como podia
Um operário em construção
Compreender porque um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse eventualmente
Um operário em construção.
Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
- Garrafa, prato, facão
Era ele quem fazia
Ele, um humilde operário
Um operário em construção.
Olhou em torno: a gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.
Ah, homens de pensamento
Não sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.
O operário emocionado
Olhou sua própria mão
Sua rude mão de operário
De operário em construção
E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
De que não havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.
Foi dentro dessa compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele não cresceu em vão
Pois além do que sabia
- Exercer a profissão -
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.
E um fato novo se viu
Que a todos admirava:
O que o operário dizia
Outro operário escutava.
E foi assim que o operário
Do edifício em construção
Que sempre dizia "sim"
Começou a dizer "não"
E aprendeu a notar coisas
A que não dava atenção:
Notou que sua marmita
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uísque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
Que sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.
E o operário disse: Não!
E o operário fez-se forte
Na sua resolução
Como era de se esperar
As bocas da delação
Começaram a dizer coisas
Aos ouvidos do patrão
Mas o patrão não queria
Nenhuma preocupação.
- "Convençam-no" do contrário
Disse ele sobre o operário
E ao dizer isto sorria.
Dia seguinte o operário
Ao sair da construção
Viu-se súbito cercado
Dos homens da delação
E sofreu por destinado
Sua primeira agressão
Teve seu rosto cuspido
Teve seu braço quebrado
Mas quando foi perguntado
O operário disse: Não!
Em vão sofrera o operário
Sua primeira agressão
Muitas outras seguiram
Muitas outras seguirão
Porém, por imprescindível
Ao edifício em construção
Seu trabalho prosseguia
E todo o seu sofrimento
Misturava-se ao cimento
Da construção que crescia.
Sentindo que a violência
Não dobraria o operário
Um dia tentou o patrão
Dobrá-lo de modo contrário
De sorte que o foi levando
Ao alto da construção
E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
- Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue
E dou-o a quem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher
Portanto, tudo o que ver
Será teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.
Disse e fitou o operário
Que olhava e reflectia
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria
O operário via casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objectos
Produtos, manufacturas.
Via tudo o que fazia
O lucro do seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.
E o operário disse: Não!
- Loucura! - gritou o patrão
Não vês o que te dou eu?
- Mentira! - disse o operário
Não podes dar-me o que é meu.
E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martírios
Um silêncio de prisão.
Um silêncio povoado
De pedidos de perdão
Um silêncio apavorado
Com o medo em solidão
Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fracturas
A se arrastarem no chão
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão
Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construído
O operário em construção
segunda-feira, 7 de junho de 2010
«Beleza Americana»
«Beleza americana», de Sam Mendes, é um filme extraordinário. Realizado durante a loucura da administração Bush tem a coragem de exibir os pôdres da família americana. Usando de uma fina ironia passa-nos a atmosfera das relações que desunem os casais, os filhos dos pais, os vizinhos entre si de um bairro da classe média tipicamente americano (moradia, jardim, garagem, dois automóveis...). O afastamento progressivo dos casais, o afastamento dos progenitores e dos filhos. O ódio que todos projectam sobre o protagonista (a quem todos, desde os gestores da empresa onde sempre trabalhou e é despedido, até à mulher e à filha, todos consideram um mole, um «banana») é mais uma consequência do seu proprio comportamento indiferente e desatento que, nas últimas horas de vida, ele transfigura. Um coronel dos marines que é nazi e recalca a sua pulsão homossexual (uma das cenas mais emblemáticas do filme), desprezando a mulher e o filho; duas adolescentes amigas, completamente opostas nos sonhos que dizem realizar mas que, na verdade, enganam-se a si mesmas e à outra (cada uma julga a outra por aquilo que a outra diz sobre si mesma). É uma comédia de enganos com belíssimas imagens.
Não é, nem pode ser, um retrato de toda a América - provavelmente filme algum o foi ou será- é um filme sobre ou contra uma certa imagem que se publicitou sobre a América. Desencanta a fantasia ideológica. Um grande realizador, um grande filme.
