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terça-feira, 28 de setembro de 2010

A caverna

A OCDE representa os mais altos interesses coligados do grande capital internacional, isto é imperialista. Que as grandes potências e as multinacionais falam pela boca desses especialistas em extorsão e exploração mundiais, todos sabem ou deviam saber. Vieram a Portugal dar a mão ao governo, o que demonstra que interesses defende e que política pretende prosseguir. Todos estão de acordo: Presidente da República, governo, oposição de direita, confederação dos patrões, UGT, mais todos esses comentadores de serviço, catedráticos ou administradores da Banca e dos grupos económicos lusitanos. Assim se dividisse o país: entre essa minoria e a imensa maioria dos trabalhadores assalariados, dos pequenos empresários, dos reformados e pensionistas. Se assim fosse, ou um dia vier a ser, esta pandilha havia de ser obrigada a dar ao povo aquilo que é do povo. Já se viram mudanças dessas, o que prova que não são impossíveis. Tal como nos ensinou Platão na sua imortal história da caverna, há que acreditar que, com esforço e esperança, a libertação das grilhetas e do buraco negro onde nos mantêm agrilhoados há de chegar. Quer eu ainda esteja vivo ou não.

domingo, 26 de setembro de 2010

José Carlos Ary dos Santos

Soneto presente

Não me digam mais nada senão morro
aqui neste lugar dentro de mim
a terra donde venho é onde moro
o lugar de que sou é estar aqui.

Não me digam mais nada senão falo
e eu não posso dizer eu estou de pé.
De pé como um poeta ou um cavalo
de pé como quem deve estar quem é.

Aqui ninguém me diz quando me vendo
a não ser os que eu amo os que eu entendo
os que podem ser tanto como eu.

Aqui ninguém me põe a pata em cima
porque é de baixo que me vem acima
a força do lugar que for o meu.

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

PAUL ELUARD (1895-1952)

O Espelho de um instante


Ele dissipa o dia,
Ele mostra aos homens as imagens livres de aparências,
Ele rouba aos homens a possibilidade de se distraírem,
É duro como a pedra,
A pedra informe,
A pedra do movimento e da vista,
E o seu brilho é tal que as armaduras e as máscaras são falsificadas.
O que a mão pegou despreza assumir a forma da mão,
O que foi compreendido não mais existe,
O pássaro confundiu-se com o vento,
O céu com a sua verdade,
O homem com a sua realidade.


«Ta chevelure d'oranges»


A tua cabeleira de laranjas no vazio do mundo
No vazio dos vidros densos de silêncio
E de sombra onde as minhas mãos nuas te procuram os reflexos.


A forma do teu coração é quimérica
E o teu amor parece-se com o meu desejo perdido.
Ó suspiros de âmbar, sonhos, olhares.
Mas tu sempre estiveste comigo. A memória
Obscurece-se-me porque te vi chegar
E partir. O tempo serve-se de palavras como o amor.

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Mais uma!

A Santa Sé anda em maré de azar. Foram (ou são?) os crimes de pedofilia praticados sobre centenas (milhares?) de crianças órfãs, paupérrimas, infelizes. Agora é o seu Banco que está a ser investigado sob a suspeita de lavagem de dinheiro (sujo, pois claro; aquele que costuma acompanhar os negócios do tráfico de droga, prosituição, contrabando de armas). Quem tem a memória curta não se recorda do escândalo da bancarrota do mesmo Banco (claro, com outro registo) saqueado por administradores ligados à Máfia, um deles apareceu morto sob uma ponte do rio Tamisa, há uns anos atrás, eu cá lembro-me muito bem. E lembro-me inclusivamente das ligações espúrias do Banco ou do Vaticano com a Democracia Cristã, o tal partido italiano casado com as máfias.
No meu tempo de petiz o sr. padre-confessor obrigava-nos a rezar uma dúzia de padre-nossos e outra dúzia de avé-marias para nos salvarmos do fogo do inferno por causa de uns pequeninos pensamentos impuros. Que área do inferno está reservada para esses padres pedófilos e para os sacripantas do Banco? Um mosteiro nas Antilhas?

