O que há de novo nesta guerra?
Todas as guerras começam onde a última acabou. Esta invasão da Ucrânia começou com a implosão da URSS e a sua redução a uma potência militarmente vencível e estrategicamente dominável pelos Estados Unidos.
Esta guerra começou quando os Estados Unidos entenderam que chegara a ocasião de fechar o cerco à Rússia e fazer da Ucrânia a sua base avançada no centro da Europa, o mesmo papel que atribuíram a Israel a Sul e aos estados bálticos a norte (agora estendido à Finlândia e à Suécia com uma rápida integração na NATO, a sua aliança militar para a Europa).
A Rússia respondeu com uma ação militar clássica e convencional de objetivos limitados. Uma invasão por 3 eixos, um dirigido do Norte à capital, Kiev, outro no Leste para integrar os territórios fronteiriços e um a Sul para dominar os mares de Azov e Negro.
Até aqui tudo como nos livros da última guerra. Como aconteceu na I Grande Guerra que se previa ser de curta duração, com introdução de um novo fator, a metralhadora, os planos deixaram de ser válidos, as tropas fixaram-se no terreno, em trincheiras. Na II Guerra Mundial o fator novo foi uma má avaliação alemã das capacidades da conjugação de blindados e aviação na planície europeia, que inclui a Ucrânia, e alterou os planos alemães de conquistar a Rússia. Também nesta presente guerra da Ucrânia surgiram fatores novos que a transformaram numa guerra de novo tipo, de resultados imprevisíveis, exceto o de que os povos sofrerão mais e empobrecerão e os ricos enriquecerão.
Os dois fatores novos desta guerra são a centralidade da ação de manipulação de opinião, de propaganda e de conquista de adesão das opiniões públicas “ocidentais” cultural e ideologicamente dependentes dos Estados Unidos e a utilização da guerra económica e financeira através de sanções económicas, do sistema bancário e do embargo comercial.
Nesta guerra tudo é comum a outras guerras, as devastações, os mortos, os crimes, a barbárie, o horror, o sofrimento, os refugiados, a ausência de respeito pelos direitos individuais e coletivos. São elementos comuns a todas as guerras. De novo existe o aproveitamento on line e em tempo real do sofrimento para provocar emoções que justifiquem as medidas que irão provocar mais devastações, de modo a obter os resultados pretendidos pelos Estados Unidos (a potencia incentivadora e que mais tem a ganhar) e que são três: a manutenção do dólar como moeda dominante no sistema financeiro e económico mundial; o enfraquecimento da Rússia (demonstrando que é vencível); e a fixação da Rússia na frente ocidental para não poder apoiar a China, na próxima fase do conflito, a desenrolar no Pacífico.
O perigo da utilização das duas “novidades” nesta guerra são o seu prolongamento e o de ela terminar com uma ação de tudo ou nada, uma solução final com utilização de armas nucleares se a Rússia se sentir encurralada. E existe uma razoável possibilidade que isso aconteça.
Em primeiro lugar a Rússia tinha à partida perdido a batalha da propaganda. A indústria do infoentretainment americana movimenta mais dinheiro do que a do armamento, determinou o modelo civilizacional a nível planetário, dos hambúrgueres aos jeans, da música ao desporto, do cinema às televisões, dos videojogos aos espetáculos virtuais, da publicidade à literatura. A II Guerra Mundial foi já um espetáculo mundial de grande êxito dominado pelos Estados Unidos. A Rússia perdeu a guerra da propaganda à partida, há hoje no Ocidente um pensamento totalitário sobre a definição dos Bons e dos Maus, resta pois, em segundo lugar, a guerra económica.
Até que ponto as sanções afetarão as capacidades militares da Rússia atingir os seus objetivos por meios convencionais?
Para a Rússia os seus objetivos são o controlo da zona Leste da Ucrânia, os acessos aos mares do Sul, impor a neutralidade militar da Ucrânia para não ter uma base de mísseis inimigos à porta.
A estratégia dos Estados Unidos tem sido a de armar e militarizar a Ucrânia, o que terá como consequência a instauração de um estado de guerra permanente na Ucrânia com ataques ucranianos aos territórios ocupados pela Rússia. Será uma excelente oportunidade para a venda de armas, de serviços militares privados, para a venda de petróleo e gás americano, e também de cereais e ainda para as empresas de construção civil americanas contratadas para a reconstrução.
O perigo desta estratégia para os EUA é o do estabelecimento de uma nova ordem económica mundial já não dominada pelo dólar, um sistema financeiro à margem dos antigos acordos de Bretton Woods, de 1944, que estabeleceram as regras para o sistema monetário internacional e criaram o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial.
Sendo assim, o apelo às armas de Zelenski (que ele fará na videoconferência na Assembleia da República como já fez 20 vezes noutros parlamentos — sendo o convite para a repetição sinal de má audição ou de fraca compreensão dos deputados portugueses) e a resposta de Sim, contra os russos marchar da administração Biden, resultará, na melhor das hipóteses, numa guerra prolongada paga com impostos dos europeus (e inflação) e com os lucros a reverterem para os Estados Unidos; numa alteração da atual ordem financeira mundial, com custos para os europeus, pois o Euro não contará no novo sistema, será um dólar de segunda, como a libra. Na pior das hipóteses e como resultado da lucrativa fúria armamentista ocidental despejada sobre o grupo de oligarcas de que Zelenski é o rosto angélico, em nome do direito dos povos à sua liberdade e independência (claro e sempre), poderemos sofrer uma experiência final de um conflito nuclear na Europa, depois de uma agonia de empobrecimento resultante de inflação, depressão económica, desinvestimento, despesas militares.
Os líderes europeus já explicaram aos europeus estas possibilidades? Meras possibilidades, é evidente!
Por fim, assumindo o labéu de putinista: Que Ucrânia existirá durante a guerra, que Ucrânia restará depois da guerra? Que Europa e que Rússia sairão depois deste conflito e das amputações e cortes que ela já provocou? E se daqui a 4 anos os EUA elegerem um novo Trump com outras prioridades, voltado para a política interna e os gravíssimos constrangimentos que a sociedade dos EUA sofre, do racismo e etnicidade, à pobreza e à dívida?
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