Não é, nem pode ser, um retrato de toda a América - provavelmente filme algum o foi ou será- é um filme sobre ou contra uma certa imagem que se publicitou sobre a América. Desencanta a fantasia ideológica. Um grande realizador, um grande filme.
domingo, 6 de junho de 2010
Palestina mártir. Porque são tão lestas as potências europeias e mundiais a intervirem e a decretarem sanções a uns e, a outros, nada fazem? Que interesses geoestratégicos estão por detrás dos actos do regime militar de Israel? A filósofa Hannah Arendt classificou o nazismo-o holocausto-como O Mal Absoluto. Como classificar a guerra de extermínio prosseguida há décadas pelos políticos de Israel?
Vítimas antes, algozes agora
Circula pela Net uma mensagem toda de imagens feita cuja origem ignoro que compara, através de simples imagens, a realidade que se vive na Palestina ocupada com o holocausto perpetrado pelos nazis sobre os judeus. No caso presente são os judeus que têm como alvo os palestinos. Será um exagero, mas é assim que se procede hoje, para o bem e para o mal, com as imagens. São elas a mensagem e não o texto com palavras, são elas a narrativa sem o enredo explicativo. Daí o exagero. Contudo, fica-se impressionado com as semelhanças, tanto mais porque lhes falta, precisamente, o contexto teórico: em ambos os casos os muros e os guetos, as armas sempre apontadas às vitímas indefesas, incluindo crianças e mulheres; o desprezo com que os algozes observam os mortos; os rostos tristes de crianças olhando através do arame-farpado, etc. O regime político de Israel é a democracia e não o totalitarismo nazi, os palestinos não são incinerados em fornos. Todavia, que terríveis as semelhanças das imagens que retratam um quotidiano, um ódio de uma «raça» contra outra (nos israelitas há também medo nesse ódio), o comportamento de soldados que não se limitam a cumprir ordens com zêlo, cumprem-nas com brutalidade cruel e, evidentemente, desproporcionada. Lembremos os crimes horrendos que praticaram no Líbano há uma vintena de anos sobre os campos de refugiados, lembremos tudo que em décadas têm cometido de violento contra um povo que é tão semita como eles o são. A comparação será excessiva, porém agora são as vítimas de antes (os judeus) que praticam actos de extermínio, ocupação, saque, policiamento, exclusão, racismo, como se reproduzissem o que lhes fizeram a eles mesmos.
Às vezes as imagens são tão transparentes que a realidade torna-se invisível. As sociedades contemporâneas possuem esta particularidade inquietante. No entanto, comparar imagens é comparar actos e comportamentos, é recordar, provocar uma reflexão urgente e, sobretudo, um sentimento de revolta.
Às vezes as imagens são tão transparentes que a realidade torna-se invisível. As sociedades contemporâneas possuem esta particularidade inquietante. No entanto, comparar imagens é comparar actos e comportamentos, é recordar, provocar uma reflexão urgente e, sobretudo, um sentimento de revolta.
Joana Vasconcelos e a pós-modernidade
A artista portuguesa Joana Vasconcelos exemplifica características fortes do que se convencionou designar como pós-modernidade em filosofia e pós-modernismo nas Artes. Exemplifica pelo lado bom da coisa e não pelo lado mau. É uma artista beneficiada pelos media mas que, apesar disso, faz jus à sua fama. Acessível ao gosto comum ou médio (na Era da Arte industrial ou, se preferirmos, comercial, mercantil) pelo seu estilo popular, aparentemente popular, que utiliza materiais que simulam a tradição e o artesanato popular (rendas, por exemplo), transmite, no entanto, uma crítica ao consumismo, ao império da imagem e do simulacro, desterritorilizando (termo usado pelo filósofo Gilles Deleuze, que exprime a perda de territórios fixos e o ganho de maior liberdade), deslocando dos contextos originais (garrafas de vidro, colheres de plástico, este modelo que aqui se expõe). Há, portanto, uma ironia propositada nas suas obras que impede uma leitura óbvia, ou seja, parece escolher o óbvio, mas não é assim de facto.