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Soberanias

O diktat da Comissão europeia do visto para fazer passar o Orçamento nacional obriga a uma reflexão aprofundada sobre a situação das soberanias nacionais. A título imediato provoca justamente a revolta e a indignação. É preocupante que as forças políticas dominantes baixem a cerviz e aceitem tamanha intrusão. Demonstram o servilismo que reina por cá e noutros governos europeus endividados, e quem efectivamente domina a União Europeia. A reflexão mais aprofundada passa pela controvérsia contemporânea sobre se a soberania se eclipsa ou não no quadro das transformações provocadas pela chamada «globalização». Anda por aí a correr a tese, dada como adquirida, segundo a qual as novas sociedades em-rede (M. Castells) substituem as entidades nacionais (o mercado mundial, as comunicações, os organismos internacionais) ou a tese similar que considera inútil, ou mesmo reaccionária, a luta por objectivos nacionais (A. Negri).
Ora, se é certo que a soberania tem vindo a decair face aos condicionalismos internacionais contemporâneos (quer se queira, quer não, estamos todos no mercado mundial), tais tendências contêm uma forte componente neo-imperialista, e os interesses das grandes potências e das multinacionais são bem visíveis. Em termos grossos poder-se-á conluir que a soberania dos países periféricos, mais pequenos ou mais pobres (da Europa ou do Sul), já não interessa, mas para as grandes potências (E.U., Japão, Alemanha, Inglaterra, França, China) ainda interessa-lhes e muito.

domingo, 19 de setembro de 2010

Bum!

Crise sistémica global


Primavera de 2011: Benvindo ao United States of Austerity


– Rumo ao grande descalabro do sistema económico e financeiro mundial



«O segundo trimestre de 2010 é bem caracterizado por um agravamento brutal da crise assinalado pelo fim da ilusão da retomada que foi alimentada pelos dirigentes ocidentais e pelos milhões de milhões engolidos pelos bancos e planos económicos de "estímulo" sem eficácia duradoura. Os próximos meses vão revelar uma realidade simples mas particularmente dolorosa: a economia ocidental e, em particular, a dos Estados Unidos , nunca saiu verdadeiramente da recessão . Os sobressaltos estatísticos registados desde o Verão de 2009 não foram senão as consequências passageiras de uma injecção maciça de liquidez num sistema tornado fundamentalmente insolvente, tal como o consumidor americano . No cerne da crise sistémica global desde a sua origem, os Estados Unidos vão portanto demonstrar nos próximos meses que estão novamente em vias de arrastar as economias e as finanças mundiais para o "coração das trevas" pois não chegaram a sair desta "Muito Grande Depressão estado-unidense" . Assim, no momento da saída dos sobressaltos políticos das eleições americanas de Novembro próximo, sobre o pano de fundo de taxas de crescimento tornadas negativas, o mundo vai ter de enfrentar a "Muito Grande Avaria" do sistema económico e financeiro mundial fundado há mais de 60 anos sobre a necessidade absoluta de a economia americana jamais se encontrar em recessão duradoura. Ora, o primeiro semestre de 2011 vai impor à economia americana uma cura de austeridade sem precedentes, mergulhando o planeta num novo caos financeiro, monetário, económico e social . Os próximos trimestre vão ser particularmente perigosos para o sistema económico e financeiro mundial. O patrão do Fed, Ben Bernanke, fez igualmente passar a mensagem tão diplomaticamente quanto possível aquando da recente reunião dos banqueiros centrais mundiais em Jackson Hole, no Wyoming: Apesar de a política de relançamento da economia americana ter fracassado, que seja o resto do mundo a continuar a financiar em perda os défices estado-unidenses e espera que num dado momento esta aposta venha a ser compensadora pois terá evitado um afundamento do sistema global, ou seja, os Estados Unidos vão monetizar a sua dívida e transformar em moeda de macacos o conjunto dos dólares e Títulos do Tesouro dos EUA possuídos pelo resto do planeta. Tal como toda potência acuada, os Estados Unidos doravante são obrigados a juntar a ameaça à pressão para poderem obter o que querem. Há apenas pouco mais de um ano, os dirigentes e responsáveis financeiros do resto do mundo dispuseram-se voluntariamente a "recolocar a flutuar o navio USA". Hoje contudo as coisas mudaram muito pois a bela garantia de Washington (tanto a do Fed como a da administração Obama) verificou-se não ser senão pura arrogância fundamentada sobre a pretensão de ter compreendido a natureza da crise e a ilusão de possuir os meios de dominá-la. Ora, o crescimento americano evapora-se trimestre após trimestre e tornar-se-á negativo a partir do fim de 2010, o desemprego não pára de crescer a estabilidade dos números oficiais e a saída em seis meses de mais de dois milhões de americanos do mercado do emprego (para o LEAP/E2020, o número real do desemprego doravante é de pelo menos 20%) , o mercado imobiliário americano continua deprimido a níveis historicamente baixos e vai retomar a sua queda a partir do 4º trimestre de 2010; enfim, como se pode facilmente imaginar nestas condições, o consumidor estado-unidense permanece e permanecerá ausente por longo tempo uma vez que a sua insolvência perdura e mesmo se agrava pois um americano em cada cinco não tem trabalho. Em primeiro lugar, há uma realidade popular muito sombria, uma verdadeira viagem "ao coração das trevas", que é a de dezenas de milhões de americanos (cerca de 60 milhões dependem agora de selos de alimentação) que doravante não têm mais emprego, nem casa, nem poupanças e que se perguntam como vão sobreviver nos próximos anos . Jovens , reformados, negros, operários, empregados administrativos , ... eles constituem esta massa de cidadãos em cólera que em Novembro próximo se vai exprimir brutalmente e mergulhar Washington num impasse político trágico. Apoiantes do movimento "Tea-Party" , novos secessionistas , ... eles querem "partir a máquina washingtoniana" (e por extensão a da Wall Street) sem entretanto ter propostas realizáveis para resolver a multidão de problemas do país . Assim, as eleições de Novembro de 2010 vão ser a primeira ocasião para esta "América que sofre" exprimir-se sobre a crise e suas consequências. E, recuperados ou não pelos republicanos ou pelos extremos, estes votos vão contribuir para paralisar ainda mais a administração Obama e o Congresso (que provavelmente oscilará para o lado republicano), não fazendo senão afundar o país num imobilismo trágico no momento em que todos os indicadores passam novamente para o vermelho. Esta expressão da cólera popular vai igualmente entrar em choque a partir de Dezembro com a publicação do relatório da comissão sobre o défice estabelecido pelo presidente Obama, que automaticamente vai colocar a questão dos défices no cerne do debate público do princípio de 2011 .


