«As "ideias gerais" que comandam a visão liberal que domina o mundo são simples e resumem-se nas poucas proposições que se seguem:
A eficácia social é confundida com a eficiência económica e esta com a rentabilidade financeira do capital. Estas reduções em cadeia traduzem o domínio do económico, característico do capitalismo. O pensamento social atrofiado que daqui resulta é extremamente "economicista". Curiosamente, esta crítica - erradamenre dirigida ao marxismo - caracteriza de facto o pensamento liberal, que é por excelência o pensamento do capitalismo.
A expansão do mercado generalizado (o menos regulado possível) e a da democracia são decretadas complementares uma da outra. A questão do conflito entre os interesses sociais que se exprimem pelas suas intervenções no mercado e aqueles que conferem o sentido e o alcance à democracia política nem sequer é levantada. Economia e política não constituem duas dimensões da realidade social cada qual com a sua autonomia e operando em relações dialécticas; a economia capitalista efectivamente comanda a política, aniquilando o seu potencial criativo próprio.
O país aparentemente mais "desenvolvido", aquele onde a política é efectivamente concebida e praticada inteiramente ao serviço da economia (na realidade, do capital) - os Estados Unidos, claro - é o melhor modelo para "todos". As suas instituições e as suas práticas devem ser imitadas por todos quantos desejam estar presentes na cena mundial.
Não haverá alternativa ao modelo proposto, fundado nos postulados economicistas que identificam o mercado com a democracia e reduzem o político ao serviço do económico, já que a opção socialista, tentada na União Soviética e na China, demonstrou ser ao mesmo tempo ineficaz em termos económicos e antidemocrática no plano político.
Por outras palavras, as proposições acima formuladas terão as virtudes de "verdades eternas" (a "Razão") reveladas pelo desenrolar da história contemporânea. O seu triunfo está assegurado, particularmente desde o desaparecimento das experiências alternativas "socialistas". Teremos assim chegado, como se disse, ao fim da história. A Razão histórica triunfou. Este triunfo significa, portanto, que vivemos no melhor dos mundos, pelo menos potencialmente, no sentido em que o será efectivamente quando as ideias em que assenta forem aceites por todos e aplicadas em toda a parte. Todos os defeitos da realidade dos nossos dias se devem unicamente ao facto de estes princípios eternos da Razão não terem ainda sido aplicadas nas sociedades que sofrem tais deficiências - particularmente as do Sul.
A hegemonia dos estados Unidos, expressão normal da sua posição vanguardista na aplicação da Razão (liberal, forçosamente) é, por conseguinte, simultaneamente incontornável e, ainda por cima, favorável ao progresso da humanidade inteira. Não existe qualquer "imperialismo americano", tão-somente uma liderança simpática (benign" - indolor -, como é qualificada pelos intelectuais liberais americanos).
De facto, como veremos pelo que se segue, estas "ideias" não passam de palavras ocas, fundadas numa paraciência - a economia dita "pura" - e numa ideologia de acompanhamento - o "pós-modernismo".
(...) A reconstrução de uma política de cidadania exige que os movimentos de resistência, de protesto e de luta contra os efeitos reais da aplicação deste sistema se libertem do vírus liberal.»
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