Quo vadis juventude?
Há jovens politizados, organizados em movimentos e partidos da Esquerda. São a nossa esperança. Porém, a grossa maioria dos jovens anda por aí alienada, domesticada, distraídos com concertos ao vivo, nos bares de Alfama, ou, nesta altura, na paranóia de exames para os quais eles não levam cultura nenhuma. Narcisismo, insegurança e infantilização. É preciso ser muito optimista para acreditar neles.
Trafulhices
As duas potências, Alemanha e França, ao mesmo tempo que emprestam à Grécia (com juros, é claro), vendem-lhes submarinos e aviões militares. Trafulhice, lucros e hipocrisia. O Governo grego é primo direito do nosso.
sábado, 5 de junho de 2010
O FADO
José Alberto Sardinha é um advogado de Torres Vedras, etnomusicólogo de categoria nacional e internacional, que não tem merecido um destaque mais amplo e justo porque em Portugal é costume o desprezo pela cultura nacional, sobretudo quando não move negócios e comove os media.
Publicou A Origem do Fado (ed. Tradisom), onde defende a tese de que o fado nasceu das canções populares portuguesas ( e não de músicas brasileiras), isto é, do canto narrativo tradicional, transportado, numa primeira fase, pelos jograis e, depois, numa última fase, pelos músicos ambulantes que andavam de terra em terra, cantando nas feiras. «Normalmente, eram músicos mendicantes, que incluíam muitos cegos, a que o povo chamava de «ceguinhos» e ao que eles cantavam «fado dos ceguinhos». É esse fado, a que chamamos pejorativamente, o da «desgraçadinha», ou de «faca e alguidar», que está na origem próxima do que nós conhecemos hoje como fado e que se transformou num género artístico», palavras dele.
O desenvolvimento da tese, a sua clareza, rigor e observação concreta, quase que não eram necessários pois que a sua ideia é tão intuitiva e iluminadora que nos faz aderir sem hesitações.
Ainda me lembro perfeitamente de escutar esses romances «de cordel», narrando ingenuamente tragédias tão intensas que me comoviam até às lágrimas (mais tarde faziam-me sorrir, mas sem desprezo, tal era o seu excesso). Ainda me lembro dos «ceguinhos». Só não sabia que estava ali o Fado. Essa idiossincracia portuguesa. Bem que o Miguel de Unamuno nos classificava de povo melancólico...
Tiro o chapéu ao José Alberto Sardinha.
Publicou A Origem do Fado (ed. Tradisom), onde defende a tese de que o fado nasceu das canções populares portuguesas ( e não de músicas brasileiras), isto é, do canto narrativo tradicional, transportado, numa primeira fase, pelos jograis e, depois, numa última fase, pelos músicos ambulantes que andavam de terra em terra, cantando nas feiras. «Normalmente, eram músicos mendicantes, que incluíam muitos cegos, a que o povo chamava de «ceguinhos» e ao que eles cantavam «fado dos ceguinhos». É esse fado, a que chamamos pejorativamente, o da «desgraçadinha», ou de «faca e alguidar», que está na origem próxima do que nós conhecemos hoje como fado e que se transformou num género artístico», palavras dele.
O desenvolvimento da tese, a sua clareza, rigor e observação concreta, quase que não eram necessários pois que a sua ideia é tão intuitiva e iluminadora que nos faz aderir sem hesitações.
Ainda me lembro perfeitamente de escutar esses romances «de cordel», narrando ingenuamente tragédias tão intensas que me comoviam até às lágrimas (mais tarde faziam-me sorrir, mas sem desprezo, tal era o seu excesso). Ainda me lembro dos «ceguinhos». Só não sabia que estava ali o Fado. Essa idiossincracia portuguesa. Bem que o Miguel de Unamuno nos classificava de povo melancólico...