A título de exemplo, já se pode ver uma expressão bem particular desta cólera popular contra a Wall Street no facto de que os americanos desertaram da bolsa . A cada mês, são sempre mais os "pequenos accionistas" que deixam a Wall Street e os mercados financeiros deixando hoje mais de 70% das transacções nas mãos das grandes instituições e outros "high frequency traders" . Se se recorda a imagem tradicional de que a bolsa seria o tempo moderno do capitalismo, assiste-se então a um fenómeno de perda de fé que poderia ser comparável ao desgosto com grandes manifestações populares que o sistema comunista experimentou antes da sua queda.»

15 Setembro 2010
 (in http:// resistir.info/.)
(cortes e adaptações da minha responsabilidade - N.P.)

sábado, 18 de setembro de 2010

Notícias de Cuba

Os órgãos de informação noticiaram recentemente uma entrevista confusa de Fidel e um comunicado da confederação (?) cubana de sindicatos. Fidel não foi feliz numa declaração que prestou permitindo que o jornalista norte-americano noticiasse que segundo ele o «modelo cubano já não funciona», quando, na verdade, ele terá dito que o Estado tem um peso exagerado na economia do país, sustentando toda a gente, incluindo aqueles que trabalhavam pouco. Determinados órgãos, como a revista «Visão», por exemplo, colocaram títulos dos quais se poderá dizer no mínimo "pior emenda que o soneto". A «Visão» intitulou:« Fidel ainda crê na revolução?». A pergunta é disparatada, ou melhor: tendenciosa, porque jamais Fidel poderia ter insinuado tal pensamento para um público global, mas sobretudo norte-americano. Para quem não é tendencioso, nem fala com uma cassétte na cabeça, as dúvidas que ele teve a coragem de emitir fazem todo o sentido: a economia cubana vive uma grave crise há muito tempo, particularmente desde o colapso da URSS e do mercado comum socialista, que compensava de algum modo o bloqueio económico exercido pelo mundo capitalista, nomeadamente os E.U. Além disso a função paternalista do Estado está também na origem das dificuldades, como esteve na origem da estagnação das economias do leste europeu. Se classificarmos tal organização económica -estatal e colectivista- como «modelo», então o modelo exige reformas profundas para não colapsar. Quais sejam, de modo a que o socialismo se conserve e até se revitalize, é outra questão. É, de resto, a verdadeira questão.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

