"Para evitar todos estes inconvenientes, o direito, em vez de igual, teria antes de ser desigual.
Mas, estes inconvenientes são inevitáveis na primeira fase da sociedade comunista, tal como precisamente saiu da sociedade capitalista, após longas dores de parto. O direito nunca pode ser superior à configuração económica - e ao desenvolvimento da cultura por ela condicionado - da sociedade.
Numa fase superior da sociedade comunista, depois de ter desaparecido a servil subordinação dos indivíduos à divisão do trabalho e, com ela, também a oposição entre trabalho espiritual e corporal ; depois do trabalho se ter tornado, não só meio de vida, mas, ele próprio, a primeira necessidade vital,; depois de, com o desenvolvimento omnilateral dos indivíduos , as suas forças produtivas terem também crescido e todas as fontes manantes da riqueza co-operativa jorrarem com abundância - só então o horizonte estreito do direito burguês poderá ser totalmente ultrapassado e a sociedade poderá inscrever na sua bandeira : De cada um segundo as suas capacidades, a cada um segundo as suas necessidades!"
K. Marx, Glosas marginais ao Programa do Partido Operário Alemão (dito Programa de Gotha), in Marx-Engels, Obras Escolhidas, Tomo 3, p. 17,edições avante!-Edições Progresso, Lisboa.
Portanto, direito desigual (descriminação positiva) na(s) primeira(s) fase(s) da sociedade comunista ; igualdade como lei fundamental na sociedade comunista. O direito, qualquer forma de direito, é ultrapassado. A "bandeira" não significa direito desigual mais.
Ultrapassado o direito (sempre expressão e reflexo de dominação de uma classe sobre outras), permanece a Ética, isto é, os novos costumes, a nova consciência social de cada um para com todos e de todos para cada um.
O "comum" não é somente o "público" ou os bens materiais produzidos socialmente ou os meios de produção materiais, mas também, a cultura, as atividades espirituais, nas quais se insere a nova ética e a mova moral.
Esta nova moral superou todas as formas de moralidade, isto é, todas as regras coercitivas externas ao indivíduo impostas por agrupamentos sociais contra outros. Esta nova moral é a forma de viver em comum, ou seja: em comunidade. O direito à privacidade do indivíduo não exprimirá o direito privado contra o direito público, ou a prevalência do direito público sobre o direito privado. O que é íntimo e pessoal, é íntimo e pessoal, sem intromissões e reservas.
A sociedade comunista não é o "fim da história", mas da "pré-história", como escreveu Marx. Não é uma meta final depois da qual nada evoluirá, mas o começo de outro movimento.
Dito melhor: não é o começo, mas a continuação, sem a luta de classes, dos elementos comunistas que já existem, as potencialidades inscritas na formação económico-social capitalista, conforme Marx-Engels já o diziam em o Manifesto do Partido Comunista e o diz Marx em O capital. O trabalho cada vez mais social -portanto, potencialmente socializável-, o associativismo autónomo que, respondendo a uma necessidade natural-social, forma uma mentalidade. O comunismo enquanto potência, tendência, possibilidade, já começou. Não é um (mero) horizonte. Aquela linha ilusória que se afasta para o navegante conforme ele navega (se der a volta, chegará ao mesmo lugar donde partiu).
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