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sexta-feira, 18 de junho de 2010

A espuma das palavras

O escritor José Saramago é indissociável do cidadão político que ele foi. Para muita gente é assim tal e qual. Uns porque não gostavam do cidadão e provavelmente da sua obra literária; outros, gostavam do cidadão e da obra. O que separa uns e outros é a política, nuns casos, no seu sentido mais clássico e nobre, noutros, no seu sentido mais ideológico, isto é, particular (a Igreja católica e a Direita). Na ideologia (no seu significado sociológico negativo) estão fixados preconceitos, sistemas dogmáticos de moral, representações classistas do mundo e da vida. Nos romances Saramago atacou a Bíblia e a Igreja católica, com a coragem rara de quem ataca tabus, mas sempre com a elevação filosófica e literária. A visada não lhe perdoa e nenhuma hipocrisia fúnebre esconderá esta verdade. Os dogmas não admitem a dúvida, por definição, e os tabus, por função, são sagrados. A Direita política (CDS e PSD), de modo geral ( permita-se a excepção para aqueles militantes de qualquer partido que fazem a diferença), não lhe perdoa a intervenção política no período revolucionário, mas também, como católica que diz ser, a sua obra literária (incluindo esse manifesto formidável que é o «Levantado do Chão»). Não se revê (claro que a hipocrisia agora dirá o contrário) na revisão da história de Portugal e nos caminhos que este anda a singrar (à deriva, n'A Jangada de Pedra), no retrato que o escritor traçou da época em que o fascismo assaltava o poder com o terror e os milagres de Fátima.
José Saramago representa toda a Nação? Não, porque esta é sempre um mito a menos que a vejamos tal como é: um conjunto mais ou menos conlituoso de classes sociais diferentes. Representa toda a Cultura portuguesa? também não, pois que na Cultura há elementos reaccionários que dificilmente teriam apreciado o nobelizado português. Saramago representa aqueles que o leram e amaram, com ele reflectiram e por causa dele encontraram um caminho de luta. Representa também aqueles que não o leram, por motivos que têm a ver com a ileteracia e o ausente gosto pela leitura, mas que o escritor neles falou nos seus livros, e até os pôs a falar como se lê no «Levantado do Chão» e na «Viagem do Elefante». Saramago veio do povo trabalhador e nunca dele e das suas origens se esqueceu. Saramago foi comunista. Eis tudo. Aqueles que não sabem o que significa a palavra, despida de preconceitos, podem aprendê-la na vida e obra de José Saramago. Alguns artistas, recentes e do passado, acham que os objectos artísticos não têm que possuir mensagem alguma. Se assim fosse não teríamos Camões, Eça, Flaubert, Roger Martin du Gard, Leão Tolstoi. Não teríamos seguramente Saramago, prémio Nobel da Literatura e um dos escritores mais lidos e comentados em todo o planeta.

1 comentário:

cid simoes disse...

Belo texto. Obrigado.

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