A soberania

Emprestam-nos dinheiro com juros elevadíssimos e exigem avaliar o Orçamento. Pergunta: qual a diferença entre o presente e os tempos da ditadura monárquica antes de 1910 e dos primeiros tempos da 1ª República? Sob o cutelo dos empréstimos e das ameças de bancarrota sempre nos espezinharam a soberania. Os de fora e os de dentro. À primeira vista Portugal é o mesmo.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Viagem a Cuba

Praça da Revolução. Imensa, com três ícones gigantes: o que aqui se vê é o retrato de Camilo Cienfuegos, um dos três comandantes da guerrilha, morto num desastre de avião pouco depois da entrada vitoriosa em Habana. Os outros dois são, evidentemente, de Fidel e do Che. Desde garoto que admiro profunda e convictamente aqueles povo, aqueles comandantes, aquele orgulho nacional e independentista, resistindo a invasões, cercos, calúnias, bloqueios económicos. Sem Cuba o MPLA não teria derrotado a invasão dos sul-africanos do apartheid (coligados com os EU e a famigerada Unita). Sem Cuba a democracia não se teria instaurado em vários países da América central e do sul. Viajei por Cuba e a hospitalidade e a segurança são completas. Pobreza sim, mas não envergonhada; e muito esforço de produção nos campos trabalhados. Aos que a visitam com preconceitos de cassette, a esses para quem tudo que não seja o capitalismo é ditadura, para esses eu não farei o que fez o «libertado» da caverna de Platão, que regressou aos agrilhoados e em vez de lhes poder abrir os olhos para a luz (a saída) levou uma sova. Não, não farei. Quero que vivam e morram como cegos, e que sejam mui felizes (mas que permitam que os outros também o tentem).

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Ainda o Ensino

Estudantes protestaram durante a cerimónia de abertura do ano lectivo no Instituto Superior de Engenharia do Porto, na presença do primeiro ministro e do ministro do ensino superior. A este entregaram-lhe uma medalha «por fazer com que Portugal seja o país da Europa onde as famílias mais gastam com a educação» e ostentaram faixas e cartazes, uma das quais perguntava:« Gago, quanto pagaste de propinas?». «Nos últimos quinze anos as propinas aumentaram 400% em Portugal», esta e outras frases foram lidas por um estudante em plena cerimónia «Acção Social não existe em Portugal», foi dos slogans mais gritados na referida cerimónia.
Consta que Mariano Gago se engasgou e que o primeiro ministro empalideceu ligeiramente sentado na primeira fila, lembrando-se que o seu ministro da justiça fizera o mesmo, fora mesmo o primeiro a fazê-lo, durante uma cerimónia idêntica na universidade de Coimbra nos tempos duros da ditadura fascista.
Esta é evidentemente uma pura analogia da minha lavra, porque em nada se compara o presente com o passado. No presente existe uma Constituição democrática que já foi revista várias vezes e que o PSD quer novamente desfigurar, um governo que liberaliza e privatiza conforme o modelo dominante do neo-liberalismo, um ensino público no qual todas as contradições são possíveis menos as soluções e uma crise de todo o tamanho que os monopólios provocaram e que dela se aproveitam tranquilamente. Mais de 40% do sector da Saúde já pertence ao privado e a maioria dos empresários não paga o IRC. Há filósofos radicais que chamariam a esta democracia um totalitarismo consentido.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Os Chumbos

