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Internacional|extrema-direita
Pavlo Sadokha: O que se esconde por trás do cargo de dirigente associativo?
Foi assessor de um deputado do Svoboda, partido de extrema-direita inspirado na figura de Stepan Bandera (cuja colaboração com os nazis Sadokha nega) e tem ligações a movimentos como o Azov e o Sector Direito.
Já praticamente ninguém fica indiferente ao rosto deste ucraniano, a viver em Portugal há 21 anos. Em 2010, Pavlo Sadokha passou a presidir à Associação dos Ucranianos em Portugal e, desde Fevereiro, último passo do conflito que vigora na Ucrânia desde 2014, tem assumido a tarefa de alimentar a xenofobia, violando princípios do nosso regime democrático.
Qualquer relação com a actuação do regime de Kiev desde o golpe de Estado apoiado pelos EUA, UE e NATO, e no qual os militantes do Svoboda desempenharam um papel decisivo, não é mera coincidência, mas já lá vamos.
Esta quinta-feira, o Setenta e Quatro traçou o percurso de Pavlo Sadokha e a relação deste com a extrema-direita. O online recorda que, entre 2012 e 2014, Sadokha foi assessor do deputado do Svoboda, Yuriy Syrotiuk, eleito nas legislativas de 2012 e ex-chefe de imprensa do partido de extrema-direita.
Syrotiuk «tornou-se ainda mais conhecido ao ser detido por causa dos confrontos entre militantes de extrema-direita (Svoboda e Sector Direito) e a polícia, em frente ao parlamento ucraniano, a 31 de Agosto de 2015», onde mais de 90 polícias ficaram feridos, regista o Setenta e Quatro. Os deputados preparavam-se para aprovar uma emenda constitucional para dar mais autonomia a Donetsk e Lugansk, por causa dos Acordos de Minsk de 2015, a que a extrema-direita ucraniana sempre deu combate no sentido de não serem cumpridos.
A investigação lembra que a ideologia de Yuriy Syrotiuk já era bem conhecida antes de Pavlo Sadokha ser seu assessor, tendo sido alvo de uma «polémica nacional por comentários xenófobos e de pureza da identidade ucraniana contra a cantora Gaitana, filha de mãe ucraniana e pai congolês, por ir representar o país no Festival Eurovisão da Canção de 2012».
«A Ucrânia não será representada por uma pessoa que não é da nossa raça. Ela não é uma representante orgânica da nossa cultura. O telespectador vai acabar por acreditar que o nosso país está noutro continente, em algum lugar de África», disse Syrotiuk, citado pelo Kyiv Post a 21 de Fevereiro de 2012.
Dando corda à campanha persecutória e xenófoba, Sadokha, que mais tarde acabaria por se afastar do Svoboda, alega que, quando entrou na associação, «a comunidade em Portugal tinha uma clara posição contra Yanukovitch, desde o início que sabíamos que era pró-russo». O dirigente assume ao Setenta e Quatro que a ida para assessor de Syrotiuk tinha como objectivo «ter mais poderes cá em Portugal». Ter, sobretudo, «mais autoridade» junto do então embaixador ucraniano, Oleksandr Nykonenko, nomeado por Yanukovitch, e, por inerência, influência junto da diáspora ucraniana.
A função permitiu-lhe ter «mais possibilidade de oficialmente escrever cartas, pedidos, exigências», de que é exemplo a carta onde defendia o Svoboda (ver caixa), depois de, em 2012, o Conselho da Europa ter alertado para a falta de medidas de combate ao racismo por parte do Estado ucraniano. Nas legislativas de 2012, o Svoboda conseguiu eleger 37 deputados em 450, passou a receber financiamento estatal e as campainhas soaram.
Numa resolução de Dezembro de 2013, o Parlamento Europeu manifestou «preocupação com o crescente sentimento nacionalista na Ucrânia, expresso no apoio ao partido Svoboda», tendo em conta os seus «pontos de vista racistas, antissemitas e xenófobos», mas Sadokha voltou a discordar e subscreveu uma carta aberta ressalvando que a Ucrânia não precisa de condenações por causa de «equívocos falsos e difamatórios», pedindo para se retirar a resolução.
Bandera, o herói da extrema-direita
Em Janeiro de 2010, o então presidente ucraniano, Viktor Yushchenko, resolveu atribuir ao colaboracionista da Alemanha nazi Stepan Bandera, considerado o fundador do «nacionalismo» ucraniano, o título póstumo de Herói da Ucrânia. A decisão havia de ser revogada pelo sucessor de Yushchenko, Viktor Yanukovych, que declarou o título póstumo ilegal, e que um tribunal ratificou, tendo o título sido anulado em 2011.
Pavlo Sadokha esteve entre os que se manifestaram contra, tendo sido um dos subscritores de uma carta assinada por líderes de associações ucranianas em Portugal, Alemanha, Itália, Espanha e Grécia, e onde se lia que, «como um dos mais brilhantes combatentes do Estado Independente e Conciliar da Ucrânia, [Stepan Bandera] é um símbolo da Ucrânia Independente».