Tiro o chapéu ao José Alberto Sardinha.
O encerramento compulsivo das escolas
A ministra da educação defende o encerramento de 200 escolas do 1º Ciclo com o argumento de que a mudança traz novas e melhores condições de aproveitamento escolar dos alunos. Ora, isto não sendo falso, não é inteiramente verdade. Todos os estudos científicos, até a simples observação empírica, estrangeiros e nacionais, têm demonstrado que a Escola reproduz as desigualdades sociais. Sugiro-lhe que leia, ao menos, Pierre Bourdieu. Se a colocação das crianças em outras escolas maiores e mais ou menos urbanas pode produzir melhores condições materiais e pedagógicas em algumas crianças, também ocorrem fenómenos de exclusão ou, pelo menos, de dificuldades de inclusão, pelo facto de serem oriundas de camadas sociais desfavorecidas. A Escola permite alguma mobilidade social, mas é grave ignorar-se que reproduz as classes sociais. Os próprios professores contribuem e é lamentável que não tenham consciência disso.
O quadro desenhado de substituição das modestas escolinhas de aldeia por Agrupamentos urbanos novos e bem dotados, é bonito, mas demasiado cor de rosa. Nas aldeias desertificadas protesta-se. As crianças deslocadas passam os dias fora de suas casas, longe dos ambientes naturais, perdem valores e referências e entram na uniformidade geral. Ignora-se o destino de centenas de professores «despedidos» das velhas escolas. Tudo isto dá para pensar.
O quadro desenhado de substituição das modestas escolinhas de aldeia por Agrupamentos urbanos novos e bem dotados, é bonito, mas demasiado cor de rosa. Nas aldeias desertificadas protesta-se. As crianças deslocadas passam os dias fora de suas casas, longe dos ambientes naturais, perdem valores e referências e entram na uniformidade geral. Ignora-se o destino de centenas de professores «despedidos» das velhas escolas. Tudo isto dá para pensar.
Os factos
Mais de 4 mil milhões de euros foi quanto o Governo gastou com o escândalo no BPN:
Mais de 16 mil milhões de euros de capitais portugueses estão sediados em «paraísos fiscais»;
Mais de 5,5 mil milhões de euros de lucros por dia para os cinco principais bancos nacionais:
Mais de 1,6 mil milhões de ruos de benefícios fiscais para o grande capital, foi aprovado no Orçamento de Estado para 2010 por PS, PSD e CDS;
Mais de 32 mil milhões de euros foi quanto os principais grupos económicos nacionais lucraram entre 2004-2009.
Entretanto a política do Governo é:
Ataque aos salários (com a retenção de 1 e 1,5 % de imposto) e aumento do IVA.
O pão, leite, medicamentos, água, electricidade, transportes soferrão um aumento significativo nos próximos meses. Um aumento de 20% nos bens essenciais.
Reducção do valor do subsídio de desemprego para 75% do salário líquido correspondendo a um corte no valor actual do subsídio;
Congelar os salários e até baixá-los e incentivar os despedimentos. Um trabalhador que seja despedido, vá para o desemprego poderá ser obrigado a aceitar um trabalho precário e com grande corte relativamente ao salário anterior, num processo que sucessivamente lhe poderá reduzir o salário até no Salário Mínimo Nacional.
Desinvestimentos públicos em obras que criem emprego e estimulem o resto da economia.
Cortes substanciais nas despesas dos Serviços Públicos essenciais (Saúde, Ensino, Cultura)
Mais de 16 mil milhões de euros de capitais portugueses estão sediados em «paraísos fiscais»;
Mais de 5,5 mil milhões de euros de lucros por dia para os cinco principais bancos nacionais:
Mais de 1,6 mil milhões de ruos de benefícios fiscais para o grande capital, foi aprovado no Orçamento de Estado para 2010 por PS, PSD e CDS;
Mais de 32 mil milhões de euros foi quanto os principais grupos económicos nacionais lucraram entre 2004-2009.