«Chumbar» sempre evocou a pouco meritória actividade da caça. Sintoma mal disfarçado de «eliminar» a presa, pobre vítima desarmada. Indício de autoridade e poder quase absoluto. No professor deixava constrangimentos, mas é de admitir que em alguns se manifestassem personalidades perversas. No aluno desenvolvia-se o temor e o tremor, o ressentimento ou a tentação de comportamentos desviantes como saída para o sentimento de exclusão.
A actual ministra da educação lançou o repto de acabar de vez com os «chumbos». É possível que tal desafio seja mais que um desabafo, que se insira numa teoria completamente «desviante» relativamente à ideologia que tem imperado desde há décadas e que corporizou a contra revolução no ensino, um dos objectivos da contra-revolução em todas as esferas da vida nacional. A contra-revolução provocou a crise em quase todas as áreas, desde a destruição da produção de bens materiais até à concomitante destruição dos bens imateriais. Assistiu-se ao esvaziamento da avaliação contínua substituída pelos exames. Chegou-se ao cúmulo de se avaliar os professores pelos resultados dos seus alunos nos exames. O insucesso escolar é desastroso. A destruição do ensino das humanidades revelou-se um drama, o domínio dos conhecimentos e metotodologias científicas, uma tragédia.
A questão de se continuar ou não com o processo das repetências destapa problemas de fundo que envolvem filosofias da educação e filosofias políticas. Todo o sistema de ensino está contaminado pela ideologia dos «méritos», da «distinção» ou dos «dons», isto é, por uma ideologia de classe. Ainda que as repetências terminassem, não era por isso que se encerraria o ciclo vicioso das exclusões sociais. Desde há muito tempo que se realizam (sobretudo nas décadas de sessenta e setenta) estudos no estrangeiro (muitos poucos em Portugal) que vêm demonstrando o papel da Escola como reprodutora das desigualdades sociais. O insucesso escolar é apenas um sintoma (ou resultado) da crise social que corrompe a sociedade. Discutir se sim ou não aos «chumbos» de pouco vale se não se proceder a avaliações da natureza de classe da Escola Pública (a privada já se sabe que sim), seu conteúdo, curricula, competências dos professores (obcecados e amestrados para os exames), sua autonomia para aplicarem metodologias diversas, programas flexíveis, administração democrática das escolas, horários dos docentes, etc, etc. Mas, sobretudo, se não se desviar a economia do rumo liberal que tem conduzido ao desastre: dois milhões de pobres e outros tantos que gastam mais do que recebem. A «massificação» do ensino não corresponde de modo nenhum à democratização do ensino.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Quem mais controla?

Há nas estéticas e filosofias pós-modernistas uma pulsão anti-controlo. Disciplina? É controlo (disciplina só para os recrutas, professores e juízes). Responsabilidade política e pública? É controlo (os ex-ministros só escrevem auto-biografias laudatórias e vendem-nas como pãezinhos quentes). Contribuições e impostos?É controlo (excepto se forem aplicados aos trabalhadores). Serviço Nacional de Saúde tendencialmente gratuito? É controlo (nem sequer tendencial). Escola pública obrigatória? Nem pensar, é controlo totalitário (melhor seria que a privada fosse obrigatória). Estado intervencionista? querem um Estado autoritário, é? TV pública? Igual a controlo das mentes porque mente a favor do governo. Nunca. É com as privadas que se oferece o pluralismo e a informação verdadeira (insuspeitas só as grandes estações privadas norte-americanas). Controlar os mercados? Alto lá! Os mercados é que devem controlar.
O neo-liberalismo inflitrou-se no pós-modernismo, driblou Faucault, engoliu Deleuze e a seguir vomitou-o.
A deixar-se comer assim o pós-modernismo acabará como ideologia filosófica do neo-liberalismo.

Lev TOLSTÓI

A 20 de novembro passarão 100 anos sobre o falecimento de Leão Tolstói. Quatro mil pessoas assistiram ao seu funeral na aldeia onde vivera, e mais seriam não fosse a proibição das autoridades. Escritor de uma fecundidade extraordinária, de uma simplicidade singular, criador portentoso de personagens únicas e inesquecíveis (Natacha Rostovo e Andrei Bolkonsk da «Guerra e Paz», Ana Karénina, Ivan Ilitch), narrador minucioso de batalhas como nenhum outro o fez («Guerra e Paz»), arguto observador das tortuosidades da alma humana e, ao mesmo tempo, das energias inesperadas de que ela é capaz, das esperanças e da força das crenças que movem montanhas, que suportam os mais duros sacrifícios. Com quase quarenta anos de idade casou-se com Sofia Behrs, de 17 anos, com quem teve mais de uma dúzia de filhos e uma atribulada relação de muitos anos até aos fim dos seus dias.
Apaixonei-me pela «Guerra e Paz» na juventude e permanece como o romance mais poderoso que jamais li.

