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segunda-feira, 18 de abril de 2022

 

Carlos Matos Gomes

Apr 11

3 min read

Os moralistas e a guerra

”… aquilo que foi escrito, até hoje, pelos filósofos morais em nada avançou no conhecimento da verdade.” Thomas Hobbes — Leviatã

A guerra, como fenómeno social total, motiva sempre mais emoções que reflexões. Os intelectuais têm por função refletir e interpretar os fenómenos à luz da ciência.

O que tenho visto é a abdicação dos instrumentos de análise racional por boa parte dos intelectuais portugueses, incluindo os designados cientistas políticos, voluntariamente emparelhados com demagogos e vendedores de banha de cobra que passaram sem uma pinga de vergonha da análise da pandemia e dos vírus para a análise política e a estratégia, da disputa paroquial para a alta estratégia e desta para os armamentos mais sofisticados. Esta gente que aparece nos ecrãs de televisão vem de donde? Leu o quê? Refletiu? Estudou?

Em Leviatã, uma obra clássica da ciência política do século XVII, que deveria ser de conhecimento básico de cientistas políticos, equiparados por vontade própria a comentadores de ecrã, Thomas Hobbes (o seu autor)escreveu que o estatuto científico da política pressupõe dois alicerces, em primeiro lugar o facto de o seu conhecimento estar baseado num método, e, em segundo, o facto de as suas premissas deverem ter a clareza, a precisão e a pretensão de universalidade da matemática e da geometria: “Considerando que a busca da paz é o fim último do Estado Político e, considerando ainda que, grande parte das controvérsias entre os indivíduos, tanto no estado de natureza, quanto no estado civil, provém de diferentes opiniões sobre a terminologia da moral, seria necessário, para alcançar a paz, que a definição dos conceitos morais fosse (seja) feita de forma tão precisa quanto um geómetra define uma figura geométrica, seja, um triângulo, um círculo, um quadrado ou um retângulo.”

Era este rigor que se desejaria dos cientistas políticos e dos intelectuais que “falam” da guerra com o desembaraço de contorcionistas de feira. Mas Hobbes, cético e utilitarista, parecia adivinhar o grasnar que substitui o bom uso da linguagem, nas suas palavras: “Desfazer os equívocos”, ou seja, “dissipar as nuvens deixadas pelos filósofos morais e mostrar o melhor caminho para a paz através do exercício racional.”

Racionalidade, propunha Hobbes para a análise dos fenómenos sociais!

A teoria política em Hobbes está intrinsecamente vinculada ao uso apropriado da linguagem. A linguagem, na visão de Hobbes, é a mais útil de todas as invenções humanas e ao mesmo tempo é também uma faca de dois gumes: “ … a língua do homem é trombeta de guerra e sedição”, afirma o autor no Capítulo V de Do Cidadão. No sentido oposto, ou seja, a utilização correta e precisa da linguagem, como um instrumento que permite efetuar o ato de raciocínio, sugere adequadas normas de paz, em torno das quais os indivíduos podem chegar a um acordo. O que se busca é o acordo necessário que funda o Estado Político por meio de um contrato mútuo.

Muitos intelectuais políticos preferem as armas e a carnificina ao contrato e à razão que previne males maiores.

Sobre o vínculo entre linguagem e os autores da atual cacofonia moralista e belicista para a análise do poder político e da guerra, Hobbes afirma:”… aquilo que foi escrito, até hoje, pelos filósofos morais em nada avançou no conhecimento da verdade.”

Lá vai o Hobbes para o Index da verdade oficial! O Dostoievski e o Tolstoi já foram.

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