Entretanto a política do Governo é:
Ataque aos salários (com a retenção de 1 e 1,5 % de imposto) e aumento do IVA.
O pão, leite, medicamentos, água, electricidade, transportes soferrão um aumento significativo nos próximos meses. Um aumento de 20% nos bens essenciais.
Reducção do valor do subsídio de desemprego para 75% do salário líquido correspondendo a um corte no valor actual do subsídio;
Congelar os salários e até baixá-los e incentivar os despedimentos. Um trabalhador que seja despedido, vá para o desemprego poderá ser obrigado a aceitar um trabalho precário e com grande corte relativamente ao salário anterior, num processo que sucessivamente lhe poderá reduzir o salário até no Salário Mínimo Nacional.
Desinvestimentos públicos em obras que criem emprego e estimulem o resto da economia.
Cortes substanciais nas despesas dos Serviços Públicos essenciais (Saúde, Ensino, Cultura)
sexta-feira, 4 de junho de 2010
Ferreira Gullar, poeta brasileiro galardoado com o Prémio Camões, comunista, perseguido, preso e exilado durante a ditadura militar fascista do Brasil.
SUBVERSIVA
A poesia
Quando chega
Não respeita nada.
Nem pai nem mãe.
Quando ela chega
De qualquer de seus abismos
Desconhece o Estado e a Sociedade Civil
Infringe o Código de Águas
Relincha
Como puta
Nova
Em frente ao Palácio da Alvorada.
E só depois
Reconsidera: beija
Nos olhos os que ganham mal
Embala no colo
Os que têm sede de felicidade
E de justiça.
E promete incendiar o país.
Ferreira Gullar
A poesia
Quando chega
Não respeita nada.
Nem pai nem mãe.
Quando ela chega
De qualquer de seus abismos
Desconhece o Estado e a Sociedade Civil
Infringe o Código de Águas
Relincha
Como puta
Nova
Em frente ao Palácio da Alvorada.
E só depois
Reconsidera: beija
Nos olhos os que ganham mal
Embala no colo
Os que têm sede de felicidade
E de justiça.
E promete incendiar o país.
Ferreira Gullar
quinta-feira, 3 de junho de 2010
A memória de Álvaro Cunhal
Foi há cinco anos que faleceu Álvaro Cunhal. A revista «Sábado», última, traz uma entrevista com a filha de Cunhal (e é capa da Revista). O jornalista que conduziu a entrevista, a entrevista e o destaque dignificam o pluralismo e o bom nível que frequentemente esta revista alcança e merece. O jornalista usa de uma contenção e de um civismo que demonstra como se é sempre injusto quando se ataca uma classe profissional no seu todo. A entrevista é comovedora, independentemente das posições políticas de cada um. Basta ser-se sério e honesto para nos comovermos com os elogios que uma filha faz ao seu pai, ao amor filial e à saudade que se devota ao progenitor. Qualquer que seja este. Neste caso, ao mais importante político português, ao qual nenhum vivo se lhe compara.
É verdade que este trabalho da revista coincide (propositadamente ou não) com a publicação do livro de Carlos brito, «Álvaro Cunhal, sete fôlegos do combatente» (edições Nelson de Matos); de resto, inclui trechos do livro. O livro, que li depressa, é um rico repositório de experiências políticas que transcendem a vida comum de cidadãos e leitores comuns. A grande maioria provavelmente ainda ignora o que realmente sucedeu sob e contra a ditadura fascista e, suponho, o que veio a suceder após a insurreição armada e popular do 25 de Abril. Mas essa maioria torna-se imensa no que respeita aos acontecimentos que abalaram o PCP de quando em vez, por dentro, e, sobretudo, há uma década atrás. A muitíssimos talvez não importe absolutamente nada, a outros importa para tomarem partido por uns ou por outros e para fortalecerem os seus preconceitos. Pelo que a mim diz respeito não tomei partido por uma «linha» nem pela outra quando ambas se radicalizaram. O que faz de mim um leitor comprometido, certamente, mas não envolvido, completamente à vontade para ler com gosto e espírito crítico este livro de memórias de Carlos Brito, ex-dirigente destacado do PCP, de um homem honrado, que nos fornece a sua versão sobre a personalidade de Àlvaro Cunhal, sobre o percurso acidentado do PCP, sobre, enfim, as causas do seu definitivo afastamento do Partido em que militou generosamente. Um livro oportuno para quem não é (e desejamos que nunca tenha sido) dogmático, sectário ou revisionista. Era urgente agora um livro com a versão opositora. Somente há História quando há o contraditório.