Moçambique

Acabo de ler uma crónica do escritor moçambicano Mia Couto sobre os recentes tumultos populares no Maputo. Compreende-os e eu também os compreendo porque vivi toda a minha adolescência em Lourenço Marques. È verdade que saí de lá muito antes da independência e, portanto, muito mais ainda antes da chamada «guerra civil», esse terrorismo sem capote que a África do Sul do apartheid apoiou, armou e financiou, esse horror que, durante dezasseis anos (dezasseis anos!) devastou a pouca economia que haviam erguido, chacinou (decapitou!) milhares de homens, mulheres e crianças, horror. Deixei lá muitos amigos, que aida hoje o são, muitos condiscípulos dos antigos Liceus de António Enes e Salazar, alguns dos quais, negros, se tornaram figuras destacadas da Frelimo e dos sucessivos governos, não os nomeio, tão responsáveis dirigentes políticos eles são. Convivi com eles, discutimos política, reconheci em alguns uma certa arrogância (que bem caro custou a todos nos primeiros anos da independência), mas também uma rígida honestidade de princípios e de valores, aquela crença e militância política que os mais integros anti-fascistas e anti-colonialistas professavam com rigor e disciplina e sacrifício.
Há poucos dias as massas populares (de que eles tanto falavam noutros tempos) ocuparam as ruas, que são suas, e protestaram contra o custo de vida, os preços, os salários, provavelmente a escassez dos bens para uns e a abundância para outros.
Meus caros ex-condiscípulos, camaradas ou ex-camaradas das mesmas causas: onde guardais os ideais da nossa juventude?

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Pablo NERUDA

POEMA XX

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.

Escrever, por exemplo:«A noite tem estrelas,
e,azuis, os astros tiritam na distância.»

O vento nocturno gira no céu e canta.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu amei-a e, por vezes, ela também me quis.

Em noites como esta tive-a nos meus braços.
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.

Ela quis-me e por vezes eu também lhe queria.
Como não ter amado seus grandes olhos firmes?

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. E sentir que a perdi.

Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E o verso cai na alma qual no prado o rocio.

Que importa que o meu amor não pudesse guardá-la!
A noite tem estrelas e ela não está comigo.

Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe.
Minha alma não se conforma com havê-la perdido.

Como para aproximá-la, o meu olhar procura-a.
Meu coração procura-a, ela não está comigo.

A mesma noite que faz branquear as mesmas árvores.
Porém, nós já não somos os mesmos desses dias.

Já não lhe quero, é certo, mas quanto amor lhe tive!
Minha voz buscava o vento para tocar seus ouvidos.

De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.
Sua voz, seu corpo claro. Seus olhos infinitos.

Já não lhe quero, é certo, mas talvez ainda lhe queira.
É tão breve o amor, é tão longo o olvido.

Porque em noites como esta tive-a nos meus braços,
minha alma não se conforma com havê-la perdido.

Embora esta seja a última dor que ela me causa,
e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.

(Vinte poemas de amor e uma canção desesperada (1923-1924)

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

UTOPIA?

Sonhei que
o país consumia o que produzia e produzia o que consumia;
que, no vasto oceano, navegava uma frota pesqueira e o peixe chegava fresco e barato às lotas;
que os operários acorriam às novas fábricas com justos salários e direitos garantidos;
que os centros de emprego estavam às moscas;
que os campos, cultivados, resplandeciam de frutos maduros, sem incêndios, sem latifúndios, sem fome;
que, nas escolas públicas, os estudantes aprendiam e os professores ensinavam com um sorriso.
que, nos centros de saúde, os idosos não morriam da espera.