«É um herói não para uma parte da Ucrânia, mas para cada ucraniano consciente, independentemente do local de residência: no oeste ou no leste da Ucrânia, ou no exterior. Stepan Bandera e a Organização dos Nacionalistas Ucranianos, chefiada por ele, tornaram o nascimento do Estado ucraniano mais perto [de acontecer] do que qualquer outra pessoa, dando a coisa mais preciosa para este objectivo sagrado: as suas próprias vidas», referia a missiva citada pelo Setenta e Quatro.
Mas Sadokha não se ficou pelas palavras de elogio a Bandera, cujo lema era «limpar» a Ucrânia de indivíduos de outras nacionalidades, em especial de russos e polacos, alargando o objectivo de «purificação» étnica a ciganos, húngaros, checos e judeus, tendo colaborado activamente com o exército alemão. O presidente da Associação de Ucranianos em Portugal integrou a visita de um grupo de ucranianos, em Outubro de 2019, à campa do líder de extrema-direita ucraniano em Munique, na Alemanha, rendendo-lhe homenagem.
Além de Sadokha, refere o online, «vários membros da Associação de Ucranianos em Portugal têm fotos nas suas redes sociais em apoio a Stepan Bandera, imagens com a bandeira ultranacionalista vermelha e preta e a empunhar uma faixa do Sector Direito».
Sadokha também recusa o que os livros de História ensinam sobre Bandera. «Todas estas histórias de que foi colaborador da Alemanha nazi, que trabalhava com a Gestapo, não passam de propaganda russa. É igualmente como falam agora do [neonazi Movimento] Azov», disse ao Setenta e Quatro.
Russo foi banido e o PC da Ucrânia ilegalizado
Com o golpe de Estado de 2014 e a deposição do presidente Yanukovich, o Svoboda integrou por alguns meses a coligação governamental, até à realização de novas eleições. Desde então, o russo, de acordo com o programa do Svoboda, foi banido como segunda língua oficial e o Partido Comunista da Ucrânia foi proibido, com o processo de ilegalização a ficar concluído em 2015.
Por cá, e a propósito das similitudes que apontámos no início deste artigo, a sugestão foi deixada recentemente pelo presidente da Refugiados Ucrânianos (Maksym Tarkivskyy), quando disse não perceber como é que Portugal «continua a ter um partido como o PCP» e, prosseguindo na ingerência, nem por que as organizações não filtram as pessoas que lá trabalham. Mas já em Fevereiro de 2017, Pavlo Sadokha se tinha insurgido contra a Assembleia da República pela decisão de condenar a Ucrânia perante a ilegalização do Partido Comunista ucraniano.
Sadokha foi alimentando a extrema-direita
Desde 2014, a extrema-direita organizou-se e criou vários batalhões. Do Svoboda nasceu o Batalhão Sich, que acabou integrado nas forças de segurança de voluntários de Kiev, passando a denominar-se 4.ª Companhia Sich do Regimento de Kiev, uma unidade especial de polícia, continuando a receber financiamento do Svoboda. O logótipo é um cossaco (em homenagem ao povo cossaco de Zaporíjia) e as letras C14 – referência à expressão neonazi «We must secure the existence of our people and a future for white children» (Temos de garantir a existência do nosso povo e um futuro para as crianças brancas) do supremacista branco norte-americano David Lane.
De acordo com o relatado pelo Svoboda no seu site, Pavlo Sadokha foi uma das pessoas que se deslocou, em Outubro de 2014, a Kiev para dar munições, medicamentos e alimentos ao Batalhão Sich. «Trouxemos 180 conjuntos de uniformes impermeáveis, 80 pares de boinas, muitos cobertores, uma estação de rádio e 28 caixas de agasalhos [doados] por ucranianos na Europa», disse então Sadokha, citado pelo Svoboda. «Como estava ligado a Yuriy Siriutuk, eram eles quem eu conhecia das organizações nacionalistas», afirmou ao Setenta e Quatro.
Meses depois, e de acordo com a investigação, Pavlo Sadokha desenvolveu contactos com o Sector Direito, tendo estabelecido igualmente ligações com a extrema-direita no nosso país, como a célula portuguesa da rede neonazi Divisão Misantrópica (Misanthropic Division).
«Nos dois anos que se seguiram ao início da guerra, Sadokha enviou mantimentos ao batalhão ultranacionalista, cujo símbolo é o tridente ucraniano numa bandeira vermelha e preta – a tal referência à palavra de ordem nazi. Fê-lo pelo menos duas vezes, em Julho de 2015 e Julho de 2016. E dois militantes do grupo de extrema-direita agradeceram num vídeo, divulgado no site da Associação de Ucranianos em Portugal», refere o Setenta e Quatro.
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