É verdade que este trabalho da revista coincide (propositadamente ou não) com a publicação do livro de Carlos brito, «Álvaro Cunhal, sete fôlegos do combatente» (edições Nelson de Matos); de resto, inclui trechos do livro. O livro, que li depressa, é um rico repositório de experiências políticas que transcendem a vida comum de cidadãos e leitores comuns. A grande maioria provavelmente ainda ignora o que realmente sucedeu sob e contra a ditadura fascista e, suponho, o que veio a suceder após a insurreição armada e popular do 25 de Abril. Mas essa maioria torna-se imensa no que respeita aos acontecimentos que abalaram o PCP de quando em vez, por dentro, e, sobretudo, há uma década atrás. A muitíssimos talvez não importe absolutamente nada, a outros importa para tomarem partido por uns ou por outros e para fortalecerem os seus preconceitos. Pelo que a mim diz respeito não tomei partido por uma «linha» nem pela outra quando ambas se radicalizaram. O que faz de mim um leitor comprometido, certamente, mas não envolvido, completamente à vontade para ler com gosto e espírito crítico este livro de memórias de Carlos Brito, ex-dirigente destacado do PCP, de um homem honrado, que nos fornece a sua versão sobre a personalidade de Àlvaro Cunhal, sobre o percurso acidentado do PCP, sobre, enfim, as causas do seu definitivo afastamento do Partido em que militou generosamente. Um livro oportuno para quem não é (e desejamos que nunca tenha sido) dogmático, sectário ou revisionista. Era urgente agora um livro com a versão opositora. Somente há História quando há o contraditório.
quarta-feira, 2 de junho de 2010
Os consensos irracionais
Separam-se as águas. Estas políticas acordadas entre o PS e o PSD para resolverem (tentarem!) a má situação orçamental possuem uma virtude: esclarecem e demonstram que os partidos ditos do «Bloco Central, PS/PSD/CDS), isto é, da Direita ou que a imitam tão bem ou melhor que ela (o PS), defendem os interesses do capital financeiro e do grande capital em geral e que os partidos da Esquerda defendem o povo que trabalha por conta de outrem, ou que tentam resistir à crise nas suas pequenas ou médias empresas, que defendem os reformados e pensionistas, os desempregados. Insisto: as políticas que o PEC anuncia e ainda irá agravar não vão ao encontro dos interesses dos próprios pequenos capitalistas. Ora, se somassemos todos estes cidadãos e suas famílias teriamos uma esmagadora maioria a ser ofendida, saqueada, atingida, pelo acordo PS/PSD. Temos, assim, o que é próprio da Direita e o que é próprio da Esquerda. Temos, assim, as classes sociais claramente delimitadas qualquer que seja o critério sociológico que as classifica. Teríamos, assim, um voto nas urnas perfeitamente distinto, consciente, informado e, portanto, uma derrota clamorosa da Direita.
Mas não é assim que as coisas funcionam. E não sendo isto um mistério inexplicável, ou uma fatalidade religiosa, é, contudo, um paradoxo que desafia, senão contraria mesmo, a racionalidade.
Mas não é assim que as coisas funcionam. E não sendo isto um mistério inexplicável, ou uma fatalidade religiosa, é, contudo, um paradoxo que desafia, senão contraria mesmo, a racionalidade.