Acordei com um silêncio inquietante nas ruas. As pessoas haviam acorrido às praias e aos centros comerciais. Na tv uns senhores de gravatas de seda prometiam para amanhã o que em trinta anos não haviam feito.

domingo, 5 de setembro de 2010

Farsas

A proposta do PSD para a revisão da Constituição da República não suscitou na altura interesse manifesto ao 1º ministro J. Sócrates. Porém, quando essa proposta anunciando ataques à Escola Pública e ao Serviço Nacional de Saúde provocou protestos na opinião pública, então o 1º ministro aproveitou o descrédito relativo do PSD e atirou-se ao tema como o gato à sardinha. Hoje não se cala e anda pelo país fora em romaria, inaugurando, por exemplo, uma creche em Torres Vedras, arvorando-se em campeão do Estado Providência; a ministra da Educação engasga-se com a pressa e lá desata a murmurar sobre novas escolas tipo hiper-mercados e a ministra da Saúde esfalfa-se a convencer-nos que tudo tem feito em defesa da Saúde (fazendo-nos esquecer, entre outras coisas, a lucrativa e alarmista campanha contra a gripe suína). O neo-liberalismo do Governo transformou-se, assim, subitamente, na mais pura e genuína social-democracia. Nos próximos dias veremos o 1º ministro a beijocar velhinhas nos lares, a distribuir sorrisos aos velhinhos acamados nos corredores dos hospitais e a assistir jovialmente a aulas das «Novas Oportunidades» nos mega-agrupamentos. O actor quando chora no palco, disfarça bem; o político quando diz uma coisa e faz outra, diz-se que é hábil e astuto. Eu diria que é outra coisa.

Os meus livros

sábado, 4 de setembro de 2010

RIQUEZAS

"Se você souber exactamente qual é o montante da sua riqueza é porque não é realmene rico», afirmava J.-P. Getty, no tempo em que era considerado o homem mais rico do mundo; e, para um dos Rothschild, «a riqueza começa quando não se consegue gastar os rendimentos dos rendimentos do nosso capital», Quantas pessoas há no mundo que correspondem a estes critérios? Talvez alguns milhares.
Cada uma delas possui várias residências luxuosas em diferentes países; palácios e castelos na Europa e no Oriente, propriedades sumptuosas em Bel-Air ou Palm-Spring nos Estados Unidos, em Marbella na Espanha, apartamentos imensos ou edifícios particulares em Nova Yorque, Paris, Londres, iates do tamanho de paquetes. Em cada posio que têm arrecadam obras de arte, móveis preciosos, jóias; mas também vestidos, fatos, peles às dezenas; fazem encomendas de charutos e vinhos finos, reservam Rolls, Lincolns, Mercedes e Ferraris. Dezenas de criados, cozinheiros, motoristas, guardas, asseguram a manutenção e a vigilância enquanto esperam a passagem do senhor. Têm à disposição esquadrilhas de helicópteros e aviões privados, indo do Falcon ao Boeing 727, Os mais extravagantes são capazes de atravessar o Atlântico só para um jantar no Tour d'Argent, alugam ao ano nos mais sofisticados hoteis-palaces suites, onde eles passam quando muito as quarentas e oito horas necessárias para fazerem umas comprazitas, vestem cães e gatos de pels e jóias que dêem com os deles; forram de vison os assentos dos Rolls e chapeiam de ouro as sanitas das suas casas de banho...»
Este texto (apenas fragmentos) foi publicado talvez em 1989. Desde então multiplicaram-se os ricos e substituiram-se no topo. Multiplicaram-se também os pobres numa desproporção absoluta com o número dos muito ricos. Temos ambos os casos em Portugal e no Brasil. Entretanto, rebentou a «bolha», mas o resultado, por ora, não fez diminuir o número dos multimilionários, fez aumentar exponencialmente o número dos pobres e muito pobres. É o «Triunfo das Desigualdades». Quem protesta é desclassificado como «arruaceiro», «ressentido». O abismo ainda está longe ou já estivemos mais longe do que agora?

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Fotógrafos cubanos-Alberto Korda: menina com boneca de madeira

Poetas Cubanos - Manuel Diaz Martinez (1936)

El Hombre Normal


Yo, como todo hombre normal, estoy enamorado de una mujer;


una gran mujer nerviosa, bellísima, al borde de la histeria,

de una espléndida mujer que le gusta vivir,

que hace el amor como una niña de convento

a pesar de sus grandes ojos dibujados, de sus

largas piernas duras y del temblor de primavera,


del frenético temblor obsceno que desgarra la

blancura de su vientre.

Y estoy enamorado de mi tiempo.

que es brutal y también está al borde de la histeria.

