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quinta-feira, 3 de junho de 2010

A memória de Álvaro Cunhal

Foi há cinco anos que faleceu Álvaro Cunhal. A revista «Sábado», última, traz uma entrevista com a filha de Cunhal (e é capa da Revista). O jornalista que conduziu a entrevista, a entrevista e o destaque dignificam o pluralismo e o bom nível que frequentemente esta revista alcança e merece. O jornalista usa de uma contenção e de um civismo que demonstra como se é sempre injusto quando se ataca uma classe profissional no seu todo. A entrevista é comovedora, independentemente das posições políticas de cada um. Basta ser-se sério e honesto para nos comovermos com os elogios que uma filha faz ao seu pai, ao amor filial e à saudade que se devota ao progenitor. Qualquer que seja este. Neste caso, ao mais importante político português, ao qual nenhum vivo se lhe compara.
É verdade que este trabalho da revista coincide (propositadamente ou não) com a publicação do livro de Carlos brito, «Álvaro Cunhal, sete fôlegos do combatente» (edições Nelson de Matos); de resto, inclui trechos do livro. O livro, que li depressa, é um rico repositório de experiências políticas que transcendem a vida comum de cidadãos e leitores comuns. A grande maioria provavelmente ainda ignora o que realmente sucedeu sob e contra a ditadura fascista e, suponho, o que veio a suceder após a insurreição armada e popular do 25 de Abril. Mas essa maioria torna-se imensa no que respeita aos acontecimentos que abalaram o PCP de quando em vez, por dentro, e, sobretudo, há uma década atrás. A muitíssimos talvez não importe absolutamente nada, a outros importa para tomarem partido por uns ou por outros e para fortalecerem os seus preconceitos. Pelo que a mim diz respeito não tomei partido por uma «linha» nem pela outra quando ambas se radicalizaram. O que faz de mim um leitor comprometido, certamente, mas não envolvido, completamente à vontade para ler com gosto e espírito crítico este livro de memórias de Carlos Brito, ex-dirigente destacado do PCP, de um homem honrado, que nos fornece a sua versão sobre a personalidade de Àlvaro Cunhal, sobre o percurso acidentado do PCP, sobre, enfim, as causas do seu definitivo afastamento do Partido em que militou generosamente. Um livro oportuno para quem não é (e desejamos que nunca tenha sido) dogmático, sectário ou revisionista. Era urgente agora um livro com a versão opositora. Somente há História quando há o contraditório.

2 comentários:

Joaquim Moedas Duarte disse...

Exactamente! Mais uma te digo que aprecio a tua forma de ver.

Infelizmente há por aí muito sectarismos à solta, de que um exemplo triste é o blogo do cantigueiro Samuel, onde desaguam os comentários patetas dos que só têm um olho para ver o mundo...

Nozes Pires disse...

Fui ingénuo e leal, mas nunca gostei dos sectários, autoritários e dogmáticos. Nunca gostaram de mim e prejudicaram-me sempre que puderam. Alguns desses vieram a ser dos chamados «renovadores», outros da linha que venceu e outros são hoje abastados burgueses. Vicissitudes pessoais (algumas comuns aos professores)afastaram-me dos centros de decisão e eu próprio deixei-me isolar aqui, na província, sem ambições num horizonte estreito. Envelheço e não sou feliz. Mas não vergo, não me submeto. E é pela insubmissão que me sinto um homem livre.Ao cumprir os deveres de militância é por um acto de liberdade. Não culpo ninguém nem me arrependo. O que fiz, bem e mal, está feito. «Tudo isso é muito bonito - respondia Cândido -, mas o que é preciso é cultivar o nosso jardim.» Voltaire, Cândido ou o Optimista. Fui cândido e não possuo um jardim.

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