A Ideologia
O conceito de "ideologia" tem vindo a ser abandonado por um grande número de filósofos e cientistas sociais a partir do século passado; os "pós-modernos" recusam-no pura e simplesmente. Em épocas passadas o conceito foi amplamente estudado e ainda hoje é admitido por alguns investigadores marxistas. Entre aqueles que o abandonaram encontramos cientistas sociais que utilizam, contudo, conceitos forjados por Marx. O conceito na sua acepção clássica não se refere exclusivamente àquilo que é comum designar-se por ideologia: as doutrinas políticas. Na acepção de Marx ideologia expressa a existência de uma ligação necessária entre formas "invertidas" de consciência e a existência material dos indivíduos. É um fenómeno social, um comportamento individual e colectivo, um género de pensamento distorcido cuja origem e formação se deve às contradições sociais e as oculta. A ideologia é, portanto, comum e universal, mas não reflecte o universal racional e verdadeiro, mas o particular. Deste modo, pode-se descobrir quais os interesses de classe envolvidos nas opiniões comuns, inclusivamente nas mais elaboradas teses e argumentações filosóficas e mesmo "científicas". Assim nas épocas em que na Biologia se defenderam teses racistas (por exemplo, no século passado aquando da difusão das doutrinas nazi-fascistas) a componente ideológica dos seus defensores estava visível. A fonte da inversão ideológica é uma inversão da própria realidade, supor, por exemplo, que são as ideias (determinadas ideias) que governam o mundo da vida e da história, e não os interesses práticos e materiais dos homens agrupados e divididos em classes sociais com interesses divergentes e mesmo antagónicos. A religião, por exemplo, expressa uma inversão, e ela é mais do que uma alienação filosófica ou simples ilusão: expressa ou reflecte as contradições e sofrimentos do mundo real. É uma espécie de compensação que pode trazer algum alívio mas que não resolve os problemas das misérias reais. Partir da consciência para explicar tudo, em vez de partir da realidade material, é pensar em termos ideológicos; o rótulo de "ideólogos" encaixa, então, naqueles que, propositadamente ou não, fazem a propaganda de mistificações que ajudam a classe dominante a perpetuar-se no poder. Marx foi muito claro ao explicar que os verdadeiros problemas da humanidade não são as ideias erróneas, mas as contradições sociais reais e que aquelas são consequência destas. A Escola (de qualquer nível) serve muitas vezes para disfarçar, pelos seus conteúdos que ensina, a existência das contradições sociais e tende a reproduzir as desigualdades sociais. As distorções e mistificações ideológicas podem e devem ser criticadas e postos a nu os verdadeiros interesses particulares que elas ocultam, porém não é apenas a crítica que vai resolver as contradições, os dramas e os conflitos que nascem do facto das sociedades estarem divididas em classes sociais. O capitalismo não se explica se nos limitarmos à sua esfera de circulação (dos capitais), os mercados; procedendo assim não sairiamos do "reino" das aparências e das expressões tipicamente ideológicas como sejam «os direitos inatos do homem», o blá-blá da Liberdade, Igualdade e Propriedade. A ideologia burguesa da liberdade e da igualdade oculta o que ocorre sob o processo superficial de troca, onde « essa aparente igualdade e liberdade individuais desaparecem» e «revelam-se como desigualdade e falta de liberdade» (Marx).
terça-feira, 1 de junho de 2010
«Cuidado com a Alemanha»
Leio sempre com interesse as crónicas do professor Diogo Freitas do Amaral na revista "Visão". Eis outro exemplo de como os indivíduos podem evoluir: Se olhassemos apenas para o passado político deste homem tudo me afastaria dele. A sua passagem breve pelo governo de Sócrates em nada o manchou. O seu prestígio internacional é incontestável. As crónicas, reflectindo muito embora um pensamento "liberal" são sempre inteligentes e oportunas (ainda que discutíveis, pois claro). O pensamento "liberal" é tão variado que nos EU corresponde a um movimento reformista que se opõe ao Partido Republicano e se encontra em certas questões na ala esquerda do Partido Democrático. Não conheço os contornos do pensamento teórico, de doutrina política, de Freitas do Amaral, tanto mais que ele nos surpreendeu aderindo ao governo do PS, ele, que foi fundador do CDS. Apreciar as suas análises políticas não é esperar que ele critique a NATO e outros eixos fundamentais do imperialismo e do capitalismo. É constatar com curiosidade como certos destacados cidadãos podem evoluir para posições críticas um tanto ou quanto inesperadas e interrogar-me porque sucede assim. Talvez seja a própria vida a ensinar...