Estoy enamorado de mi tiempo con los nervios en punta,

con la cabeza rebotando entre el estruendo y la esperanza,

entre la usura y el peligro,

entre la muerte y el amor:

Y sueño y vocifero

frente a una sorda, ululante multitud

de turbinas, pozos de petróleo, gigantescos combinados siderome­talúrgicos donde el hombre crece en la presteza de sus dedos sobre tos controles y las herramientas, fundido al cuerpo caliente y brillante de las máquinas, que se desgastan incesanternente fabri­cando un mundo radiante y futuro, jamás visto, jamás oído, jamás tocado, habitado por fantasmas que apenas tenemos tiempo de engendrar.

Estoy enamorado de una mujer bellísima y neurótica como la Historia,


y me hundo en sus carnes espaciosas para que la aurora que estamos construyendo


no ilumine un planeta solitario

y melancólico.

quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Samir Amin - O Vírus Liberal

«As "ideias gerais" que comandam a visão liberal que domina o mundo são simples e resumem-se nas poucas proposições que se seguem:
A eficácia social é confundida com a eficiência económica e esta com a rentabilidade financeira do capital. Estas reduções em cadeia traduzem o domínio do económico, característico do capitalismo. O pensamento social atrofiado que daqui resulta é extremamente "economicista". Curiosamente, esta crítica - erradamenre dirigida ao marxismo - caracteriza de facto o pensamento liberal, que é por excelência o pensamento do capitalismo.
A expansão do mercado generalizado (o menos regulado possível) e a da democracia são decretadas complementares uma da outra. A questão do conflito entre os interesses sociais que se exprimem pelas suas intervenções no mercado e aqueles que conferem o sentido e o alcance à democracia política nem sequer é levantada. Economia e política não constituem duas dimensões da realidade social cada qual com a sua autonomia e operando em relações dialécticas; a economia capitalista efectivamente comanda a política, aniquilando o seu potencial criativo próprio.
O país aparentemente mais "desenvolvido", aquele onde a política é efectivamente concebida e praticada inteiramente ao serviço da economia (na realidade, do capital) - os Estados Unidos, claro - é o melhor modelo para "todos". As suas instituições e as suas práticas devem ser imitadas por todos quantos desejam estar presentes na cena mundial.
Não haverá alternativa ao modelo proposto, fundado nos postulados economicistas que identificam o mercado com a democracia e reduzem o político ao serviço do económico, já que a opção socialista, tentada na União Soviética e na China, demonstrou ser ao mesmo tempo ineficaz em termos económicos e antidemocrática no plano político.
Por outras palavras, as proposições acima formuladas terão as virtudes de "verdades eternas" (a "Razão") reveladas pelo desenrolar da história contemporânea. O seu triunfo está assegurado, particularmente desde o desaparecimento das experiências alternativas "socialistas". Teremos assim chegado, como se disse, ao fim da história. A Razão histórica triunfou. Este triunfo significa, portanto, que vivemos no melhor dos mundos, pelo menos potencialmente, no sentido em que o será efectivamente quando as ideias em que assenta forem aceites por todos e aplicadas em toda a parte. Todos os defeitos da realidade dos nossos dias se devem unicamente ao facto de estes princípios eternos da Razão não terem ainda sido aplicadas nas sociedades que sofrem tais deficiências - particularmente as do Sul.
A hegemonia dos estados Unidos, expressão normal da sua posição vanguardista na aplicação da Razão (liberal, forçosamente) é, por conseguinte, simultaneamente incontornável e, ainda por cima, favorável ao progresso da humanidade inteira. Não existe qualquer "imperialismo americano", tão-somente uma liderança simpática (benign" - indolor -, como é qualificada pelos intelectuais liberais americanos).
De facto, como veremos pelo que se segue, estas "ideias" não passam de palavras ocas, fundadas numa paraciência - a economia dita "pura" - e numa ideologia de acompanhamento - o "pós-modernismo".
(...) A reconstrução de uma política de cidadania exige que os movimentos de resistência, de protesto e de luta contra os efeitos reais da aplicação deste sistema se libertem do vírus liberal.»

Viagem à Polónia

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Auschwitz: nele pereceram 4 milhôes de judeus. Depois dos nazis os genocídios continuaram por outras formas.

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Auschwitz, Campo de extermínio. Memória do Mal Absoluto.