Nesta crónica última «Cuidado com a Alemanha» o que mais importa não é encontrar aí porventura um pensamento legitimamente conservador que aponta os perigos das grandes potências sobre a nossa soberania nacional, mas os efeitos nefastos das opções políticas dos últimos anos. Leia-se, por exemplo, este parágrafo: «Crescimento mínimo, desemprego crónico e endividamento excessivo: eis um resultado não previsto do euro mas muito negativo - e que, por isso, é indispensável examinar com toda a objectividade, e sem preconceitos, (também não conseguimos reduzir as desigualdades sociais - o que é mau, mas não resulta do euro, pois quase todos os países dessa zona estão melhores do que nós.» Se admitirmos que o seu ideário ainda é de Direita, como julgo, só podemos concluir que há uma Direita inteligente e uma Direita estúpida. Quando ele escreve que «salvar o Euro e a EU, (é) conseguir negociar -desde já- a flexibilização das regras do PEC», é ler palavras de uma Direita inteligente.
Eu, que sou de esquerda, não me importo de lidar com a inteligência. Não suporto é a boçalidade, a arrogância, a prepotência, o cinismo brutal dos poderosos.
Nesta crónica última «Cuidado com a Alemanha» o que mais importa não é encontrar aí porventura um pensamento legitimamente conservador que aponta os perigos das grandes potências sobre a nossa soberania nacional, mas os efeitos nefastos das opções políticas dos últimos anos. Leia-se, por exemplo, este parágrafo: «Crescimento mínimo, desemprego crónico e endividamento excessivo: eis um resultado não previsto do euro mas muito negativo - e que, por isso, é indispensável examinar com toda a objectividade, e sem preconceitos, (também não conseguimos reduzir as desigualdades sociais - o que é mau, mas não resulta do euro, pois quase todos os países dessa zona estão melhores do que nós.» Se admitirmos que o seu ideário ainda é de Direita, como julgo, só podemos concluir que há uma Direita inteligente e uma Direita estúpida. Quando ele escreve que «salvar o Euro e a EU, (é) conseguir negociar -desde já- a flexibilização das regras do PEC», é ler palavras de uma Direita inteligente.
Eu, que sou de esquerda, não me importo de lidar com a inteligência. Não suporto é a boçalidade, a arrogância, a prepotência, o cinismo brutal dos poderosos.
Saldanha Sanches
Este blogue associa-se àqueles que ora recordam e prestam homenagem à memória de Saldanha Sanches, sem preconceitos e sem sectarismos. Muitos de nós, isto é do Partido em que militávamos, fomos o alvo dos ataques políticos do então jovem Saldanha Sanches e do partido de que ele era um destacado dirigente. Muitos anos passaram, muita água passou debaixo da ponte. Não é isso que recordo agora. Recordo o professor universitário emérito, corajoso e honesto que não tinha venda nos olhos nem papas na língua. Lia-o e escutava-o na TV sempre com gosto, sempre a aprender com o muito que ele sabia e deixava-me mais convencido do que já estava de que a corrupção passeava-se impune neste país, de que a justiça era apenas dura para os fracos, de que as declarações dos governantes e seus acólitos sobre as contas públicas eram pura mentira. Um maldito cancro calou a voz incómoda deste grande cidadão. Porque vindo dos meios universitários e académicos já temos poucas dessas vozes, ficamos mais pobres.
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